sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

E NO ENTANTO É PRECISO CANTAR



Tenho andado devagar. Tristonha e irritada. Cética e sem esperança. Pessimista e acabrunhada. Além do péssimo humor... E não tenho nem desculpa que, de TPM e menopausa, já passei da idade. Mas tenho andado assim... Chaaaaaata! Tão chaaaaata! Nem eu tô me aguentando.

E, de repente, é carnaval. E, entre plumas e paetês e muito carro engarrafado, a vida segue o seu desfile (sem muitas alegorias).

Mas... De  repente, é carnaval. E, no compasso de esperas, o povo invade a avenida.

E há que se encontrar o samba perfeito pra se levar a semana. Há que se ter esperanças... Dizem até que vai chover!

No meu universo de resmungos, um refrão me visita na voz embriagada e rouca de Vinicius de Moraes:

E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar

Talvez seja isso mesmo... Que no nosso rotineiro dia a dia ninguém ouve cantar canções. 

Talvez seja isso mesmo... Que no emaranhado da vida pelas ruas o que se vê é uma gente que nem se vê.

E daí é preciso despir a máscara e a fantasia e se entregar ao carnaval e sair caminhando, dançando e cantando cantigas de amor.

Preciso reencontrar o sorriso que se dá quando se canta bem alto. Lá, bem no meio do bloco, entre surdos, cuícas e tamborins. 
Preciso reencontrar a alegria de um banho de mar à fantasia... Ai, isso não se usa mais!
E, quando levantar as mãos pro céu em frenético ôôÔ!, voltar a me sentir feliz porque são tantas coisas azuis e há tão grandes promessas de luz. Tanto amor para amar e que a gente nem sabe.
Reaprender o carnaval... Tô precisada disso.
Sair nessa avenida chamada destino, vestida de paetês e, debaixo de chuva forte... Rodopiar... Rodopiar... Rodopiar....


(Obrigada, poetinha. Sem você, este texto não saía!)

(E um beijo pra Marie... Meu modelo fotográfico.)

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

TRANCAS DE BICICLETA E GARGALHEIRAS


Tempos difíceis estes que estamos vivendo. Agora me informam que há uma tendência ao linchamento. Resultado de quê? Descrença nas instituições? Raiva incontida? Desespero? Perversão? Desesperança? 

Olho por olho... Ambos cegos de razão.

Dente por dente... Ambos guardados em bocas que não sabem mais falar.

E o ser humano, inventivo, recria instrumentos... Usa a tranca da bicicleta roubada para prender o pescoço do ladrão. 

A tranca da bicicleta virou a gargalheira dos tempos da escravidão!


Muitos linchamentos... Em vários cantos do país. 

E, novamente, um poema antigo chega para me visitar. (Começo a acreditar que o tempo passou, mas as coisas não mudaram muito.) 

Escrevi este poema em 1978... 1978? 1978! Foi também uma época de muitos linchamentos...


PASSOS II

O homem
preso na amarra
nem homem é
é pedaço de poste
resto de "pega ladrão"

O sem olho
  sem boca 
  sem dente
de seu inútil rosto marcado
se transformam
impunemente
em peso de carne mais caro
em aluguel atrasado
em patrão
em Maria que fugiu com João
em João que ganhou mais um filho
em tudo de mau
        de agouro

Suas mãos
seu rosto
seu medo
sem forma
    cor
    ou tamanho
moldam o grito tremendo
Lincha o filho da mãe!

E tudo é sábado de aleluia
Aleluia!

Golpe
soco
pontapé
rompem aos poucos as entranhas
a cusparada
o insulto
a paulada seca e certeira
vingam a angústia de muitos
aliviam um tanto o desespero

E no domingo de páscoa
Páscoa? 
entre manchetes e debates
os outros e a gente do povo
buscam em voz alta os culpados

A culpa está no acaso
             nas avenidas
             nos bares
A culpa é dessa doce mentira
a vida dura obrigada
a sexta-feira santa da vida
que de santa não tem nada.
(Niterói, 1978)

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Somos os Judas e os Cristos na via sacra do medo. E, como pós-modernos Pilatos, lavamos as nossas mãos.

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Ah... E por falar em linchamentos... Ao povo venezuelano o meu carinho, a minha solidariedade e o meu desejo de que, em breve, a sua terra esteja plena de muitas cores... Como em seu pabellón...  Amarillo (riqueza natural y nobleza de su gente)... Azul (La lealdad y la justicia) ... Rojo (valentía).

O branco... É o que mais desejo a vocês... Muita paz... Muita paz!

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)  

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

TOMADAS ANTIGAS


Estou mesmo ficando nostálgica. Hoje acordei com saudade das tomadas antigas. Aquelas mesmas, sem nenhum glamour. Opacas, escuras, com dois olhos vesguinhos a nos mirar.

Saudade daquelas casas com cômodos grandes e de pé direito bem alto. Paredes crespinhas pintadas de cores bem claras e, para cada cômodo uma única tomada. Para que precisava de mais? Uma tomada servia para o abajur ou para o rádio de válvula e, se precisava dos dois, lá vinha ele, o amigo benjamim.

Saudade de dedinhos gorduchos que desafiavam os furinhos. Vinha disfarçadamente engatinhando... Engatinhando... Até o momento exato e levantava os dois dedos, como bote certeiro de cobra, e quase enfiava dedinhos e unhas nos dois buraquinhos... Mas havia sempre a voz adulta que dizia: Não! Aí não! Faz dodói! 

Saudade da nova investida, mais ágil e dissimulada que a primeira. Dedinhos em riste... Agora vai! E a voz adulta repetia: Não! Aí não! Perigo!

Saudade da teimosia. Os dois furinhos escuros lá longe. Joelhos e punhos em frenética corrida. Agora vai! Agora vai! Dedinhos pro alto. Lá! Quase lá! E a voz adulta, frustrando a aventura, apenas falava: Nãããão... E uma palmadinha eloquente terminava a mensagem.

O beiço pra frente e os olhos marejados citavam Castro Alves: "Quanta infâmia e covardia!" 

A voz adulta, então, trazia com ela um colo macio e muito aconchego. Não pode! É perigoso! Na tomada não pode!

Saudade do tempo passando. E as tomadas ainda eram escuras e vesguinhas. A voz adulta dizendo: Cuidado com o fogo! Não corre na bicicleta! Encima do muro, não!

Depois a voz foi se calando um pouquinho. Acho que ela achava que já era hora de aprender a se machucar. Que arranhão também ensina. E quando o pedido era de mercúrio cromo, o que vinha mesmo era iodo, mas sempre dava pra se dar uma sopradinha.

Depois o tempo foi passando rápido e as tomadas agora perderam os olhos. Ficaram com o olhar meio de gato, retilíneo. Outras tinham até uma boca bem redonda e eram robustas. Para cada cômodo da casa, pelo menos duas tomadas para todos os modernos aparelhos. 

As teimosias continuaram e a voz adulta, agora mais rouquinha, ia dizendo coisas. Repetindo frases. Às vezes, em seu silêncio, se adivinhava uma Ave Maria. Mas nunca se calou. E quando os dedinhos que já não eram mais tão gorduchos e os joelhos que já não mais engatinhavam retrucavam argumentos, dizendo: Você, não entende! O mundo mudou! A voz adulta e rouquinha respondia: Um dia você vai me entender. É isso. Deixa passar o tempo que você vai me entender.

Ai, que saudade das tomadas antigas. Opacas, escuras e sem nenhum glamour. 

Agora, as tomadas têm diferentes formatos, cores e tamanhos. E têm esses três furos em desalinho... Dizem que é por segurança. Existem até aparatos para se colocar nas tomadas para que nenhum dedinho gorducho possa perscrutar os furinhos. Mas, sei não... 

Sinceramente, acho que tem faltado aquela voz adulta. Sempre presente. Repetitiva. Cansativamente repetitiva. Que quando silencia, sussurra Ave Marias. Mas que não se cala. Tão teimosa quanto a própria teimosia...

E... Ai, Meu Deus... Vou dizer... Politicamente totalmente incorreta... Vou dizer... Está faltando a palmadinha. Aquela que vem sempre acompanhada de um colo macio e muito aconchego, mas que é eloquente quando tem de ser.

(A mão da vida é mais pesada e há muitas tomadas em curto pelo mundo).

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Hoje acordei com saudade das tomadas antigas.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

TEM UNS DIAS


Ai! Não tem uns dias... Umas épocas... Em que dá vontade de a gente sair fora, ir visitar outras paragens? Sair voando por aí, sem plano de voo, sem torre de controle, sem permissão para aterrissar. Tem sim.

Estou em pleno momento "o piloto fugiu!". Estou precisando de céu e silêncio. Tô precisando de nuvens...


E de uma rota feita ao acaso... Sem ângulos... Um olhar lá bem do alto para não estar em nenhum lugar.



Preciso de uma geometria descompassada e nada plana... Sem ângulos! Sem ângulos! 

Uma geometria... Um antigo poema... Um voo na alma... 

GEOMETRIA II

Descrever com um anjo
a parábola no ar
e sair na tangente
sair de repente
por frestas
por portas voar


Rever os meus senos
insanos desejos
incenso aromático
insólita estória
na farsa 
na fábula
romper as trincheiras
voar



Co-senos
Com sono
com o cenho franzido 
com sede de espaço
voar



O triangulo disposto
por entre os esquadros
marca a pista da morte
marca a reta
mais curta
pra noite e pro sonho



e em órbita vasta
(impressa a nanquim)
sou compasso de espera
a desvendar
cada dia
o enigma do círculo
(1983)

Ai, nada como os velhos poemas para nos acalentar...

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)