sexta-feira, 27 de novembro de 2009

UM TEXTO PARA ALZIRA

Em seus últimos comentários, Alzira aponta uma certa melancolia. Fiquei pendiente (como se diz por aqui). Confesso que me senti um pouquinho culpada. Ando escrevendo uns textos um tanto  meditativos. Então, decidi: esta semana a coisa vai ser diferente.


E, portanto, convido a Alzira a viajar comigo. O texto de hoje é dedicado a ela. É só dela. Se bem que conhecendo o seu altruísmo, tenho certeza que ela vai adorar dividir esta história com as outras pessoas.


Amiga Alzira,



Há um lugar onde existe uma cidade dentro de outra. Em uma terra moderna, brota, bem de seu centro, uma cidadela, una ciudad amurallada. E por de trás de seus altos e grossos muros, surgem resquícios de piratas, donzelas com leque e mantilha, comerciantes, ricos senhores e negros escravos. Em suas ruelas, pode-se ainda ouvir o burburinho de tempos passados. Tempos de muitas esmeraldas.


Há, ali, uma praça Bolívar, como sempre, cercada de museus, igrejas e lojas. É por onde transitam os vendedores de frutas, os guias de turismo e a gente da terra. Morena, mulata. Uma mescla de muitas Histórias.

Não se deve usar carro nesta cidade sem tempo. O ideal é perambular por suas vielas. Surpreender-se com seus pátios abertos. Encantar-se com o repicar de seus sinos, som que se perde entre os muitos sobrados com seus balcones floridos.

 


Há que subir nas muralhas. Andar entre o que sobrou dos canhões que protegiam o pueblo de ambiciosos corsários e sentir o vento do mar que, sem cerimônias, vai entrando na gente, alma adentro, salgando nossos sentidos... e, de repente, tudo virá um enorme por de sol.

É também do alto da muralha que se pode ver, a uma certa distância, a casa de Gabo, envolvida em romance e mistério.

À noite, depois de um passeio de carruagem!!! por esta  cidade tão mágica, a gente se senta nas praças, em seus restaurantes e bares e joga conversa fora e ouve música típica e vê improvisos e danças.

Bem junto à praça, há uma escultura gorducha, um regalo de Botero à tão famosa província. Estátua solidária e cúmplice de exageros etílicos. E há que se fazer comilanças com arroz de coco e pescado. (Que a gordita abençoa tão saboroso pecado).




É fundamental que numa manhã, bem cedinho, a gente se encaminhe pro porto e, de lá, em uma lancha voadeira vá direto pras islas, Las Islas Del Rosário, um arquipélago de corais em pleno mar do Caribe. E nas ilhas a gente fica só olhando o vento e o mar...

No mergulho a gente vê a transparência da água. Vê o dedão do pé, vê peixinho, vê arraia. Por perto tem tubarão, mas nada que amedronte. E de tarde, depois de um lauto almoço, a gente deita na hamaca e fica sentindo a vida, a vida que vai passando... pouco a pouco.




Essa é uma terra de histórias, um quase conto de fadas.

E na corrida da vida, no tempo que insiste em voar, nesta terra a gente encontra um pouso, uma parada... Pra virar fotografia!


Uma imagem sonolenta de muitos coqueiros e praias. E, na sombra do momento, o sol que vai se pondo aos poucos em tênues vermelhos rosados.






Assim é esse lugar que tem nome e sobrenome: Cartagena de las Índias, um cantinho na Colômbia.

(in pblower-vistadelvila)

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

QUE CAMINHOS TOMAR?



Se olharmos bem a foto, podemos ver que há outros picos além do Ávila na Cordilheira da Costa e, também, há muitos caminhos para se chegar ao topo. Os caraquenhos, muitos deles, curtem caminhar e até mesmo correr montanha acima pelas várias trilhas que há na região.



Tudo começa na Cota Mil, uma larga e longa avenida que fica a exatamente mil metros do nível do mar e que costeia uma boa parte da montanha. É na Cota Mil que se pode pegar aguaceiros inesquecíveis. As nuvens batem na Cordilheira e se derramam em água pesada. Un palo de agua, como dizem por aqui.


À noite, aqui de casa, posso ver um cordão de luz no sopé da montanha, parece uma praia, mas na verdade é a Cota Mil iluminada.

Pois é de lá que se escolhe o caminho a trilhar. Há o teleférico e também os jeeps que saem de San Bernardino e que levam turistas até Galipan. E há os caminhos, as estradinhas, as trilhas que vão serpenteando a montanha em um intrincado labirinto de possibilidades.


Além disso, há uma variedade de picos a escolher: o Ávila, o Ocidental, o Oriental, passando pela Silla (que de longe parece uma cela de cavalo), até se chegar ao Naigatá.


De lá de cima há a promessa de se ver o mar. Até se chegar lá em cima, há a possibilidade de se fazer paradas em cachoeiras ou laguinhos ou grutas. E por todo o caminho, muito esforço, que é sempre recompensado pela paisagem e pela sensação de vitória por um desafio cumprido: Chegar!


(Parei agora de escrever e fui até a varanda olhar a montanha. A tarde está caindo e há uma brisa suave. Um helicóptero passou bem perto da Cota Mil, deve ser de alguma rádio dando informações sobre o trânsito. Em breve vai ser noite e a avenida vai se iluminar.)

Há muitos caminhos para se chegar ao topo. E ... há muitos picos se a visitar. Cabe a cada um de nós escolher que paradas queremos fazer, que paisagens queremos fotografar e com que esforço vamos fazer a subida. Alguns querem caminhar. Outros só aceitam se for na corrida, pra chegar logo, pra chegar primeiro, porque o que importa é chegar.


Esses não param pra fotos. Não descobrem recantos. E se há um riacho, dão um salto e num pulo se livram daquele obstáculo, que é a possibilidade de molhar os pés na água gelada, mexer os dedos, molhar o rosto, descansar. Não. Um pulo e já se foram pra próxima etapa, porque o que importa é chegar.


O que me surpreende é o quanto de paisagem que eles deixam de ver em seu passo apertado, em sua corrida pro topo, não importa que pico... o que importa é chegar.


O que me intriga é que nessa corrida, não há espaço pro outro, pro parceiro de trilha. Que gente faz a gente perder tempo e... o que importa é chegar.


O que mais me entristece nessa escalada infinita é que estamos treinando os nossos meninos para a trilha mais curta, para o atalho mais fácil, para o pico mais baixo, porque... o que importa... é chegar.


(Voltei à varanda. Já é noite e decidi fotografar a Cota Mil para registrar esta praia às avessas. A cordilheira está bem nítida neste outono caribenho. Silvio chegou e foi para a varanda também. Me contou do seu dia... Olhamos a paisagem ...)


Há muitos caminhos para se chegar ao topo. Há muitos picos a se visitar. E é dever de cada um escolher... Ou será um direito? E será mesmo que o importante é chegar?




(in pblower-vistadelvila)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

SIMPLICIO (OU A ESTRELA PERFEITA)



Claudia combinou de nos apanhar de manhã para irmos conhecer a feirinha de artesanato que é montada aos sábados perto do Teatro Teresa Carreño. A idéia, mais que ver e comprar as artezanías, era conhecer as barraquinhas de buhoneros (camelôs) que vendem DVDs de filmes venezuelanos.

A Venezuela é um país caribenho e, portanto, afeito à pirataria. Em Caracas, pode-se comprar qualquer filme, digamos assim ... genérico, do o mais cult ao mais comercial, em lojas especializadas, a preços bem módicos e com direito a recibo. Filmes estrangeiros, é verdade, pois há uma espécie de acordo de cavalheiros que filme venezuelano deve ser preservado. Mas na feirinha do Teresa Carreño se encontra de tudo da produção local.

O grupo não era pequeno, pois Soraya mais Bragança e seus pais e o irmão se juntaram a nós. Deixamos o carro em Sabana Grande, tomamos o metro e duas estações depois já estávamos entre artesãos, pulseirinhas, discos de vinil de segunda mão, muitos CDs, incenso e as barracas dos DVDs. Claudia ia mostrando os clássicos criollos e nós íamos montando nosso acervo particular: comédias, dramas, policias, filmes históricos e documentários. O vendedor, conhecedor do cinema venezuelano, estava em êxtase diante de duas brasileiras que pediam sugestões e iam separando os filmes. Ao todo foram quatorze películas. Uma féria inesperada para o nosso camelô. Como bons venezuelanos, mais gente foi se juntando a nós, opinando, sugerindo. A barraca virou uma festa.

E, de noite, nos preparamos, Silvio e eu, para a nossa sessão de cinema, com direito a pipoca e tudo. Foi ele quem sugeriu que víssemos Simplicio, pois disse que estava com saudades do mar (Silvio tem dessas coisas... saudades do mar!?!) e como o filme se passa na Isla Margarita...

O filme, de 1978, foi dirigido por Franco Rubartelli. Recebeu um prêmio se não me engano em Cannes e seus atores não eram profissionais, era gente da ilha. Conta a história de Simplicio, um menino que foi abandonado pelos pais (um bandido e uma prostituta) e que passa a ser criado por um velho pescador.

A cópia não era lá essas coisas e o sotaque margaritenho dos atores só piorava a qualidade do som, mas com todas as dificuldades, Simplicio foi tomando conta da gente. O menino e o pescador, a morte do pescador, a decisão de ficar morando no barco pesqueiro abandonado, o novo amigo (uma gaivota ferida), a preocupação do padre com o menino sozinho, as discussões do menino com o padre e o sacristão, sua necessidade visceral de liberdade, as brigas com os outros meninos, os encontros com o fantasma do amigo, suas falas... seus silêncios. O fim eu não conto. Inesperado.

Mas o que mais me encantou foi a amizade incondicional entre o menino e o velho. Inicio e fim de vidas. História escrita e página em branco. Uma amizade de dois seres humanos que se contemplam e se completam em pura cumplicidade.

Me lembrei de vovô Claudio e eu (com uns cinco anos) comendo churrasquinho passado na farinha e tomando Mineirinho depois que ele me buscava na escola. Não conta nada pra sua mãe que a gente tá comendo isso, senão ela briga comigo. E eu solidária: Pode deixar, não conto nada... Vovô, conta de novo a história de quando um tubarão te raptou. O clímax dessa história, que ele me contava quase todas as tardes, era quando ele tinha de trabalhar na casa do tubarão varrendo a sala e as correntes marinhas empurravam o lixo de volta para dentro da casa. Um sofrimento. E eu, de olhos marejados, sempre buscava uma maneira de ele se livrar do suplício.

O menino e o pescador. Simplesmente... Simplicio.

A cena que agrego ao texto se passa no inicio do filme e é quando vamos entendendo o quão ligados eram os dois. Certamente o som é inaudível e, portanto, faço aqui uma transcrição de pé quebrado.

Simplicio se irrita e não entende porque os outros meninos implicam tanto. O velho lhe diz que é porque o menino anda sempre com ele. Os outros, na verdade, querem mesmo é agredi-lo (Por ser velho? Por ser podre? Por não ser como os demais?): No hagas caso...E eles, então, dançam, e nadam, e brincam e medem forças. Observam pelicanos.
O menino, ao sair do mar, diz que queria poder voar para visitar muitas estrelas. E o pescador lhe segreda, até encontrar a estrela perfeita. O menino lhe pergunta como é essa estrela e ele conta que é um lugar onde todos se queiram bem. E o menino acrescenta: como nós dois. O pescador fecha a cena com um sussurro de fala: Sin ninguna duda nuestra amistad es la estrella perfecta.

Amistad...

Penso agora em amigos com quem compartilho estrelas perfeitas. Distantes ou próximos, não importa. São esses amigos que me enchem de luz, que me fazem pensar que vale a pena seguir, que me presenteiam com um bem querer que é feito de mar. Queridos amigos em estrelas perfeitas, onde a qualquer hora se pode chegar.

Amistad...

E neste vôo de acasos, a que chamamos vida, são eles meu mapa, minha bússola e meu compasso. São eles que me indicam no espaço vazio, a rota e o rumo no caminho do Sol.

(in pblower-vistadelvila)

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

ASSIM FALOU LEVÍ-STRAUSS



Silvio me avisou que teria de ir a Jose (onde vai ser construída a planta petroquímica) no dia seguinte. É um vôo curto, como uma ponte aérea, mas como moramos em Caracas, a mil metros de altura, e o aeroporto fica em Maiquetia (a beira do mar do Caribe) qualquer viagem de avião fica mais demorada, pela estrada e, dependendo do horário, pelos engarrafamentos. Silvio me disse que o carro viria buscá-lo por volta das quatro da manhã e, então, fiz o meu plano: que o carro chegasse, o apanhasse e fosse embora, que eu ia ficar dormindo.



Ouvi o despertador, o barulho de Silvio se arrumando, mas fiquei bem quietinha. Me negava a acordar àquela hora. Silvio começou a andar de um lado para o outro, com uma ansiedade absolutamente incomum nele. O celular tocou e ele começou um diálogo mais que conhecido para mim: ?Donde estás? ?Cerca de la Embajada? ?Conoces Unicasa? Entendi de imediato. Motorista novo e totalmente perdido. Para se chegar a nosso apartamento é preciso ser um experto em caminos verdes.


Decidiram, ele e o motorista, que deixariam o celular ligado e Silvio iria dando as orientações necessárias. O tempo passava, Silvio resfolegava e o motorista continuava perdido. Foi quando o sinal do celular caiu que eu decidi me levantar. Não tinha nada que fazer, mas pelo menos estaria solidária.


Quando conseguiram restabelecer contato, Silvio achou melhor descer e eu tive meus quinze segundos de fama. Fiquei na janela de vigia. Ao ver o carro chegando, fui eu que avisei ao motorista que ele estava no caminho certo e que Silvio já havia descido.


Depois deste acordar, diríamos... intempestivo, quem consegue voltar a dormir? Às quatro e meia da manhã, eu estava a toda.



Olhei a minha volta. Tudo em penumbra. Somente algumas luzes acesas na casa e o dia, que ainda era noite, iniciando timidamente o seu oficio de amanhecer. Silêncio.


Voltei para a cama e tentei terminar de ler o Trem Noturno para Lisboa. Um desafio para mim. Lento... Um livro estranhamente masculino. Isabel Allende disse que era bom, mas prefiro os livros dela. Decidi saltar algumas frases, depois parágrafos e quando saltei algumas páginas, achei melhor ir fazer um café.


A janela da cozinha estava entreaberta e entrava o friozinho da madrugada. O cheiro do café foi, aos poucos, aquecendo o ambiente.


De caneca em punho fui para a sala ver o amanhecer. A essa hora não dá para ficar no balcón. Silêncio.

E enquanto olhava a cidade ir aos poucos se acendendo (os caraquenhos acordam cedo para fugir das colas) e o céu se iluminando para mais um dia de seca (quem sabe hoje choveria?), pensei em Leví-Strauss...

Tristes Trópicos...

Quando cheguei a Caracas, achava que o Brasil ficava em outro continente e que estávamos a quilômetros e a séculos de distância. Essa América hispânica tão diferente de nós... Mas, enquanto o dia nascia, eu ia vendo que, no mapa de nossos destinos, compartilhamos os mesmos descaminhos. Ia entendendo que a nossa linha do equador fica bem abaixo do Texas.

Tristes Trópicos...

Essa África equivocada. Essa irônica Europa. Essa América feita de ouro, prata e sacrifícios. De todas as nossas pirâmides escorre sangue e sonho em onírica hemorragia.

Terra pecadoramente católica. Carnavalescamente caótica.

Vivemos um sincretismo de astúcias. Falamos demais. Prometemos demais. Esperamos demais. E trocamos por espelhos a nossa pedra mais preciosa...  a vida.




Tristes Trópicos...


E apesar disso dançamos e rimos e vamos a praia e fazemos amor e arte. Gingamos ao som de maracas, tambores, cuícas... Vamos ao sabor do vento... ou das tempestades. Mas vamos...

Talvez seja essa alegria descabida que nos faça possíveis.

Olhei a minha volta. Silêncio...

O café tinha acabado. O dia já havia amanhecido e eu, decididamente, devia estar dormindo.

Tristes Trópicos?

Talvez seja essa alegria descabida que nos faça possíveis... Talvez...



(in pblower-vistadelvila)