sexta-feira, 29 de julho de 2011

MIKONOS, PAROS & SANTORINI


Esta semana não quero estar sozinha. Faço, então, um convite: Escrevamos o texto juntos. Aceitem o convite, por favor.

Cada um que me lê tome seu próprio barco e se entregue às suas próprias lembranças. O jogo é assim:

Pensem em uma viagem. Aquela viagem que lhe foi mais agradável, mais prazerosa. Aquela viagem que virou álbum de momentos em seu coração.

Isso... Isso mesmo... É justamente essa que lhe veio a cabeça tão logo eu lhe propus a brincadeira. Lembrou de um perfume? Uma imagem? Um sabor? Ou será que se lembrou daquela pessoa que era aquela pessoa?

Isso... Isso mesmo... Se entregue às suas recordações. Reviva o momento... Aquele momento que ficou gravado na foto, que virou cena de filme, ou que é apenas lembrança, porque a infeliz da bateria da câmera acabou justamente na hora H...

Relembre... Reviva... Se revisite... Assim...

Bom, né? A viagem feita às avessas... Uma foto, um fato, um feito. Dito e feito, voltou?!

Agora é a minha vez. Deixa eu contar.

Grécia... A viagem começou em Atenas, mas depois seguimos pelas ilhas... Três das Cyclades. Nada de cruzeiros. Tomávamos um barco de uma ilha para outra. Perambulávamos.

Primeiro...  Que recordação? Um barulho e uma imagem. O mar transparente batendo à porta das casas e o vento em moinhos.Teve também um pôr de sol e um amanhecer. Míkonos!

Depois... Um cheiro de temperos... Um jantar em uma praça... Casas brancas e velas... Ouzo... Gosto de anis, embriaguez e uma lua quase cheia. Paros!


O mar imenso... Custou muito a chegar... A memória de um vulcão... O porto  e o paredão feito de argila e história... Ocre. Pôr de sol. Sol. Retsina e outros vinhedos. Do alto da baia de Oia, vampiros, casas brancas e a transparência do mar. Um chapéu de palha e abismos. Igrejinhas e sinos e tetos azuis. Santorini!



Gostaram da brincadeira? Se gostaram, convidem outros a jogar. Afinal, cada um de nós tem seu momento perfeito, sua foto precisa.

E sabem, tenho certeza, os lugares também nos guardam em suas mágicas algibeiras. Nós, pouquinho de energia que ficou pelo caminho. Imã e ânima.

E é justamente quando pensamos que não saimos bem na foto que ficamos melhor. Nós... Impregnados lá... Naquele lugar. 


(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 22 de julho de 2011

LIBERDADE


Sou de uma época em que liberdade era uma calça velha, azul e desbotada...

O carro enguiçou na entrada de Embú das Artes. Dia quente em São Paulo depois de duas semanas geladas. Dia quente e seco. Daquela secura que não tem aqui pelo Rio. Dia seco em que se tem de cortar o ar à faca para se poder respirar.

Ficamos um tempo esperando o guincho... Soraya, Claudia e Frank, amigos queridos da Venezuela, e eu. O dia poderia ter acabado ali, mas não, que nada, não nos demos por vencidos. O seguro dava direito a um taxi de volta a Sampa, então, nos permitimos visitar o lugar com sua praça feita de artesanato, árvores antigas e pequenos restaurantes.



Foi depois do almoço e de bisbilhotarmos muito pelas lojinhas e quiosques, que o taxi chegou. Ao invés de irmos direto para a casa de Soraya, o caminho foi outro, o bairro da Liberdade, que Claudia e Frank queriam também conhecer.

Um dia, como outro qualquer, bem no meio da semana e nós lá, nós quatro, cumprindo o nosso ofício de olhar e ver. De ver e registrar... Foto, lembrança... Memória. Turistas de nós mesmos. Coadjuvantes atentos da grande metrópole.

A motorista do taxi nos deixou na entrada do bairro. Sem saber bem para onde e nem por onde ir, decidimos seguir por ruas, viadutos e lanternas. Entrávamos e saíamos de lojas. Em uma delas, nos deliciamos escolhendo comidinhas para o lanche. Em outra, Claudia comprou um quimono. Mais algumas e Soraya pensou seriamente em comprar uma panela para fazer arroz japonês...

E, de repente, já era quase noite. De um lado do viaduto, uma lua cheia nos saudava suave e solene... niponicamente. Do outro, o sol se punha entre prédios e buzinas... Liberdade!



Sou de uma época em que liberdade era uma calça velha, azul e desbotada... Vesti a minha, já faz algum tempo... 


E é com este jeans surrado que me aconchego em minhas experiências, lembranças, paixões, saudades... Em meus desejos e sonhos... Em minha vontade de viver.

É com este brim já gasto que sorvo a última gota e sigo buscando onde mais beber.

Com esta calça lavada a cascalho, desfruto das pequenas coisas, me entrego aos detalhes. Tenho tempo... me dou tempo.

E em tardes atemporais,  com o coração em zoon, descubro tesouros... Que para se ser livre é preciso garimpar. Com paciência e cuidado, girar na bateia o cinza das coisas...

Que pedras preciosas e poentes não se dão de bandeja...

Nunca se dão de bandeja.


(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A GARÇA


Semana corrida entre Rio e São Paulo, matando saudades de queridos amigos venezuelanos. Foi bom ver as duas cidades através do olhar estrangeiro e curioso de Claudia e Frank.

Deixo, então, com vocês, nesta sexta-feira de névoa muito baixa e prenúncio de sol forte ... (Meu pai dizia: Névoa baixa, sol que racha!)... Deixo com vocês um poema antigo. Um de meus poemas de que mais gosto. Poema do início dos meus trinta anos, quando já sabia que adulto tem os pés no chão, mas eu insistia em querer voar.

A GARÇA

pássaro lago
com seu perfil de agulha
me empresta a asa
com que se inventa o vôo

pássaro lago
com seu olhar de espanto
me ensina o vôo
em que se vela o todo

pássaro lago
com suas penas brancas
me ensina a ter
a placidez do lodo

Nota1: Poema publicado em O Vôo de Vidro, Prêmio UERJ 40 anos. 1992
Nota2: Foto tirada em Los Roques, Caribe venezuelano.

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sexta-feira, 8 de julho de 2011

HERÓIS PÓS-MODERNOS


Como boa brasileira, gosto de futebol. Bem, gosto de um jeito, diríamos, feminino de gostar. Torço para o Brasil na Copa do Mundo e demais eventos em que a seleção jogue, opino sobre as mudanças dos uniformes (cores e modelos), sempre acho que o juiz está contra nós e discordo veementemente quando dizem que Maradona foi o melhor jogador de todos os tempos. Também torço pelo Fluminense, por razões genéticas, mas nunca vejo os jogos do Tricolor, pois acho que dou azar. (Tenho que mudar esta regra... Talvez se eu começar a vê-los, o Fred engrene de vez.) Sei, conceitualmente, o que é um impedimento... Impedimento para mim é como trocar pneu. Eu conheço a teoria, mas, sempre que preciso, peço ajuda ao pessoal do seguro. Impedimento é a mesma coisa... Gritou BANHEIRA!!! E eu logo pergunto a quem estiver mais próximo de mim: Foi mesmo? (E não adianta as parafernálias pirotécnicas da Globo.) Não consigo ver o delito. Sendo assim, juizes e bandeirinhas estão sempre contra nós.

Mas porque iniciar com um parágrafo tão longo, se, afinal, eu nem vou falar de futebol? Quero falar de gente. Em especial, de gente jovem.

Por acaso esbarrei nesta foto da Copa de 1958. 1958... Eu tinha 1 ano incompleto. Já da de 62, eu consigo me lembrar. Uma vaga memória. O som do rádio bem alto. Aquela churumela... A voz aguda do narrador não me dizia nada.  Meus tios e papai ouvindo e torcendo juntos na casa de tia Helena. O narrador e sua frase interminável até chegar ao grito de GOOOOOOOLLLL!!!!

Lembro vagamente de 62.

E veio 66. Lembro da gente em Itacoatiara. Papai ouvindo o radinho e fazendo fogueiras no quintal para afastar os mosquitos. Lembro de sua tristeza quando disseram que Pelé estava machucado. Joe Blower torcendo fervorosamente pelo Brasil. Não houve festa quando a Inglaterra ganhou o título.

E lembro de 70. Nós picando papel para jogar pela janela do décimo andar. Éramos 90 milhões em ação. Lembro da família reunida. Papai vibrando... Os primos... E de nosso grito de GOOOOOLLLL!!!! Muitos!!!!!! (Mas os italianos eram muito mais bonitos. Muito!!!) A Moreira César ferveu! O Brasil explodiu quando ganhamos.

Mas porque esta história toda, se não vou falar de futebol? Quero falar de gente jovem.

Tenho acompanhado as transmissões da Copa América. Venho acompanhando a carreira, os dribles, as pedaladas do Neymar... E cada vez mais penso nele como um garoto de 19 (20?) anos. Um piá, como diriam meus sogros, apresentado como um fenômeno, um herói, o melhor dos melhores. Melhor que Messi. Melhor. O MELHOR!!!!

Acompanho sua arrogância juvenil. Suas entrevistas. Quantas capas e primeiras páginas! Acompanho seu filho que vai nascer (por acaso). Acompanho suas birras com treinadores, quando o resultado vale mais que o processo, o puxão de orelha, e é melhor demitir o treinador a perder o gol feito e a vitória marquetiada.

Neymar fazendo moda... Cabelo de indio (Moicano?) Neymar... Vejo seus dribles. Vejo seu jogo de cintura. Me encanto e me entristeço.

Olho novamente a foto que encontrei por acaso. O menino Pelé, do alto de sua juventude e caçulice, se aconchega no colo de Gilmar. E chora... chora seu choro de menino... Já era Rei (sem saber). Herói, com seu soco seco no ar. O cabelo... Era o da moda... Reco (como se dizia). Não precisava criar modas. Precisava fazer seu oficio... O de encantar multidões. Chorou. Se deu o direito de chorar... Porque podia. Porque era o caçula... Tinha colo. Não precisava ser o superherói das multidões, porque era o herói de todos que chutaram com ele e choraram com ele ao levantarem a Taça. (A Taça do Mundo é nossa... Com brasileiro... Não há quem possa. Ê Êta esquadrão de ouro...)

Tenho pena do menino Neymar. Com seu cabelo Moicano, seus dribles e sua arrogância infantil. (Sabe amigo... Por mais que sejamos bons... Nem sempre podemos flutuar... A não ser quando nos entregamos às nossas incertezas e sonhos. Os superheróis voam, mas não flutuam. E ser feliz... É poder viajar em tapetes mágicos tecidos com nossas expectativas e com paciência e humildade. Quando achamos que somos os maiores... Ficamos muito pequenos. Muito! Sabe amigo... Sou de um tempo antigo... Lá pelos idos de 57, vésperas do primeiro campeonato... Acho que você vai precisar de colo, mas colo verdadeiro, e o triste é que do alto de sua arrogância de menino mimado, talvez ninguém esteja disposto a te aconchegar. Vão querer sua foto, seu esforço, seu menisco, sua dor e mais, e mais, e mais... O mundo ficou assim.)

Fico pensando como seria se Pelé tivesse nascido agora. Como seria? Poderia ser Rei? Ou seria só mais um de tantos superheróis?

Ah, esqueci de dizer... Como boa brasileira, gosto de futebol. E adoro ver a Seleção Brasileira Feminina jogar! Salve todas as Martas, com sua alegria, seu esforço, sua simplicidade e seu talento (imenso talento)... tapete mágico que, este sim, nos faz flutuar!

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sexta-feira, 1 de julho de 2011

DUAS MULHERES E TRES GATOS


Vendi a casa de Itaipú. O ótimo inquilino de muitos anos voltou para São Paulo e a perspectiva de não encontrar outro da mesma estirpe me apavorou. Então, decidi vendê-la.

Aproveitando a onda da  Copa do Mundo e das Olimpíadas, inventei de aplicar o dinheiro comprando um apartamento na Zona Sul do Rio. Pensei, pensei e decidi me aventurar na compra de um conjugado. Imaginei que seria fácil de alugar e mais barato para comprar. (Os preços de imóveis no Rio ficaram malucos!)

Foi aí que descobri uma experiência nova na vida. Quase um evento turístico. Visitar conjugados acompanhada de corretores sorridentes.

Eu já tinha comprado outros imóveis, mas conjugados era a primeira vez. Fui apresentada a uma sucessão de pequenos apartamentos, alguns em obras, outros muitos caidinhos. Alguns em prédios assustadores, outros bem legais, mais caaaaros...

Foi no sábado de manhã que Eduardo, o corretor, me ligou dizendo que tinha um ótimo conjugado para me mostrar. Prédio bom e localização excelente.

Nos encontramos em frente ao edifício e a primeira impressão foi bem positiva. Subimos.

Em um corredor muito longo e claro (ponto a favor do imóvel!), me esperava o meu possível futuro conjugado. Por trás de uma daquelas muitas portas, estava a minha oportunidade de negócio.

Eduardo tocou a campanhia apenas uma vez e uma voz bem jovem abriu uma frestinha de porta e nos perguntou... Alguém tem alergia a gatos? Diante de nossa resposta negativa, a porta se entreabriu pressurosa e nos esgueiramos entre batente e maçaneta. Cuidado com os gatos que eles podem fugir.

Fomos recebidos no primeiro estágio do imóvel, a cozinha, por uma moça que não tinha mais que 18 anos, e três gatos grandes e gordos. Atrás deles, uma mulher surgiu no segundo estágio, a parede onde se poderia colocar uma despensa embutida. Era jovem também. Bem jovem. Quantos anos teria? Entre gatos, corretor e caixas (Já estamos empacotando a mudança...), eu avaliava a idade das duas e sua possível relação. Se pareciam. Ambas alouradas, cabelo liso puxado em rabo de cavalo. Olhos castanhos claros. A mais jovem, bem magrinha, a outra, gorducha. Seriam irmãs? Amigas de outra cidade? Primas? Um casal?

A mais moça interrompeu minhas elucubrações... Esta infiltração aqui já está seca. Antes de sairmos, vamos pintar a parede.

Um gato pulou na cama de casal. Agora já estávamos no terceiro, e último, estágio do apartamento, o quarto e seu satélite, um banheirinho diminuto, com algumas calcinhas penduradas em um nano-varal.

A mais jovem levava a conversa, dava as informações. Séria e compenetrada, fazia o negócio. A outra a olhava com atenção e respeito.  A outra?, me perguntava. Quem seria a outra?

A resposta veio quando tropecei no gato malhado. Mamãe já falou com um carpinteiro e ele também pode consertar o armário. Se a senhora quiser o contato dele...

Mamãe... Então, eram mãe e filha. Mas como podia ser? A outra era também muito jovem. A outra era jovem e nutria uma clara dependência pela negociadora. A outra... Seu olhar era quase vazio. Sem brilho.

A senhora gosta de gatos?, ela arriscou me interrogar. Gosto, até pensei em ter um, mas como viajo muito...

Seu olhar ganhou vida. Adotamos estes três. Já vêm castrados. Se a senhora quiser o endereço...

O corretor interrompeu o rumo da prosa. Ainda queria me mostrar mais dois imóveis.

A menina tentou retomar o negócio. Podemos parcelar, se a senhora quiser... Aceitamos também uma contra-proposta. Era claro que precisavam do dinheiro. Precisavam de dinheiro.

A ansiedade do corretor e o tamanho diminuto do apartamento me empurraram porta a fora. O gato cinzento tentou fugir...

Quem eram aquelas duas mulheres perdidas entre as tantas janelas daquele prédio/parede? Daquele edificio/muralha, tão comum nas grandes cidades.

Certamente tinham uma história que contar, mas, que perdida em um livro fechado nas quatro paredes daquele conjugado, ninguém queria ler.

Tinham seus silêncios e seus tesouros... Três gatos castrados e uma nesga de vista do Cristo.

Duas mulheres... Uma, com a sua impotência e seu olhar vazio... Mais uma das tantas figurantes desta cidade. A outra, jovem, magrinha, assertiva e responsável, com o desafio enorme de trazer pela mão, a vida, três gatos e sua mãe. Tive vontade de abraçá-las, de colocá-las no colo. Vontade de comprar o apartamento, só para resolver seu problema...

A voz do corretor me devolveu à manhã ensolarada daquele sábado... O próximo apartamento fica no Flamengo...

Sabe... Mudei de idéia...  Eu lhe falei, enquanto caminhávamos pela calçada de pedrinhas portuguesas. Será que o senhor não tem pra me mostrar um quarto e sala, se possível com garagem?



Nota: Foto, Jornal O GLOBO, retirada do Google.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)