sexta-feira, 28 de agosto de 2009

NÃO TIVE FILHOS


E cá estou eu novamente no Brasil. E estar no Rio de Janeiro significa muitos almoços e jantares com parentes e amigos. Muitas visitas. Muitos encontros. Significa também cumprir a tradição do que as primas-sobrinhas chamam de eventos sócio-culturais, isto é, sair com elas e aprontar. Inventar passeios. Fazer sempre algo novo e inesperado.

Primos-sobrinhos ... Sou uma filha única com um número respeitável de sobrinhos. Filhos de meus primos. Filhos de alguns amigos. Sou filha única e não tive filhos, mas tenho o privilégio de estar com frequencia cercada de uma moçada bem novinha. Divido com eles a emoção do eterno recomeçar, a surpresa das descobertas.

Quando Maria Clara, minha afilhada, nasceu, escrevi um pequeno texto (Um poema? Uma prece?) que não mostrei para ninguém. Um silencioso presente. Uma benção sussurrada no vento.

Deixei o texto guardado por algum tempo, mas hoje, pensando nesses meus sobrinhos que, por crueldade do tempo, insistem em crescer e não têm mais tempo de ser, em horário integral, meus bebês por estarem às voltas com Especializações em Marketing, faculdade e cursos de robótica, decidi publicar minha benção. Que sejam palavras imantadas de muita energia e carinho. Palavras com a força das montanhas.


SAL

tudo que me acontece

é do bem

e vem para o bem


a cada nova empreitada

me fortaleço

com experiências anteriores

alegres ou tristes


para cada pensamento de medo

surgem três idéias novas e claras

de sucesso

de saúde

de paz


Sou forte


vim para trazer paz e alegria

e proporcionar aos outros

momentos de muita felicidade

Sou veículo de luz

posso a cada passo pois estou com deus



Nota: O texto não é uma jóia literária mas, como essas medalhinhas douradas com um santinho gravado que a gente costumava prender com um alfinetinho de fralda nas antigas camisinhas de pagão, espero que traga boa sorte e proteja contra quebranto e mal-olhado. Amém.


(in a vista del avila)

terça-feira, 18 de agosto de 2009

UM PRESENTE INESPERADO



17 de agosto, véspera de meu aniversário. Como viajo na sexta-feira para o Brasil, este ano, decidi não fazer festa. Assim, o dia seguiu rotineiro e sem maiores emoções. Muito diferente do ano passado, quando resolvi fazer o que na década de 60 se chamava uma festa de arromba e os dias que a antecederam foram de puro frisson (Como estou antiquada! Seriam os 52 anos chegando?).





Dia comum é dia de levar Silvio ao trabalho, dar uma caminhada, passar nos auto-mercados de Valle Arriba e Santa Fé (sempre faço uma checada nos dois, pois, muitas vezes, o que não tem em um, tem no outro), organizar as coisas em casa, inventar o que comer e bolar algo mais chévere para o jantar. Uma saída de tarde ... mas decidi não sair, pois estavam fazendo uma retrospectiva de Indiana Jones na TV e não resisti. Esta coisa de ver filme de tarde na televisão é algo que ainda me surpreende e me encanta, mesmo depois de mais de dois anos exercendo o meu ofício de International Vagabond.





E assim foi passando a tarde, eu na sala de televisão vendo filme, às vezes mexendo com a Internet, e na hora dos intervalos, dando uma olhada no livro que estou lendo agora: Operación Jaque, outro sobre o resgate dos reféns na Colombia.





Lá pelas cinco, mudei para a TV aberta para ver se havia mais informações sobre La Nueva Ley de Educación (É como andar de bicicleta, não consigo me desligar totalmente quando o assunto é Educação). Acredito que por estarmos em pleno periodo de vacaciones, muito pouca gente (del pueblo) tenha tido acesso ao texto aprovado esta semana. Decidi pesquisar na Internet e encontrei o texto na íntegra na edição da Gaceta Oficial. E foi aí que a campainha tocou. Nossa! Já era Silvio chegando!





E quando fui abrir a porta, o cair da noite me pegou desprevenida. O Ávila, depois de muitos dias de chuva forte de tarde, estava pleno, limpo e com uma camada de nuvens brancas tecendo sua base. Apesar de mais de dois anos em Caracas, ainda me surpreendo e me emociono com esta montanha.





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Aqui termina o texto e se inicia o vídeo, o filmezinho de abertura. Cada vez que me ouço, acho que chio muito e falo arrastado, mas é nessa fala lenta que registro o meu fiel encanto ... E agradeço à vida pelos presentes inesperados ...



Um presente inesperado, nesta véspera rotineira e tranquila de mí cumpleaños.





(in á vista del ávila. O filme não faz jus à imagem que vi, mas ... fica o registro)

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

REFRANES VENEZOLANOS

O dia amanheceu azulzinho e assim se iniciou nossa rotina diária. Como levo Silvio ao trabalho, tudo começa muito cedo para nós dois. Acordar, banho, café da manhã, tudo ao som de Primeras Páginas, um programa informativo da Globovisión. E aí é só sair e, via caminos verdes, ir direto à Torre Plaza onde Silvio trabalha.
Se não tomamos a autopista, que está sempre engarrafada pela manhã, o percurso não leva mais que vinte minutos. Vamos conversando e sintonizados a 99.1 (Frecuencia Mágica) que, neste horário, apresenta um programa novo e delicioso chamado Contra Reloj. Nele, duas jornalistas (Diana Carolina Ruiz e Sheina Chang - um dia escrevo sobre esta última) comentam notícias e conversam sobre os mais variados assuntos. Estão sempre conectadas com seu público e recebem e comentam mensagens de texto, correos eletrónicos e telefonemas. É um grande bate papo a que me incluo como atenta ouvinte.
E, nesta manhã bem azulzinha, enquanto voltava para casa, tendo a meu lado esquerdo o Ávila e umas núvens bem brancas que faziam o céu ficar mais azul, as jornalistas começaram a falar de refranes venezolanos (ditos populares da terra). Riam, brincavam, iam se lembrando de falas de suas abuelas, o público contribuía: A caballo regalado no se le miran los colmillos. Seria miran ou miden? E riam novamente e foi aí que eu me lembrei do primeiro refrán que ouvi por aqui e a esta lembrança foram se somando outras.
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!Cachicamo no trabaja pa lapa! me disse uma vez Señora Paulina, minha massagista, enquanto exaltada explicava que não ia trabalhar pelos outros, afinal o cachicamo (acho que tatu para nós) não vai fazer buraco para servir de moradia para a lapa, uma espécie de paca daqui.
Adorei o dito e tentei usá-lo várias vezes, mas sem sucesso. Afinal, para quem, em plena Venezuela, eu iria dizer !Cachicamo no trabaja pa lapa! Se fosse em outros tempos, eu saberia perfeitamente como, quando e para quem proferí-lo e até em que entonação, mas aqui, só mesmo para Silvio e não acredito que fizesse muito efeito. Em questões de casa, ele é uma lapa bem espertinha.
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!Hacer borrón y cuenta nueva! Foi assim que reagiu um dia, Claudia, depois de eu conseguir ser absolutamente consistente em meus erros com verbos em espanhol. Hacer borrón y cuenta nueva ... Passar uma borracha. Começar de novo. Esquecer o que passou de difícil e complicado. Tentar de novo e buscar novos resultados. Me apaixonei pelo dito. Já o usei uma ou duas vezes falando com venezuelanos e confesso que causa efeito. Me dá um certo status de nativa.
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Gosto também de !Tocar la puerta no es entrar! É verdade, há que se fazer maaais esforço. E é neste dito em que penso todas as vezes em que caminho na redoma de Valle Arriba tentando perder os quilos que foram achados entre os mais deliciosos pães e doces desta terra.
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Há um outro que tenho ouvido com muita frequência nos últimos tempos: !A mal tiempo, cara buena! Isto é, se a situação está difícil, há que se ter humor e reagir com esperança e alegria. Este, particularmente, me emociona em uma época de tantos desencontros. E me remete a um outro que aprendi por acaso, perambulando pela Internet: Cuando el río suena es porque piedras trae. Em um rumor, há sempre algo de verdade... Não é verdade?
Sim, responderia o diabo, que Más sabe el diablo por viejo que por diablo. Assim se diz das pessoas mais velhas e experientes. Pessoas que já viram muitos filmes e sabem os clichês das histórias e da História.
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E por aqui vou terminando que Hasta aqui nos trajo el río, daqui pra frente, quem sabe?
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Me despeço imitando as crianças que ao final da história gritam e alardeiam: !!!!Colorín, Colorado, el cuento se ha acabado!!!!
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(in à vista del ávila)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

UM POEMA ANACRÔNICO

Acordei com um antigo poema na alma e no coração. Um poema que eu já considerava anacrônico. Retrato de uma época triste e de muito silêncio. Um poema de um tempo em que as pessoas tinham medo de escrever poemas. Decididamente um poema anacrônico.




Tentei me desfazer do intruso. Afinal, não pode haver mais espaço para silêncios em pleno século XXI. Mas ele insistia.Um poema à flor da pele.




Fui até o meu mágico balcón. Tentava distrair-me. Tentava despistar o poema. Quem sabe não desistia. Nada. Continuava presente com sua impotente indignação. Ao longe, o Ávila me observava. Parecia se divertir com a minha inútil batalha para me livrar do poema. O monte me sorriu solidário. Trocamos olhares e silêncios. Nunca havia me sentido tão criolla, tão parte desta terra.

E o poema me venceu e saiu boca a fora, sussurrado no ar, bem a frente da montanha.

PRISMA

Pois que se cumpram todas as sentenças
Pois que se fechem todas as cabalas

Nas mãos abertas
o destino é rasgado à faca
Faça-se, então, o que se tem que fazer
(o que se há de fazer?)

Aceito a estrada
como quem tem o mapa
(mas tudo é descaminho)

Pois que se percam todas as certezas
Pois que se abram todos os atalhos

Se há de ser tristeza
que eu a reinvente
Que a vida viva
me sirva de mortalha

Eu tenho a arte de estar sempre atenta
Tiram-me a palavra
E eu não me calo








Nota: Foto by Eulália Fernandes. É incrivel que mesmo nos dias mais escuros, o sol insista em aparecer. É incrivel como uma foto, mais que mil palavras, possa expressar tão bem a eloquencia do silêncio.








(in à vista del ávila)