quinta-feira, 23 de setembro de 2010

E JÁ É PRIMAVERA


Não deu tempo para escrever um texto. Os últimos dias foram dedicados a papéis, burocracia, negociações... até que consegui comprar um apartamento. Foi também tempo de começar a descobrir e entender o novo espaço. Novo, bem novinho, primeira locação.

Só ontem, depois de conseguir fazer o pedido para a ligação da luz e após uma longa conversa, bastante profícua, com a arquiteta que vai ficar responsável pelos últimos retoques,  foi que tive uma leve sensação de tranquilidade. 

Na verdade, tinha tido uma idéia para um novo texto, mas textos, como frutas, têm que amadurecer e só então dá para a gente enfiar os dentes no doce de sua polpa. Ainda estava verdinho...

Então, como já é primavera, tiro do fundo de meu baú um poema antiguinho, mas que é um dos meus favoritos...

JOÃO E MARIA

Sim... as janelas da casa vão estar sempre abertas
e deixarei migalhas de sonhos pelo caminho

Não usarei perfume
mas haverá uma flor em cada vaso
em cada canto do jardim

Sim... providenciarei primavers
um quê de música e muito céu azul

Não me farei bonita
mas estarei plena

Ao chegar
não bata à porta
ela estará entreaberta

Entre em silêncio...
Com um sorriso...

Assim...

(in pblower-vistadelvia.blogspot.com)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

AREPA, A GATA QUE EU NUNCA TIVE

Não posso dizer que foi amor à primeira vista. Não. Na verdade, foi mais um susto. Um por acaso. Há uns dois meses atrás, eu estava saindo do apartamento às quatro e meia da manhã para pegar um vôo para o Brasil e, de repente, lá estava ele, entre meus pés. Pequeno. Ainda filhote. E muito feio. No lusco fusco do amanhecer, pensei que era um rato que se metia entre minhas pernas. Eu gritei. Ele berrou mais alto. Assim nos conhecemos.



Quando voltei, umas semanas depois, a primeira coisa que vi na porta do edifício foi aquele gato esmirrado, com a pelagem falhada (será que era sarna?). Enquanto retirávamos as bagagens, o bicho não se fez de rogado, foi se chegando e se acarinhou em minhas pernas. Miava baixinho, como se dissesse Olha pra mim, me dá colo. Eu te escolhi. E eu nada, durona. (E se o bicho estivesse com sarna?)

Foi só com o passar dos dias que descobri que as falhas na pelagem eram mais resultado de machucados, talvez ataques de outros bichos, do que de qualquer problema na pele.



Era um filhote de rua. Sem nenhuma proteção. Entregue a sua própria sorte, ou... a seu azar.



Os dias passavam e o bicho sempre rondando o edifício e, em especial, a mim. Eu chegava e do nada lá vinha ele, miando saudações. Fui me apegando...

Lhe batizei de Arepa e pedi que Jarol, o zelador,  desse um pouco de água e comida para ele. Es una hembra, señora Patricia. Una hembra.

Uma gatinha. Arepa. Fui me apegando, mas... não havia mais tempo. A mudança já estava por sair. O período na Venezuela tinha acabado. Seria impossível arrumar a papelada que se necessita para se levar um animal de um país para outro. Não... Arepa não podia vir comigo.


Os dias passavam e ela ia engordando como podia. A pelagem melhorou, mais ainda tinha cicatrizes.


Agora era eu que a saudava primeiro, quando chegava em casa. Hola,Arepa.?Como estás? E ela me afagava com os seus miadinhos.


Às vezes, porém, olhava fixamente para mim e miava alto. Um grito urgente de quem sabe que não tem muito tempo. Era como se me dissesse .... E agora? Que eu faço? Era como se me perguntasse ... O que você vai fazer comigo... por mim? Era como se me pedisse... Me leva com você!


No dia em que entreguei o apartamento, ela me seguiu por todo o tempo. De súbito, tomou toda coragem do mundo e num salto, pulou no meu colo. Senti suas unhas se entranhando na trama do jeans. Sua última chance. Me leva! Me implorou com seu rabo espigado. Me leva! E roçou o focinho em minha blusa. Me leva!


Me levantei... Arepa, no puedo. No puedo , Arepa.!Vete de aqui!


O dono do apartamento chegou e subimos para eu entregar o imóvel. A última visão que tive de Arepa foi seu caminhar arrastado. Foi diminuindo o passo... Até que ficou para trás... Para sempre.



O dono do apartamento falando e eu longe, querendo ser criança de novo. Criança manhosa e mimada. Me atiraria no chão, berrando bem alto Eu quero a gatinha!!! Ela é minha!!!! É minha amiguinha!!!! Eu quero!!!! Quero!!!!


A vida é muito engraçada. É irônica. É cruel. Se Arepa tivesse chegado quatro anos antes, eu teria tido tempo de adotá-la. Quando partisse, ela viria comigo. Nem precisava pedir.

Mas não foi assim. A vida só nos deu um gostinho. Um exercício de separação e de saudade.

Eu tive cachorros que me amaram muito. Daquele amor de cachorro... sem pudor e sem condições, mas nenhum animal me olhou com tanto carinho como aquela gatinha magrela e esmirrada. Um amor tímido e sinuoso.

Arepa, a gata que eu nunca tive.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com) 

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

AINDA EM CARACAS


Não. Não vai ser um texto. Não há tempo para ser um texto.

Vai ser mais um rabisco. Uma anotação em um pedaço de papel. Um rápido registro em uma página de um diário.

Um registro. Para que eu não esqueça.

Foi uma semana corrida. Cheguei a Caracas na 4a feira da semana passada. Cheguei às 4:30 da manhã e às 9 já estava cercada por três venezuelanos enormes que vieram para embalar a mudança.

Dois dias empacotando, o terceiro, a 6a feira, para retirar a mudança. 

Chegamos ao hotel Tamanaco por volta das 7 horas da noite e eu, ingênua, ainda acreditava que poderia descansar um pouco. Pelo menos no sábado e domingo, pois eu sabia que na 2a eu estaria cercada de novos venezuelanos, desta vez para fazerem o sinteco e pintarem as paredes do apartamento.

Sábado... E Silvio amanheceu com a gripe que eu tive no Rio. Só que mais forte. Com direito a febre e tudo. 

Ficamos imersos no quarto, mas descansar que é bom... Não deu.

Segunda, e o dono do apartamento decidiu me perturbar. Quer porque quer que eu também faça o polimento do granito da sala. Me nego!!!! Tá bom!!!! Tá direito!!!! Mas ele continua a insistir. Chega, vê as obras e olha para mim e diz. ?Vas a polir el piso, sí? Por enquanto, ainda confirmo... Por supuesto ... Señora Beatriz lo hará...

Não tenho idéia se Beatriz vai conseguir polir o piso do jeito que ele quer. No domingo vou ver o que rola. Ou ele aceita as chaves, ou vamos ter de deixar o problema com o advogado da empresa. (Tudo que eu não queria!).

Tô cansada... De nosso quarto não dá para ver o Ávila, mas sei que ele está por perto e quando vou ao restaurante o encontro... Às vezes aberto e limpo e outras, tristonho... Tem chovido muito na hora do almoço. Coisas do Caribe.

Uma semana de despedidas... Claudia, Jarol, Olga, Aurora... Tantos!

Tô muito cansada... E ainda não vendemos o carro!!!

Tô cansada .... Segunda feira, eu volto para o Rio (há um ap. que quero comprar!!!!!!) e Silvio vai para o México. Devo ir encontra-lo no inicio de outubro.

Uma semana loooonnnngggggaaaaaa!!!!!!!!!!

Acho que vai dar para descansar no Rio... Será????? 

(in pblower-vistadelvila.blospot.com)

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O ÚLTIMO TEXTO


Ei, Patricia! O que você está fazendo aí, sozinha, no balcón? Todo mundo já saiu. Todas as suas coisas. Todos os móveis já desceram e Silvio deve estar te esperando lá embaixo. O que você está fazendo, aí, assim, quietinha? Com os braços apoiados na murada... Olhando. Só olhando.
Você não sabe que casas vazias são cheias de ecos e fantasmas? Não vale a pena ficar por mais tempo. Prolongar o que não tem jeito. É hora de partir.

Está certo, eu sei. Você vai me falar de sentimentos ... mas para mim, que sou montanha, nada disso conta muito. Em meu emaranhado de pedras e verdes e cascatas e brisa, sou apenas. Rocha.

Está certo, eu sei. Você vai me falar de todas as nossas conversas. De nossos  encontros e desencontros. Quando de tarde caia un palo de agua, chuva forte, e depois eu paria um novo arco-íris. Mas você sabe... sou montanha e cumpro apenas o meu oficio de existir, entre céu e terra. Rocha.

Ei, Patricia. O tempo passou. E foi bom. Nos descobrimos muito nos dias encobertos, quando el Pacheco descia a montanha. Friozinho gostoso com neblina e llovisna. Mas você sabe... em meu vocabulário caribenho e hispânico não há sequer a palavra saudade.

Mas sinto uma certa nostalgia dos seus primeiros amanheceres por aqui. Seu olhar se debruçando em meus azulados laranjas. Indícios de dias de seca e calor.

Sabe... foi bom. Você chegando ao balcón e me contando das novas amizades. Ensaiando baixinho as suas primeiras frases em espanhol. Sinto muito, mas você nunca deixou de ter um sotaque de gringa. Foi bom...

Me lembro do primeiro dia que te vi. Estava você e umas amigas. Me lembro de seu olhar, de sua surpresa... Você sorriu e disse pras outras... Ah, eu vou morar aqui... E lembro quando uma noite você imaginou escrever um livro. Iria se chamar À Vista del Ávila. Um livro para contar suas aventuras na Venezuela.

Um livro... E, agora, este, seu último texto. Você correria o perigo de, num escorregão, finalizar a narrativa parafraseando Drummond... O Ávila é um quadro na parede, mas como dói. Nem ouse pensar nisso. Seria muito pobre.

Sugiro que você termine a história como fazem as rochas. De forma seca e sem grandes emoções.

... "Peguei minha bolsa e fui me afastando devagar do balcón, da paisagem, daquilo que por quatro anos foi o meu canto, com cheiro de guayoyo fresquinho, uma brisa levinha e golondrinas e guacharacas. Dessa vez, não quis olhar para trás."

Ei, Patricia. Gostei. Nada de transbordamentos emocionais. Rocha. 

O leitor então fecharia a livro e na contracapa leria: Relatos de experiências e impressões de uma brasileira vivendo em Caracas, Venezuela. E ainda... eventuais poemas e outras histórias.

FIM

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Ei, Patricia. Que fim nada! Afinal, isto não é um livro, é um blog. Estamos no século 21, cercados de redes socias. Todos, em todos os lugares, de todos os lugares se falando on time. Agora, nunca estamos longe daqueles que amamos. É um blog! Ouviu? Além disso, foi você mesma que passou todos estes anos dizendo que eu sou uma montanha mágica e, para montanhas mágicas, não há tempo e nem distância. Não sou um quadro na parede. Sou seu eterno parceiro de todas as suas aventuras. Onde quer que você esteja, se olhar com atenção, vai me ver ... eu foto, eu silhueta, eu quadro, eu lembrança... mas vivo. Sabe... Você estará sempre À Vista del Ávila.



PS: Ei, Patricia. Já pensou em alguma boa idéia para o texto da próxima semana?

Nota: Quadro pintado por Andrea Moll. Un regalo que guardarei para sempre.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)