sexta-feira, 30 de outubro de 2009

DIAS ALARANJADOS




Não sei se foram os dias muito corridos nestas últimas semanas ou talvez este outubro que escorreu entre os dedos numa velocidade de filme de ficção científica...



Ou quem sabe não foi esta seca fora de estação que faz com que já se anuncie em cadeia nacional um racionamento de água e de luz no país e que já me deixou tal qual sertaneja catando gotas em baldes há alguns dias atrás...

Ou talvez seja a proximidade de um novo Natal, novamente, uma data que não me cai muito bem já faz algum tempo...


Pode ter sido a ida ao Cementério (contra a vontade de Silvio), um mercado popular que fica em um bairro aqui de Caracas famoso pela violência. Um mercado onde se pode comprar de tudo a preços inacreditáveis. Uma babel de roupas e comidas. Uma mistura perfeita de Porto bello Road e Mercadão de Madureira...


Não sei ... O fato é que tenho andado cansada.

(Pode também ser a idade ... Que ninguém nos ouça.)


É um cansaço estranho que nem mesmo me sentar no balcón e ficar vendo a vista do Ávila consegue resolver. A cidade me parece mais congestionada e os venezuelanos um pouco mais impacientes, principalmente nos dias dos jogos da temporada de beisebol. (Ainda bem que os Leones estão ganhando!) Outro dia, só porque dei uma paradinha na rua, impedindo que todo o trânsito fluísse, uma coisinha rápida, já tinha um motorista atrás me gritando: !!!Arrecha!!! (Que seria algo como: Arrogante ou ... Fodona.) Me enfureci, me indignei, mas não sabia como responder ao insulto. De qualquer forma gritei: !!!Coño!!! Acho que funcionou, pois o motorista saiu ventando e fazendo gestos com as mãos que são conhecidos internacionalmente.


(Pode ser a idade sim ... Ando cansada e impaciente.)


Replantei minha hortinha há quase um mês: manjericão, salsa e chicória e nada das sementes brotarem. Faço tudo que meus sogros faziam quando estavam por aqui. Rego, ponho pra pegar sol, falo com a terra, suplico: Cresce. Nasce. E nada. Ou pior, estão saindo uns verdinhos que eu acho que é mato.


(É a idade... Ando muito impaciente.)


Podem também ser Los Dias Naranjos. Hoje, enquanto eu ouvia Contra Reloj, um de meus programas favoritos, ouvi uma entrevista com o produtor de um novo filme venezuelano sobre um de esses dias alaranjados. O filme trata de outras coisas, mas é verdade, tem amanhecido e entardecido mais cedo e o céu de seca assume esta cor sempre que o sol chega e se vai. Isto deve mexer com a gente.


(Não tem nada a ver com a idade.)


Tem a ver com o silêncio das tardes e também das manhãs. Por onde andam minhas amigas, las guacharacas,  que não as escuto ao amanhecer?

Está uma época estranha ... Não é a idade, não.


E aí me ponho em frente ao computador para escrever um novo texto. E não sai nada. Só a tela em branco me olhando de lado. Me desafiando... Vai arrecha. Escreve! E eu nada. Só olhando.


Quem sabe mais tarde, eu tento de novo. Sei lá, acho que o texto desta semana não sai não.

(in pblower-vistadelvila)

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

NOVAS ANTIGAS EXPERIÊNCIAS



Não tive muitos ônibus em minha vida, mas os que existiram foram inesquecíveis.



Me explico. Não sei se é assim com todo mundo, mas para mim, houve alguns ônibus (os seus trajetos, seus horários, as pessoas que usualmente encontrava neles) que me marcaram para sempre.


Não vou nem falar das recordações mais remotas da infância. A voz de papai dizendo: Vou pegar a amarelinha. Ou quando saía com mamãe e a gente comprava as fichas da lotação e depois as deixava cair em um vidro acestavado e fazia um barulho surdo ... Plom, plom, plom. As fichas tinham cores diferentes e como eu as desejava em silêncio. Eu costumava brincar de cobradora de ônibus com vovô Claudio e seria um sucesso ter as fichas para usar na brincadeira. Eu e as minhas idéias me menina.


Mas o primeiro ônibus em minha vida foi o 49. Um circular que nem sei se ainda existe em Niterói. Circulava de tal forma que quando se entrava no ônibus sempre se encontrava alguém conhecido. Como estava sempre cheio, ia todo mundo apertado, se esbarrando e os motoristas ainda davam umas freadinhas que empurravam as pessoas mais para frente, o que eles chamavam de freio de arrumação e aí dava para entrar mais gente. Pois foi o 49 o representante de um dos ritos de passagem em minha vida. Um dia mamãe me deu o dinheiro da merenda e o da passagem também e disse: Já tá na hora de você ir sozinha pra escola. Ali começou minha adolescência. (As coisas eram bem mais simples naquele tempo. Eu nem sabia, na época, que eu era uma pré-adolescente com grandes variações hormonais e com potencial de sofrer problemas existências que poderiam afetar minha psique para o resto da vida). Nada disso. Me senti uma adulta(!!), pegando o 49 sozinha.


Depois foram o 119 e o 154. Era meu primeiro ano de faculdade. Eu tomava a barca, fazia a travessia Niterói/Rio, aproveitava para estudar no percurso, pegava um dos ônibus para chegar à praia de Botafogo e, finalmente, chegar à universidade. Eu gostava mais do 154, era mais vazio. São inesquecíveis as manhãs de outono, quando passávamos pelo Aterro e uma névoa baixa, um resquício da noite, insistia em permanecer na paisagem. Era o ônibus correndo e a minha cabeça a mil... planos para futuras aulas, viagens desejadas, muitos poemas ... Todas as possibilidades da vida se abriam para mim naquelas manhãs.

No ano seguinte, decidi ir para a faculdade de 996. Não tomava mais a barca, atravessava a ponte, que, naquela época, eu achava engarrafada. (Que inocentes podem ser os jovens! Nos muitos anos que se seguiram enfrentei na ponte engarrafamentos antológicos). O 996 demorava e ainda demora tanto tempo para chegar a qualquer destino que se pode tomar decisões das mais profundas em seu percurso. Uma pessoa pode criar estratégias consistentes para mudar toda a sua vida entre a Praia de Icaraí e a Gávea. E foi no 996 que comecei a planejar minha primeira viagem à Europa e também fui visitada por inúmeros poemas inéditos. A cabeça ia encostada na janela, vento no rosto e as palavras fervilhando no cérebro.


Mas, no outro ano, comecei a ir para a faculdade de carro e me transformei no que sou ainda hoje, uma motorista compulsiva, um ente moderno feito de cabeça, tronco e rodas.


Tenho uma amiga que diz que tem dificuldades de andar de ônibus porque perdeu o timing entre tocar a campainha e sair no ponto desejado. Tenho o mesmo problema. Quanto tempo antes se deve avisar ao motorista que se quer saltar? Quando o ônibus está cheio então é um horror!



Passei muitos anos sem pisar em um ônibus e, portanto, quando cheguei a Caracas, nem cogitei de usar transporte público. Mesmo no tempo que fiquei sem carro por aqui, preferia contar com os táxis, que também são problemáticos, mas, pelo menos, eram meios mais conhecidos para mim.


O transporte público aqui deixa a desejar. Há o Metro (se diz métro) que é muito bom, moderno, mas que só atinge uma parte da cidade e está sempre, como eles dizem... full. Táxi não tem taxímetro e pode ser moderno e confortável ou absolutamente bandalha, em todos os sentidos. Há o Metrobus, excelente, mas que não chega onde moro. E, há os ônibus normais, menores e às vezes bem velhos: as camioneticas ou melhor dizendo ... las busetas. Tenho problemas para usá-las por muitas razões, mas acho que a principal é lingüística. Em bom espanhol, pegar um ônibus é tomar, ou pior, agarrar una buseta!!!!! Por mais cabeça aberta que eu seja, tenho dificuldades para perguntar as pessoas: Por favor, ?Donde se agarra la buseta para Bello Monte? Difícil, né?


Mas, naquele dia, Claudia, nossa professora, nos queria mostrar a cidade por outro ângulo. Sugeriu que fôssemos à Quinta Anaudo Arriba, a casa mais antiga de Caracas (1632) e que fica em San Bernardino, um bairro tradicional da cidade. Iríamos de carro até Sabana Grande, tomaríamos o Metro para o centro, tomaríamos um Metrobus até o Hotel Ávila, almoçaríamos no hotel e, depois, tomaríamos una camionetica (Claudia nunca diz buseta) até à Quinta.

No Metro, apesar de totalmente full, deu para eu matar saudades de Londres. O barulho do trem nos trilhos (caplac, caplac, caplac), o escuro e as luzes. Só não tinha o mind the gap. Eles não falam nada aqui. Cada um que cuide de si. No Metrobus, passando pelo centro, Ana e eu optamos por ficar em pé, perto do motorista, para ver todo o movimento da cidade. Chegamos ao hotel e o lugar era uma delícia. Um parque bem aos pés do Ávila. Almoçamos super bem e aí chegou a hora fatídica: !La hora de la buseta! Fiz de tudo para Claudia desistir. Propus pagar táxis para todas, mas ninguém me dava apoio e lá fomos nós para o ponto. Logo chegou uma camionetica que não era tão velha e não estava tão cheia. Não havia muita gente esperando na parada e, quando entramos, as amigas fizeram questão de me fotografar. Achei exótico o motorista estar acompanhado do Piu-Piu, mas mascotas são mascotas, não dá para questionar.


O trajeto foi rápido e, confesso, bastante interessante. A senhora sentada a meu lado, como boa venezuelana, imediatamente começou a conversar comigo. Me explicava onde estávamos e dizia das vantagens daquela buseta. Atendia a toda a região e era bastante barata.


Uns dois ou três pontos depois chegamos à Quinta e, depois da visita, regressamos ao ponto para o percurso de volta. A espera foi mais longa desta vez, mas valeu, pois a buseta que pegamos era super incrementada. Toda pintadinha de verde, com cortinas nas janelas, uma imagem de La Virgen de Coromoto e uma frase gravada junto ao vidro: En honor de mi hijo. Perguntamos a Claudia, mas nem ela sabia dizer se era uma homenagem póstuma ou uma celebração pelo nascimento do filho. Não importava. Ela também nos explicou que aquela buseta podia fazer transporte para outras cidades, pois tinha cortinas nas janelas, o que indicava que tinha autorização para tal.


E lá fomos nós, descendo e subindo ladeiras. As amigas fotografando, conversando, rindo, mexendo comigo. Mas, como o percurso era mais longo, foi todo mundo se calando e, de repente, me vi em uma cena antiga... a cabeça encostada no vidro, o vento no rosto, não havia mais planos de aula, nem mesmo o desejo de viagens, só meu olhar correndo a cidade, visitando o entardecer... E, aí, as palavras começaram a fervilhar...

(in pblower-vistadelvila)

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

UM ANO DE BLOG



E já se passou um ano desde o primeiro texto. E já se passaram 54 textos! Quase três anos em Caracas e um ano cumplido, escrevendo o blog.

O primeiro texto, bem curtinho, uma tentativa de trabalho em um tipo de mídia tão novo para mim, dizia apenas:


Aqui começa a narrativa de minhas experiências e impressões vivendo junto à Cordilheira Del Ávila ou Warairarepano (El mar que se hizo tierra), a montanha mágica que abraça e observa a cidade de Caracas, Venezuela.
Será meu diário, algo que havia me prometido fazer há mais de um ano quando cheguei a Caracas. Só agora me disponho a fazê-lo. Espero que este registro possa ser para mim um bom companheiro de viagem!


E como tem sido parceiro e amigo este meu espaço virtual onde me conto e me encontro com amigos. Onde me aconchego, em meus silêncios, nas tardes de chuva; em minha alegria, quando o sol nasce iluminado; em minha eterna surpresa e deslumbramento, quando olho a Cordilheira da Costa e vejo, à distancia, o meu Cerro Ávila.


Na primeira apresentação do blog, eu informava que ele traria “Relatos de experiências e impressões de uma brasileira vivendo em Caracas, Venezuela.” E assim foi, no inicio, mas aí comecei a querer mais. Queria contar para além das fronteiras da cidade. Foi Eulália quem me propôs a mudança. Um dia ela me disse: "Amplia a apresentação" e então complementei: "E ainda ... eventuais poemas e outras histórias."


De um salto, cruzei a montanha e cai no Caribe e em um mar de possibilidades. De um salto, abri meu baú e me reencontrei com poemas escritos há tanto tempo. Uns ainda tão eu, outros, uma sombra de tempos passados (perdidos?).


A disciplina de trazer um novo texto a cada semana reativou em mim uma coisa que estava adormecida há tempos: o olhar atento ao detalhe, ao acaso, à surpresa. Olhar e ver. Ver para contar. E olhar para fora e para dentro. E perceber reflexos em espelhos, metais, estilhaços, vidraças ... Reflexos em profundas superfícies, como naquele texto sobre amigos:


Se amigo é casa, amizade, para mim, é uma vidraça muito transparente. E é no silêncio do vidro que se dá o encontro. Íntimo. Pleno. Muitas vezes, raro. Amizade que nos surpreende, nos emociona. Cúmplice superposição de almas.(in Amigo é Casa)

E ao longo deste ano, quantos encontros aconteceram. Lúcia e Bia, a quem fui apresentada via comentários e que depois encontrei pessoalmente numa deliciosa tarde no Rio. Elzinha, Marilia, Celina e Eulália, amigas/irmãs de tantos anos e que me visitam com íntima assiduidade. Mônica e seus comentários rápidos e precisos. Soraya, companheira de aventuras em terras caribenhas. Alzira (um gratissimo reencontro!) e suas observações feitas de contida emoção. E Cida Neves, que nunca aparece, mas que agora eu conto para vocês, me escreve (via email!) toda semana. O blog para nós serve de uma boa desculpa para matarmos saudades e colocarmos o assunto em dia.

Outros são invisíveis encontros. Como quando estou com alguém que me diz: "O texto desta semana foi ótimo!" Ou: "Leio seu blog toda semana."

 

E que gratas surpresas são as visitas esporádicas de Ricardo, Ana Cristina, Valéria e Vera, amigos de diferentes épocas. Queridos amigos.

Quando penso nos textos, descubro que há os grandes sucessos. Os preferidos. E em primeiríssimo lugar está Jo hablo Portinhol ou Jonathan, Mãos Sujas, a saga de um eletricista em minha casa.


Tive ímpetos de pedir para que parasse de se arrastar pelas paredes e fosse lavar as mãos, mas nem os meus dez anos de análise me possibilitaram tal gesto. Em que registro se pede para que o electricista, tão aguardado, pare tudo e vá lavar as mãos.

Minhas aventuras entre terremotos e enxurradas têm também boa receptividade, bem como meus esforços em academias de ginástica.

É um blog com muitas fotos, mas nenhum rosto. Cabe ao leitor desenhar seus personagens. E por falar em personagens... Não posso deixar de falar de Silvio, meu companheiro de todas as viagens e meu personagem mais que especial. Lembro que um dia ele ficou de mal comigo porque eu o comparei a Shrek em um dos textos. (Mas era verdade!)


Nas últimas semanas Silvio chegava do trabalho cada vez mais verde. Foi esverdeando aos poucos, mas sua cor de Shrek se intensificava a olhos vistos.(in Um Casal Argentino)


Mas também foi para ele que fiz um dos textos que mais gostei de escrever e que Valéria classificou como “narrative verse”. Fiquei super orgulhosa.


Depois ele olhou para mim e sorriu um sorriso que só ele sabe dar. Não se fez de rogado: “Viu? A pedra maior é a minha, porque sou maior e mais forte.” E eu sorri e me fiz de ofendida e incrédula, mas não disse nada ... Eu sabia que era verdade. Olhei para o nosso castelo. Nossas pedras unidas, o vento e o sol. Fotografei o momento com a câmera e meu coração.(in Amor)


Momentos. Meus momentos ... que compartilho com todos que me queiram ler.


Quando comecei o blog, acreditava que seria a autora de minhas histórias, mas que nada. Hoje, percebo que não passo de uma das muitas personagens. Quem me narra, me cria e me dá vida, é quem me observa, a uma certa distancia, e que, com a sabedoria das montanhas, pode perceber todas as minhas nuances. Minhas mudanças de tom e humor. Meus dias de arco-íris.


Um ano de blog... Agora sei quem é o meu autor e, como cúmplice, em um pacto de vida, me entrego em suas mãos e permaneço, pelo menos por mais um ano,  À Vista Del Ávila.



(in pblower-vistadelvila)


PS: Podem enviar comentários. Agora a configuração está modificada e os comentários entram. Pelo menos, espero que entrem.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

DA ILHA DE CAPRI AO SOL DA TOSCANA



Saimos cedo de Sorrento, mas ainda deu tempo de conhecermos uma fábrica de marchetaria com produtos lindíssimos. Nunca pensei que os trabalhos fossem feitos com lâminas de madeira tão finas. Pura arte.



De lá para o cais, rumo a Capri. O guia foi insistente: Temos que chegar à Gruta Azul antes dos japoneses, porque senão vamos esperar um tempão para entrar. Aquilo me soou quase como uma operação de guerra. Brasileiros, australianos e demais aliados prontos a enfrentar o inimigo comum. A estratégia deu certo. Chegamos ao catamarã antes dos japoneses, nos colocamos em melhores posições para ver a chegada à ilha e tomamos os barcos para a Gruta, sempre à frente dos demais. Apesar da corrida, chegar a Capri faz bem à alma. Tudo é simples e bonito. E há um burburinho, uma mistura de vozes, diferentes línguas, água batendo no cais e uma música...


Fomos costeando a ilha até chegarmos à entrada da Gruta. Aí sim, uma operação de guerra. Mar batendo, barquinhos à volta, barqueiros gritando e, num pulo, você se atira no barquinho e, agachado no chão, está pronto para enfrentar a entrada. Por sorte a maré estava baixa, se não, não dá para entrar. O barqueiro grita: uno, due, tre! Você abaixa a cabeça e tchibum! Está dentro da Gruta. A total escuridão explicita o azul do chão. Os barqueiros cantam, levantam os remos para que a gente possa ver a água brilhante caindo no mar. O SOLE MIO!!!!


Foi bom voltar. Depois de tanto tempo. Quando estive com Silvio na Itália, o clima não permitiu que fôssemos a Capri. Então, só agora, eu pude me encontrar, na escuridão do momento, com aquela moça cheia de sonhos que tinha ficado perdida por trinta anos na Gruta. Uma Patricia que já não existe hoje em dia. Nos entreolhamos e sorrimos uma para a outra. Molhamos juntas as mãos na água e juntas vimos gotas brilhantes caindo de nossos dedos. Ela não me falou de seus sonhos e eu não tive coragem de lhe contar que muitos não se realizaram. Quis me aconchegar em sua juventude... mas o barqueiro nos avisou que era hora de abaixar novamente a cabeça. Hora de sair. Voltar para o mar aberto. Uno, due, tre e tchibum. Como em um parto, voltamos à luz do dia. O SOLE MIO!!!!


Depois da Gruta, a ilha. Silvio parecia uma criança. Queria registrar tudo. Ele, que normalmente é tão preguiçoso, tomou a câmera da minha mão e saiu fotografando. É lindo ver como esse gaúcho de Santa Maria da Boca do Monte pertence ao mar.




Enquanto almoçávamos, o guia nos falou de um teleférico que chega ao topo da ilha. Eu já sabia, seria inevitável subir. Silvio também é apaixonado por teleféricos e topos de ilhas. No Canadá, subi em todos e, na Grécia, fiquei especialista em dirigir até o ponto mais alto de muitas das Cyclades.


A subida é linda. A ilha vai se espraiando diante de nós. Me lembrei de minha amiga Cida enquanto subia. Podia vê-la dizendo: Você é maluca! Ia vendo as escarpas, os limoeiros, o mar ao longe... e Silvio na cadeirinha de trás me gritando: Está filmando? Está filmando?





Depois tudo foi muito rápido: cais, Nápoles, ônibus, estrada, placas indicando a chegada a Roma. O hotel, um bom banho e o sono dos justos e dos exaustos.


No dia seguinte, como a agência de turismo continuava na frente do hotel, decidimos passar por lá para ver se havia outro passeio que pudéssemos fazer. Eu queria muito voltar a Florença. Queria que Silvio visitasse a cidade. E assim, foi. Escolhemos uma excursão de um dia. Uma visita rápida, mas daria para ele ver o sol da Toscana.



Dessa vez, o programa só não foi de índio, porque estávamos na Europa.


Bem cedinho, uma vanzinha veio nos buscar no hotel e nos levou a um ponto de encontro junto à Santa Maria Maior. Havia muitos turistas e ninguém sabia que ônibus nos levaria a Florença. Depois de entrar e sair de vários, sempre seguidos por um casal que falava uma língua de formiga (depois descobrimos que eram libaneses), conseguimos encontrar o veículo certo, mas aí o ônibus já estava cheio e só nos restou um dos últimos bancos, a cozinha mesmo. E por falar em cozinha, nossas companheiras eram três latino-americanas (depois descobrimos que eram hondurenhas) que fizeram no banco seu picnic particular. Cabe registrar um detalhe bastante relevante: era terminantemente proibido comer no ônibus. Como em um golpe de estado, as hondurenhas decidiram transgredir e abriram um farnel que ia desde leite e pão ao indefectível frango, não só assado como defumado também. O cheiro foi se espalhando como um rastilho de pólvora, como gás lacrimogêneo. Apesar da proibição, ninguém questionou o desayuno. Alguns se entreolhavam, como o casal de espanhóis a nossa frente, mas ninguém falou nada. Se elas só comessem dava para resistir, mas elas falavam. Falavam muiiiito! O tempo todo. E falavam alto, porque duas delas, já bem entradas em anos, eram surdas, com direito a aparelho e tudo. Me senti em plena embaixada brasileira em Tegucigalpa, cercada pelas forças rebeldes. Não tive coragem de perguntar se elas eram contra ou a favor de Zelaya.



E assim, entre frangos, iogurtes e conversas, atravessamos o Lazio, a Úmbria e chegamos a Florença.







De imediato, descobrimos que setembro é o mes em que a cidade é mais visitada. imaginem a praia de Copacabana em um dia de verão escaldante. Quando a gente diz: Nossa! Não tinha lugar nem para eu colocar meu pé na areia! Pois é, a única diferença era que ao invés de barracas, o que se via era uma sucessão de sombrinhas, jornais, bandeirinhas, ursinhos e tudo mais que os guias usam para se identificarem e não se perderem do grupo. Nossa! Não tinha lugar para eu botar o meu pé na praça, no museu, na rua, na igreja ... Não tinha lugar. Mas deu para a gente ver as coisas. Eu aguardava a reação de Silvio com relação à Catedral. Ele a olhou, olhou e me disse: Podiam lavar o mármore, né? Eu quis morrer. Mas gostou da porta do batistério, e do Davi, e da igreja de São Francisco. (Estavam todos bem limpinhos!)



Na hora da saída, a guia descobriu que faltava um espanhol. Todos se modilizaram, mas como é que se acha um espanhol no meio daquele caos? A esposa teve uma idéia. Ligar para o celular dele. Todos achamos que era a saída. E qual não foi a nossa frustração quando, logo depois de ela ligar, um tilintar em sua bolsa indicou que o celular do marido estava com ela. E nós lá, às margens do rio Arno, esperando. Silvio decidiu dissertar sobre a poluição do rio. Não sei o que está acontecendo com ele e essa fixação por limpeza. E foi então que alguém gritou que o espanhol tinha sido encontrado. Estávamos prontos para partir. Me lembrei das hondurenhas. Eu me negava a repetir a odisseia da ida. Como o casal libanes ia ficar em Florença, sobrou um lugar a nossa frente e eu decidi ocupá-lo. Não entendi por que Silvio preferiu ficar no banco de trás, bem a frente de nuestras hermanas. O ônibus saiu, a conversa começou, Silvio começou a roncar, e todos pareciam bem felizes. O idílio só foi interrompido quando ele decidiu abaixar o banco e espremeu a hondurenha mais velhinha. A senhora gritava:!Estoy apretada! !Apretada! Não sei se foi por vingança ou por sono mesmo, mas ele nem deu bola. Continuou a roncar.


E aos poucos, elas pararam de falar, Silvio parou de roncar e o sol foi se pondo nos campos. E eu, que tinha dado a viagem por perdida, fui desvendando o entardecer. Finalmente, como no filme, eu me sentia sob o sol da Toscana.







Chegamos a Roma a tempo de jantarmos no La Fontana, um restaurante que fica em uma das transversais da Via Venetto. No dia seguinte, um pouco de Roma, um tanto de descanso porque já era hora de voltar.


O carro veio nos buscar às quatro da manhã. O voo para Frankfurt saiu no horário e o de Frankfurt para Caracas também. Atravessamos o Atlântico e andamos seis horas e meia para trás. Chegamos em casa ainda dia, mas, para nós, já passava da meia noite.


E foi por causa do jetleg e da loucura do fuso horário que acordei no dia seguinte de madrugada. Amanhecia em Caracas e a minha frente, como a me saudar, lá estava o Ávila, se espreguiçando entre núvens e o nascer do sol.

(in pblower-vistadelvila)