sexta-feira, 31 de maio de 2013

VOYEUR




Hoje, neste último dia do mês das noivas e já com o pé no mês dos namorados, preciso confessar: Pratico voyeurismo. Mas, para quem espera um texto cheio de eróticas emoções, aviso: Sou voyeur de sutilezas.

Gosto de observar. Gosto de ficar quietinha em lugares públicos, só olhando. E vendo. Tenho uma certa queda por restaurantes, salas de espera e até que curto um saguão de aeroporto. 

Sou voyeur de olhares e pequenos gestos. Voyeur das coisas não ditas.

Os dois estavam no Starbucks e tinham aquela idade indefinida que só os adolescentes têm.  Se entregavam, sem pudor, àquelas bebidas gigantes que fazem o diferencial da casa, tipo ... Mocha frappuccino maquiado de caramelo com chantilly servido em mega copo com cúpula lunar. Pela hora, tinham matado a aula de inglês e, entre o present perfect e o encontro furtivo, decidiram quebrar as regras e criar sua própria gramática.

Ele era casual e despojado, o que não o impedia de dispensar permanente atenção a uns cachinhos castanhos que caiam sobre a testa por debaixo do boné. Ela... Bem, ela deve ter levado no mínimo umas duas horas se arrumando para parecer tão natural.

Ambos estudavam os gestos. Se perdiam em uma estudada gradação de risos e sorrisos. Eventualmente gargalhavam, para logo depois caírem em abafados sussurros.

Os olhares eram fugidios. Ás vezes se olhavam com franqueza. Outras, viravam o rosto e se entregavam ao vazio.

O jogo estava rolando e eu na mesa ao lado me divertindo e tentando prolongar ao máximo a minha micro xícara de café expresso acompanhada daqueles nano copinhos de água.

Algo se remexeu na mochila da menina e ela, entre protestos do garoto, resgatou bem do fundo um Iphone com capinha colorida. Leu a mensagem com um sorriso bem preso no canto da boca e ele quis ver o que era. (Eu também!)

Passada a interrupção, decidiram se fotografar. Grande momento para festival de caras e bocas. Ele virava a aba do boné de um lado para o outro, para frente e  para trás. Ela... Bem, ela jogava o cabelo de um lado para o outro e o queixo para cima e para baixo.

Aí, foi a vez dele de sacar seu Samsung com capinha do time do coração. (Achei que ele perdeu ponto pela escolha da capa.)

Agora, a sessão de fotos era dele. Os dois bem juntinhos. Ela sorrindo. Ela zangada. Ela fazendo careta. Ela com o canudinho na boca. Ela olhando para seu celular...

O Iphone apitou novamente e ela parou para ler a mensagem. Leu, riu e começou a correr o dedo por outras mensagens. Foi se abstraindo... Foi se desligando... Às vezes, escrevia alguma coisa. Outras, só tocava na tela como se desse um LIKE.

Ele, a principio a olhava, mas depois pegou seu Samsung e começou a correr o seu dedo por suas mensagens. Foi se abstraindo... Foi se desligando... Às vezes, escrevia alguma coisa. Outras, só tocava na tela como se desse um LIKE.

Meu micro café expresso acompanhado do nano copinho de água já tinham acabado há muito tempo. Pensei em pedir um muffin de chocolate e esperar. Esperar para ver no que ia dar o encontro furtivo no horário da aula de inglês.

Mas... Eles continuavam correndo os dedos por mensagens e fotos. Alheios...

Um muffin de chocolate? Só iria me engordar.

Quando saí, eles ainda estavam em colóquio... Com seu mundo virtual.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 24 de maio de 2013

ALGUMAS PERGUNTAS


De repente, não mais que de repente, o Brasil precisa de mais médicos. Muitos! Tantos que precisamos importá-los. Médicos de além-mares, além-fronteiras. Médicos do além! 

O Brasil, esta nossa potencia há tanto tempo adormecida, finalmente despertou e, pelo visto, bastante enferma, pois precisamos de médicos. Médicos de todas as especialidades. Médicos de todas as partes. Médicos à mancheia!

A grande prova da enorme carência de médicos brasileiros é o caso de uma cidade do interior do estado (ou seria feudo?) do Maranhão que, apesar de oferecer um salário de trinta mil reais por mês (eu disse trinta mil reais, isto é, em torno de quinze mil dólares ou algo como dez mil euros ou ainda umas oito mil libras por mês) para que qualquer bom discípulo de Hipócrates fosse trabalhar por lá, não teve nenhuma alma que se apresentasse para a tarefa. A prova viva de que neste país precisamos importar médicos. Como todos os médicos brasileiros já estão muito bem empregados, nenhum se interessou por assumir o cargo.
 
Aqui já cabe uma ou outra pergunta. Por exemplo: Que cidade do interior é esta que oferece um salário desses para um médico? Se é proibido a qualquer funcionário público ter um salário maior que o dos principais governantes, me pergunto: Quanto ganha o prefeito dessa cidade? E ainda, como foi feita a convocação para este emprego? E que condições de trabalho foram oferecidas a esse profissional?
 
Um caso isolado. Não devemos nos perder em casos isolados. Sigamos, pois, em nossas dúvidas e questionamentos.
 
Caso importemos médicos, como, por exemplo, de Cuba...(Já vivi em uma terra cheia de médicos cubanos.)... Serão eles realmente a solução de nossos males e mazelas?
 
Um médico importado terá melhores resultados trabalhando em hospitais sucateados?
 
Um médico importado será melhor trabalhando em hospitais superlotados?
 
Um médico importado será mais eficiente operando em corredores de emergências, sem bisturi, linha, agulha e higiene? 
 
Um médico importado será mais eficaz ao diagnosticar doenças para as quais o remédio está em falta e deve chegar lá pelo mês que vem?
 
Um médico importado poderá suturar os vazamentos de água e esgoto  das enfermarias nacionais?
 
Um médico importado poderá prescrever menos desmando e politicagem e jogo de empurra empurra?
 
Um médico importado será capaz de gritar bem alto, ainda que com sotaque: Não! Não posso transferir este paciente em ambulância doada para outra cidade porque aqui, nesta, o governo se omitiu e não construiu sequer um pronto socorro!?
 
Um médico importado saberá botar para funcionar os inúmeros aparelhos caros e essenciais que estão esquecidos, ainda em suas caixas, pelos confins desta terra?
 
Não sei... Se alguém tiver as respostas que me responda.
 
Nos últimos tempos temos falado tanto de importar profissionais... Como se o Brasil não tivesse gente para... Como se diz, dar conta do recado.
 
Acho que o problema foi que, ao longo de muitas gerações,  não demos importância a professores, ainda que nativos, com condições de formar gente para construir, gerir e reinventar o país. Acho que foi isso.
 
Agora... Bem, agora só nos resta importar... Mas... E aqui vai a última pergunta:
 
Se o caso é importar, não seria melhor, ao invés de importar médicos, começar pelos políticos? Tanto aqueles que executam quanto os que legislam. Quem sabe importar alguns da Suécia ou Noruega? Quem sabe até um partidinho inteiro da Finlândia? Talvez, começar por um politico japonês que se erra, chora, pede perdão e faz seu harakiri?
 
Se a moda pega, não ia sobrar faca no mercado... Ou, então, que há coisas que estão no DNA... Ou, então, a gente ia começar a importar faca, com direito a uma baita CPMF (Contribuição Provisória sobre o Mercado das Facas). 
 
Eu não sei... Não sei... Quem tiver a resposta que respire fundo e diga 33.
 
(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 17 de maio de 2013

ESSAS PEQUENAS COISAS BOBAS

 
Logo de inicio já aviso: Não vou dizer o que eu fiz. Foi algo tão simples e tão bobo que, se eu disser, o resto do texto vai soar ridículo. Afirmo, também, que não foi nada imoral, nada ilegal e muito menos algo que engorda. Na verdade, caminhei tanto que até devo ter perdido umas graminhas. Mas foi algo que me deu um enorme prazer de fazer.
 
E me peguei, em dia de céu muito azul, filosofando. Quanta coisa a gente deixa de fazer por medo, preguiça, preguiça e falta de tempo, preguiça e falta de vontade. Por falta de oportunidade e... preguiça.
 
São pequenas coisas, banais e cotidianas que são sempre adiadas em nome de outras, maiores, mais sérias, mais relevantes... O que a gente chama normalmente de ... OBRIGAÇÃO!
 
E, aí, a gente vai deixando passar. Não estou falando de viagens de volta ao mundo, nem de visitas ao cume do Everest, não, que nada. Falo dessas pequenas coisas bobas que a gente não faz por inércia. Por preguiça.
 
Ou... Para não desdizer a nossa lenda urbana: Nossa! Como é difícil viver!
 
Cada um de nós tem uma terra inexplorada que merece ser conhecida. Um cantinho da cidade. Uma esquina com um boteco. A vista de uma janela. Um quiosque e suas flores. Uma vila. Um por de sol.
 
Qualquer coisa... Alguma coisa... Aquela coisa... Que dá alegria na gente só de estar ali e olhar.
 
Já falei tantas vezes disso em outros textos. Tantas vezes. Mas  é que a vida foi generosa comigo e me deu um certo tempinho para exercer este ócio de andarilha. Tempo para perambular pelas ruas. Tempo para vagabundear pelas vielas de minha alma. 
 
E toda vez que me encontro me perdendo por esses caminhos e me extasio e me encanto quero dividir a magia do momento com o outro e convidá-lo a se entregar, mesmo que só às vezes, a essas pequenas coisas bobas... Que nos fazem sentir novamente crianças, com olhos de primeira vez, dando um passeio no parque. Uma mãozinha dada ao avô e a outra, toda melada, segurando um multicolorido pirulito ou um enorme e róseo algodão doce.
 
(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 10 de maio de 2013

SE A COXIA É BOA ...

 
Existe um antigo ditado entre atores que diz que "Se a coxia é boa, o espetáculo vai ser um sucesso."
 
Quer dizer, se o que está atrás do palco, escondido na intimidade de espelhos é bom e aconchegante, a peça, o show vai funcionar.
 
E isso faz todo o sentido, porque é na coxia onde se põe e, principalmente, se retira a maquiagem. É lá que, diante do espelho, encontramos o nosso rosto despido. E é lá também que, já na quase madrugada, encontramos o rosto dos outros, limpo, livre de alheios personagens.
 
Se a coxia vai bem... O espetáculo é sucesso. Porque há encontro, amizade, equilíbrio, emocionada tensão.
 
Se isso vale para atores, vale também para nós, cotidianos mortais. E a coxia da gente é flexível. É maleável. Às vezes, tem o tamanho do mundo. Às vezes, cabe na palma do coração.
 
Coxia é metáfora para esse nosso cantinho de alma onde podemos ficar. Sem sapatos. Onde nos aconchegamos, nos encolhemos, (às vezes) nos escondemos, nos encontramos. Onde soltamos despudoradas gargalhadas. Lugar para onde se vai quando as luzes se apagam e o palco desaparece em silêncio. É lá na coxia que moramos quando o espetáculo acaba e o aplauso (esperado) termina. É para lá que vamos, quando a plateia vai dormir ou tomar um chopinho ou jantar.
 
E é por isso que há que se cuidar muito bem desse lugar. Varrê-lo com frequência deixando a poeira sair porta a fora. (Nada para debaixo do tapete. Nada!) Limpar os espelhos também é importante, para que possamos ver, em transparências,  olho no olho, a força de nosso olhar. Deixar um vasinho com flores em um parapeito qualquer também faz parte. Retratos são fundamentais. De todos aqueles que amamos. De nossos momentos inesquecíveis, mas que passamos tanto tempo sem lembrar. E, se for possível... Uma janela. Será que coxia tem janela? A minha vai ter.
 
Uma janela como aquelas antigas, de madeira e quadradinhos de vidro. Com quatro folhas. Para que a gente possa abri-la todos os dias para viver o espetáculo.
 
Pela janela, poder deixar sair um cheirinho de roupa lavada ou de café passado na hora e poder deixar entrar a vida. Esta história cheia de atos e cenas e personagens...
 
É muito bom poder sair da coxia para pisar neste palco cotidiano, não para representar, mas para dizer o seu texto. Verdadeiro e pleno, não importa se comédia ou se drama.
 
Se a coxia é boa, não precisa nem de maquiagem. E o espetáculo? Vai funcionar...
 
Nota: Foto retirada do Google images.
 
(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 3 de maio de 2013

OLHARES

 
 
Nas últimas semanas tive três sonhos que, a princípio, não têm nada a ver um com o outro, mas que me marcaram por um mero (?), simples (?), um único detalhe: o olhar.
 
Não me lembro do roteiro de um deles e, dos outros dois, ficaram só umas farripas de história, como tela esmaecida ou tecido roto que de nada serve. Mas nos três sonhos havia um olhar.
 
Em dois deles, eram mulheres de já certa idade que, através de olhares, se impregnaram em mim.
 
A primeira me olhou por um longo tempo. Longo tempo. Um olhar triste e doce que na distância de seus olhos escuros e mulatos se comprazia em me olhar. Um olhar de carinho e cuidado. Eu não conhecia o seu rosto nem tão pouco seus olhos. Uma desconhecida. Entre nós duas não havia nada mais que o seu olhar. Eu sou aquela que te conhece há muito tempo, me disse. E, então, acordei.
 
A segunda não olhou para mim a princípio. Foram meus olhos que se prenderam a ela. Era pobre, meio bêbada, maltrapilha e caminhava ao acaso em minha direção. Dessa vez foi o meu olhar que invadiu sua nórdica imagem. Olhar triste e doce. Comovido. As pessoas vêm lá de baixo para beber, me disse com um forte sotaque. E, então, cumpri o gesto dos impotentes e lhe dei um dinheiro. Acordei.
 
O último sonho. Foi esta noite. Era um homem. Um velho. Um senhor. Não me lembro do sonho, me lembro do olhar. A principio, doce e triste. Fixo. Físico. Olhos de gente olhando para mim. E, aos poucos, foi se fazendo retrato. Em preto e branco. Não. Era um quadro. Olhos a óleo, com as pupilas em conta, brancas e luminosas. Pupilas de pérola olhavam para mim. E, então, acordei.
 
Que olhos são esses que a mim me pertencem porque passeiam em meus sonhos?
 
Enquanto escrevo, do alto da estante, um livro me chama: O OLHAR. Uma coletânea de textos sobre o assunto.
 
Intrigada, decido folheá-lo ao acaso. Quem sabe eu entenda? ... Quem sabe, a resposta?...
 
Página 327, por acaso. Um artigo de Leyla Perrone-Moisés: PENSAR É ESTAR DOENTE DOS OLHOS. (Epa! Uma mensagem cifrada?) Um estudo sobre o olhar na poesia de Fernando Pessoa e de seus heterônimos!(Epa! Apenas uma coincidência ou eloquente sincronicidade?) 
 
Olhei intrigada para o texto. O que tudo isso quer me dizer? Para mim que passei um tanto da vida estudando e escrevendo sobre Fernando Pessoa e seus heterônimos.
 
Corro os olhos pelo texto, esbarro em poemas. Pessoa, Caeiro, Reis e Campos... Olhos e sonhos e Deus e luar. Olhos e sonhos e sinuosas figuras.
 
Pessoa me interroga: Por que então minha vista/ Por meus sonhos se perde?
 
Caeiro me segreda: O meu olhar é nítido como um girassol...
 
Reis, com seus deuses e ninfas, nos informa: Olho os campos, Neera,/Campos, campos, e sofro...
 
Mas é Campos quem exclama, clama e repete: Não, não, isso não!/ Tudo menos saber o que é o Mistério!/ Superfície do Universo, ó Pálpebras descidas,/ Não vos ergais nunca! O olhar da Verdade Final não deve poder suportar-se!
 
Que seja. Que assim seja. Freud não me explique, por favor!. Aqui interrompo o meu texto.
 
Quem sabe um dia eu consiga entender, com a nitidez de um girassol, mas sem sofrer, que verdades estão guardadas naqueles olhos... Olhos e olhares que a mim me pertencem, porque invadem os meus sonhos... Doces e tristes.
 


Quem sabe algum dia eu consiga entrever, através de oníricos cristalinos, o fundo do poço às avessas e, por fim, consiga entender.
 
Quem sabe algum dia? Algum dia, quem sabe?


(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)