sexta-feira, 2 de maio de 2014

A ESTRADA


(Não, nada a ver com Fellini ou sua Giullieta Masina.)

A estrada é minha. Própria. Intransferível.

O caminho que me cabe. O caminho que me traça. O caminho que me trama. No caminho, caminho.

Um traço marcado na areia. Um risco lavrado na terra. Destino.

Às vezes, atalho. Às vezes, uma ponte. Às vezes, vereda. Às vezes, uma highway. Às vezes, sendeiro sem saída.

O caminho que me cabe cabe na palma da mão. Entre linhas tortas. De vez em quando, o guardo entre dedos. Outras vezes, o solto feito passarinho.

Já passou por muito túnel... Ele, o caminho. Já subiu muita montanha. E se perdeu por desertos e se embrenhou por florestas e atravessou tanto rio.

Me leva por sua mão. Me impõe a caminhada... Ela, a estrada.

Sem mapa, a sigo por intuição. Sem bússola, vou só seguindo. Nem olho pro céu pra não me perder nas estrelas. Só sigo. Um passo atrás de outro passo. Poeira, pedra ou lajota.

Às vezes, uma fonte. Às vezes, abismo.

Por que paragens me leva? Em quais paradas descanso? Com quem, ao acaso, me encontro? Sei lá... No caminho, caminho.

Minhas pegadas...  Saltos altos... Scarpin apertando o mindinho... Botas pra me proteger... E muito pé descalço, que o tempo cultiva bons calos.

No apressado dos passos, nem sei se realmente deixei marcada na estrada uma pista de tanta encruzilhada. 

Só espero que no emaranhado desse mapa invisível que não consigo decifrar, exista uma linha reta. Uma linha. Que me leve a uma praia pequena e de água tranquila. Onde, algum dia, eu possa molhar os meus pés... Lavar o meu rosto... Refrescar os punhos e a nuca...

E, finalmente, poder mergulhar. De corpo inteiro. Num infinito tchibum! Ir até o fundo do fundo, tomar um empuxo com o pé e, na volta, chegando à tona... Respirar. Fundo. Tão fundo. 

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com) 

sexta-feira, 25 de abril de 2014

RESSACA


Abril nem bem chegou e já vai se despedindo. 

Foi um mês esquisito, embaralhado em feriados, dias enforcados e dias santos. 

Numa Inconfidência pós-moderna, Tiradentes veio de mãos dadas com Judas, ambos ajudando Jesus a carregar o seu fardo e, saltitantes, seguindo o cortejo, São Jorge tentando matar o coelho, enquanto o dragão, quase esquecido, brandindo uma coroa de espinhos, distribuía ovinhos de chocolate para beatas, manifestantes e criancinhas.

Abril teve lua de sangue! E teve eclipse! 

Chegou trazendo o outono e um susto de gripe a que os médicos insistem em chamar de virose. Talvez porque ao pobre paciente só reste mesmo é se virar na cama e tomar antitérmicos. 

Chegou trazendo chuva e disfarçadas ameaças de racionamentos. 

E já se vai, feito touro bravio e pragmático, bufando indícios de pouco crescimento para o país e muita inflação para seu povo. 

Ah! O mês trouxe com ele também a taça da Copa, os chefes da Fifa e a mesma lengalenga de que tudo estará perfeito para o evento com seus fantásticos estádios imersos no caos.

(Esta Copa confirma a nossa falência... Tudo uma grande falácia!)

No engarrafamento dos ônibus queimados, abril fechou todas as portas ao bom senso e à esperança.

(Atualmente, cidadania é um evento pirotécnico...)

Abril nos trouxe um mar revolto e a confirmação da revolta.

Abril superou agosto... Em seus maus ventos e sua ressaca.

Que ressaca! Do tipo que dá muita vontade de vomitar!

Abril entrou por uma porta, saiu pela outra e quem puder... 

Que conte uma boa história. Que traga uma boa nova. Ou, pelo menos, que nos lembre que quinta-feira que vem é feriado, Dia do Trabalho! 

E, melhor que tudo, já vai ser maio... 

O mês das noivas, com seus alvos e virginais vestidos...

E o mês das mães com sua doçura e a oportunidade de boas vendas no comércio. (Tudo com muito laço de fita... E muito amor!)

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 18 de abril de 2014

TÔ DODÓI



Como a febre está renitente
Como a tosse não me deixou dormir
Vou ficar devendo o texto desta semana
Mas deixo a foto

A principio a achei com cara de bactéria
Dessa que eu imagino deva estar me visitando
(Febre alta é sinal de bactéria. Não é só vírus não.)

Mas que nada
É uma pipa solta no ar
É uma pandorga em voo livre
É uma cafifa

Muita paz e liberdade...

Ai... Bem que eu gostaria de pegar uma carona com ela

Vamos aguardar a próxima semana
Vou melhorar

Ah... E aproveito para desejar a todos
Uma Feliz Páscoa!
Inicio de novos caminhos

Muita Paz e Liberdade

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sexta-feira, 11 de abril de 2014

UM GOSTO DE MINEIRINHO


Como a infância gosta de brincar com a gente. Gosta mesmo de nos pregar peças. Decidi nos visitar nas sutilezas.

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Nasci no Rio por acaso. Ou melhor... Nasci no Rio por teimosia de minha mãe. Ou ainda... Nasci no Rio como resultado de meu primeiro ataque de ansiedade. De tanto medo de perder a hora de eventos, chego sempre adiantada. 

Estava tudo preparado para eu nascer no dia 28 de agosto. Eu seria uma virginiana de primeiro decanato. Organizada e metódica.

Se era para o dia 28, minha mãe encasquetou de ir visitar meus futuros padrinhos em Copacabana. Sair de Niterói. Pegar a barca e passar a tarde em uma casa de varanda na Rua Santa Clara. Sou do tempo em que ainda havia casas e varandas...  Imagino que meu pai tenha reagido à ideia, mas ele era pisciano de último decanato e ela, ariana de boa cepa. Não deu outra. A visita se fez. E eu, que ainda nem era, dei uma de leonina com ascendente em Libra, ansiosa e metida, e decidi chegar mais cedo. 

E a história terminou na manhã do dia seguinte na antiga Casa de Saúde Arnaldo de Moraes.

Todo este introito para dizer que, efetivamente, nasci no Rio, mas sou mesmo é de Niterói.

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Como a infância pode ficar entranhada no rés da alma. No onde e quando você não a espera encontrar.

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Minha mãe trabalhava fora e já estava tudo combinado. Minha avó tomaria conta de mim enquanto minha mãe estivesse no trabalho. Mas um dia, quando eu tinha só sete meses, minha avó faleceu e sobrou para meu avô, general reformado, aquela menininha careca e desdentada. Imagino como não era difícil para ele (Fui a rainha das assaduras...), mas ele ia bravamente cumprindo sua missão.

Minha primeira infância foi entre mamadeiras, chupetas, espadas e batalhas.

Aos dois anos e meio, meus pais acharam por bem me colocar na escola.

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A infância não pede licença, nos invadi. É tatuagem. Grafite em nossos sentidos. 

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E, toda tarde, vovô tinha por tarefa me pegar no Curso Pequeno Polegar. Muitas vezes, me levava para o Campo de São Bento, onde eu podia dirigir o autopista, o bate-bate, até a nota acinzentada de cinco cruzeiros acabar. Acho que aprendi a dirigir nas longas sessões dirigindo o carrinho. (Na verdade, minha autoescola começou no carrinho do carrossel. Sempre detestei o cavalinho. E, só depois de mais crescida, me entreguei ao bate-bate)

Toda tarde ele me pegava na escola e tinha de seguir mil recomendações. Não pode isso. Nem aquilo. Cuidado com o vento. Cuidado. Cuidado. Não pode comer nada fora de casa. Ela já lanchou na escola.

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A infância tem sabores...

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Na lanchonete na esquina da Rua Oswaldo Cruz, ele me instruía: É só um churrasquinho com farinha, está bem? E não conta nada pra sua mãe!

Eu seguia as suas ordens como soldado raso. Tá legal, vovô. Mas conta aquela história de quando o tubarão te pegou.

A história era uma epopeia. Ele sendo sequestrado por um tubarão em plena praia de Icaraí. Virava escravo na casa dos tubarões e tinha de fazer todo o serviço. O momento de maior tensão era quando ele tinha de varrer a casa e a maré levava toda a sujeira de volta para a sala. Um horror!

Ele contando a história. Um final de tarde avermelhando o céu e o mar. Os pedacinhos do churrasco de gato prendendo entre os meus dentinhos de leite e, de vez em quando, um gole de Mineirinho (O refrigerante tradicional da cidade. Feito da erva chapéu de couro. Uma maravilha para pedra nos rins).

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Minha infância tem sabor de Mineirinho. Docinha, docinha. 

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Hoje almocei em uma padaria em Niterói, fazendo hora pro dentista. Não resisti, pedi um Mineirinho (É certo que diet, mas Mineirinho).

Dei o primeiro gole... O segundo... E ouvi: Era de tarde quando o tubarão me pegou pelas costas, nem pude me defender...

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A infância tem essa mania de nos deixar com os olhos assim, sei lá, com um brilho estranho, feito beira d´água, onde se reflete o sol e o entardecer e onde, às vezes, só às vezes, um tubarão pode vir te pegar.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 4 de abril de 2014

ESPELHO


Tem sempre aquele dia em que se olha firme no espelho e se confirma... Quanto tempo passou!

É o tipo de dia em que a gente olha pro espelho e se conforma... É, passou!

E neste olho no olho, entre imagem e imagem, entre real e avesso, o espelho te conforta... Até que nem tanto passou.

Mas, arranhada no espelho, uma ruga te confronta... Que passou, passou!

O espelho é almofariz onde se macera a imagem. 

O sumo de seu reflexo é um canto de olho, um olhar, um subir de sobrancelha, um certo jeito de rir... Um rosto meio fada, meio bruxa, meio ninfa e duende. Um rosto que se dilui em um emaranhado de histórias... Nem sempre com final feliz.

No reflexo desse espelho, tempo diluído em água, se confirma e se confronta o que foi e o que não foi. Desejo que se perdeu em fato. Vontade que virou enfado.

O espelho é só reflexo. Sem magia e sem respostas. Não reage ao Espelho, espelho meu...

Não perdoa nem Narcisos...

O espelho é o que é. E só.

Almofariz de pedra onde se macera, com ervas e sal grosso, o caminho e a viagem. Miragem... Miragem...

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sexta-feira, 28 de março de 2014

O CANAL AO LADO


Segunda feira passada. Chego em casa depois de uma viagem rápida, mas cansativa. Hoje em dia, quando me perguntam se tenho medo de avião, respondo sem pestanejar: De avião, nem um pouco. Tenho medo... Pavor ... É de aeroporto!

Estava cansada...

Um longo banho e... Caminha. Liguei a televisão para ajudar o sono a chegar.

Na tela, em HD, um homem barbudo, sem camisa, vestido de tatuagens gritava, gritava, gritava, gritava, gritava, gritava, gritava com uma mulher jovem, tão igual a tantas mulheres jovens, que querem ser jovens e permanecer jovens. O mesmo cabelo. A mesma roupa (embora pouca naquela cena). Os mesmos trejeitos. A mesma autenticidade planejada. O mesmo peito. A mesma bunda. O mesmo silicone. O mesmo olhar perplexo e intencionalmente inocente. E a mulher gritava, gritava, gritava, gritava, gritava, gritava, gritava...

O texto era fraco. Enfadonhamente repetitivo. Então você me escolheu!... Eu não tinha opção!... Então você me escolheu!... Eu não tinha opção!... Então você me escolheu!... Eu não tinha opção!... Então eu me escolheu não opção!!! (Gritavam ao mesmo tempo e não diziam nada... Em horário nobre. No canal mais assistido e respeitado da televisão brasileira. Fiquei pensando em quantos milhões de reais patrocinavam aquele vazio. Aquela boçalidade. Fiquei pensando em quantos milhões de brasileiros assistiam, naquele momento, àquele vazio. Àquela boçalidade...)

Por mais que me digam que o programa pode trazer contribuições às áreas da antropologia, sociologia, psicologia e outros academicismos... Para mim, aquilo era ruim. Pobre. O retrato de um Brasil medíocre e triste. Sobrevivendo a botox.

A mão indignada não resistiu. Tomou do controle remoto e zapeou. E, no canal ao lado, em close, reconheci o rosto de Adélia... Adélia Prado. A poeta Adélia Prado. Um oásis em um deserto! Água pura para se beber. Saboreei. 

E Adélia falou da Vida, de Poesia, de Arte, de Deus. Falou de sua Indignação com o país. De sua Incompreensão. Falou de Guimarães Rosa e de Juscelino Kubitschek. De Literatura e Família. Falou de Vida em cidade do Interior. Falou de Movimentos e de Politica. E, quando algumas vezes, lhe perguntaram algo, ela teve a leveza de dizer: Não sei... Era bonito.

Adélia leu dois de seus poemas. Adélia chorou ao terminar um deles. 

Adélia tomou a minha noite em suas mãos e a iluminou de consistências. A minha noite plena de leveza e solidez. Sua voz mineiramente mansa tinha tanta coisa a dizer. Seu texto, sem marcações pré-estabelecidas, fluía como água doce a procura do mar. 

Naquela noite, Adélia foi o meu país possível e pleno. Foi o meu Brasil sem maquiagem. Foi a terra onde sempre quis viver.

E esse país existe. Tem que existir. Deve existir. Ali, logo ao lado. Em algum lugar bem perto. Perdido na trama de um texto pobre. De um mau roteiro.

Adélia não precisa gritar... Porque tem muita coisa a dizer...

E, quando não sabe, tem a honestidade de falar... Não sei. Era bonito.

Ali. Logo ali. No canal ao lado. Me esperava a minha terra. O meu país. A minha pátria amada... Essa mulher que não esconde a idade. Que não se enfeia a botox. Que não se siliconiza.

Minha terra que sabe falar. Minha terra que tem o que dizer. Minha terra Poeta.

Minha terra... Logo ali, no canal ao lado...

Cabe sim, a cada um de nós ter a força e a determinação de zapear. 

Tem de haver um canal ao lado... Tem de haver...

NOTA: Entrevista de Adélia Prado dada ao programa RODA VIVA em 24 de março de 2014. 

(pblower-vistadelvila.blogspot.com)

quinta-feira, 20 de março de 2014

INOCÊNCIA



Esta semana, não há um texto, mas uma dica. Uma sugestão de bem estar. Confesso que há algum tempo não me sentia orgulhosa de coisas da cidade do Rio de Janeiro... Mas, neste domingo... Neste domingo, fui visitar o MIAN - Museu Internacional de Arte Naif do Brasil (Rua Cosme Velho, 561).

Não sei se foi a companhia maravilhosa, ou o dia que se fez azul e perfeito, ou o ar bem refrigerado, ou os muitos turistas estrangeiros que transitavam pelo lugar (o museu fica quase ao lado da estação do trenzinho para o Corcovado, então há muitos turistas pela região), ou a organização e o acervo... Sei lá. Talvez tenha sido tudo junto... Foi uma experiencia deliciosa.

No subsolo, artistas internacionais. No térreo, os artistas brasileiros e ângulos maliciosamente inocentes da cidade. Adoro arte naif, com seus  mínimos e infinitos detalhes.

No mezanino, um enorme painel, cobrindo todas as paredes e contando a história do Brasil. Do descobrimento à inauguração de Brasilia. Com a frase de fecho: "Brasil 3 séculos de lutas".

Brasilia... Com seus políticos em plano central e o povo, abaixo, inocente, feito de pedacinhos coloridos. Pessoas sem rosto. Anônimas e frágeis. Como confete de final de festa. Como confeito de bolo em aniversário infantil... Pessoas, absolutamente, degustáveis.

(O canibalismo não foi apenas privilégio da parte do mural histórico que mostrava jesuítas e indígenas... Que nada, continuamos a ser digeridos!)




Então, mesmo que orgulhosa pelo nosso museu (acho que é o único no Brasil), pensei nessa minha terra que podia ser plena, organizada, simples e rica... Nem precisavam refrigerar...

Pensei nessa terra que dispensa o colorido de murais. Terra que está mais para a dramaticidade dos murais de Orozco que para a colorida inocência de Lia Mittarakis.

Então, rezei... São Francisquinho olhai por nós!


São Jorge, Guerreiro, olhai por nós!


Nossa Senhora, desata estes nós que fazem de minha terra, não uma renda, mas novelo embolado, esquecido em um cesto qualquer.


Nossa Senhora, rogai por nós!

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)