quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

DE LAGOS E MONSTROS E REVEILLONS


Saímos de Edimburgo bem cedo. Manhã fria e cinzenta. O ponto de encontro ficava bem nos portões do Castelo, The Castle, e lá estávamos nós ansiosas para que começasse a aventura. Enquanto esperávamos, uma chuva fina e o vento eram nossas únicas companhias. Somos de chegar com muita antecedência a nossos compromissos.

Aos poucos, nossos outros companheiros de viagem foram chegando. Naquela hora, ainda não sabíamos que eram um casal espanhol e uma coreana. Logo depois, o guia chegou. Martin era o seu nome.

Com rapidez, revisamos os planos do dia. A meta era chegar a Inverness à noitinha, mas antes... Os lagos e, em especial, Loch Ness. O lago e seu monstro misterioso. Será que iríamos encontrá-lo?

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É engraçado. Todo final de ano, na hora da virada, me dá um frio na barriga. Mesmo em meio a sempre presente alegria, me vem uma sensação estranha de inicio de viagem. Um mergulho no novo. Um respira-fundo-e-se-atire! É claro que temos sonhos e metas. Começamos o ano com um certo plano de voo, mas quando dá meia noite e os fogos explodem... No fundo... Bem lá no fundo... Sinto medo de monstros. Meu Deus, o que vem por aí?

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Fizemos um breve tour por Edimburgo (cidade já bem conhecida por nós) e fomos saindo do perímetro urbano. O guia, vestia um kilt no corpo e na língua (que sotaque mais gostoso!), depois, entre castelos e torres medievais, entre campos e ovelhas, fomos nos embrenhando pelas Highlands. Não chovia, mas o céu cinza chumbo compunha o cenário perfeito das terras altas.

Felizes, nós duas, conquistávamos mais um sonho. Tínhamos planejado esta viagem como aventura de infância. Como duas meninas.

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É engraçado. A noite de trinta e um para primeiro é sempre  como uma partida em manhã nevoenta. A gente segue a estrada e torce para o céu se abrir em azul. Torce por um sol, se possível morninho, e que as paisagens sejam ainda mais lindas que aquelas dos cartões postais. Que tudo dê certo! 

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Ao longo do dia, o chuvisco foi melhorando e o céu ousava alguns claros. Nada muito promissor, mas, afinal, era Escócia. E começaram os lagos, entremeados de histórias. Lendas, heróis, vilanias. São quatro os lagos, explicava o guia. O último é Loch Ness.

Quanto mais nos aproximávamos de Ness, surpreendentemente, o céu ia abrindo. Já se permitia azuis e violetas. Ousava laranjas em um quase pôr de sol.



É engraçado. Apesar das preocupações e da insegurança, amanhecer no dia primeiro do ano me traz alegria. É como se a vida me dissesse, Toma seu rumo e segue que à sua frente tem mais um período de vida. Faça com ele o melhor que puder! Que vida é presente dos deuses!!! Viva!!!
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Chegamos a Loch Ness ao cair da tarde. Uma tarde fria e linda. E o melhor de tudo... Encontramos o monstro. Verdade!!! O vimos de pertinho. O MONSTRO! Não tinha escamas e nem era nojento. Nem cheirava mal. Não parecia nem cobra, nem sapo, nem ser abissal. Não metia medo. Mas era monstro. O MONSTRO! E nós o vimos. A jolly jolly good fellow!



Que 2012 nos traga muitos lagos azuis e dourados poentes!

E que todos os monstros que possam surgir pelo caminho sejam feitos da mesma e pura essência de Nessy...

Feliz Ano Novo!!!

(ou como Nessy diria: A Guid Hogmanay!)

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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A CASA DE CAROL


Minha mãe sempre dizia: Não há reino grande demais para dois reis e nem casa espaçosa o suficiente para duas donas.

Mulher é bicho ninheiro. Vira e mexe e lá está ela arrumando um cantinho para parir sua prole... de filhos, de metas, de amigos, de amores, de trabalhos, de sonhos... Ou tudo isso junto. Ou sei lá... Nada disso... Não importa, desde que o canto esteja lá. E, nele, ela possa deixar o seu cheiro.

Não conheço nenhuma que seja diferente. Por mais feminista (mesmo as das antigas!), workaholic, fria e calculista, se a ela é dado um cantinho, em breve por lá vai estar um vaso com flores, um cheiro de perfume ou incenso, uma manta para dar aconchego e cobrir o sofá. Painéis com muitas fotos também compõem o cenário. Ou apenas um porta retratos, um único,  com uma foto especial.

Um canto... E lá, ela é a rainha. E lá, é ela quem manda e ajeita almofadas e desentorta os quadros na parede.

Pode não cozinhar, mas vai ter vidrinhos com temperos guardados em alguma gaveta. E pode chegar a bater longos papos com tenras cebolinhas e delicados pés de manjericão.

Se há espaço e verba, dá até para se ter uma adega. Para degustar com os amigos...  E, às vezes, beber sozinha, para desgastar suas mágoas.

Ali ela é DONA. De si... De seu nariz... De suas paixões e de sua fúria em dias de TPM.

DONA.

E foi isso que vi, quando subi as escadas e adentrei o apartamento em Islington, norte de Londres. Carol ia abrindo as portas e se desculpando da bagunça da mudança e explicando o que já havia feito e o que ia fazer.

E nos contou sobre a planta: Comprei o vaso e vim andando pela rua com ela na mão. Sempre quis fazer isso. Parecia cena de filme. (Ela e a planta, personagens de uma história íntima, feita de sonho e determinação.) 

E, na sala, o pièce de résistance, a lareira, iluminada por duas enormes janelas. A ela, fomos apresentadas com respeitosa empolgação. Uma lareira!!!




Por estarmos às vésperas do Natal, imaginei a lareira enfeitada e me odiei porque esqueci de deixar com Carol a meiazinha que comprei em Southwark Cathedral.



Então, Carol, aí está pelo menos a foto. E tenha certeza que dentro da meia, na noite de Natal, vão ser deixados todos os seus desejos e sonhos e a cura para as suas inquietações. (Infelizmente, Papai Noel já me avisou que assignments de Mestrado ele não faz!).

Minha mãe era uma mulher sábia. Nem reino tão grande... Nem casa tão espaçosa...

(Que ninguém nos ouça. E menos ainda o Daniel! Dani está morando lá também. E de lá me envia lindos desenhos e animações!!!! Mas suspeito que ele será hóspede em seus aposentos, porque lá, a dona da casa é Carol!!!).

Para vocês aí em Londres e para todos os meus amigos, um Feliz Natal!! E que em suas meias e sapatinhos sejam deixados seus desejos e sonhos e a cura para todas as suas inquietações. 

Merry Christmas!!! And God Bless you all!!!

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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

UM TEXTO, NOVAMENTE


Gosto desta foto. Foto surrada e antiga, mas nunca me desfiz dela. É como uma essência. Uma síntese. Um mapa de mim. Um mapa de nós.

Campo de São Bento, Niterói. Eu, a mais velha. Não mais que quatro anos. De mão dada comigo, Celina. Não passava dos dois.

Eu, séria, sisuda. Com um ar preocupado que não deixou de me marcar pela vida. Sou pessoa que sofre de preocupações. E se...? E se...?

Celina, mão para o alto. Pode mandar que eu enfrento e seguro. Tô pronta pro que der e vier. Manda, que se for ruim, bate na trave, né?

Gosto desta foto... Síntese de nós. Nós, eu e ela. Nós... Daqueles que a vida prepara pra gente e haja dedo e paciência para desatá-los.

Crescemos juntas e a vida se encarregou de nos unir ou nos separar ao longo do tempo.

Construímos nossa história. Escrevemos histórias.

E foram muitos bons momentos...

E foram momentos tão duros...

Quando uma caia, a outra segurava. Quando uma voava, a outra planava em cumplicidade. Quando sonhávamos... Dividíamos o desejo, o medo, o delírio.

Às vezes, eu fui a mais velha. Outras, foi ela quem me deu a mão.

Perdemos batalhas, pessoas, partidas. Ganhamos experiência e recordações.

De tão diferentes... Ficamos iguais...

E, naquela tarde, nunca podíamos imaginar que o Campo de São Bento, lá de Niterói, podia ficar tão grande. Podia estar tão longe. Podia ser tão mágico. Podia ser tão bom...

O tempo passou...

E deste lugar estranho chamado maturidade, partimos para posar para outras fotos...

E sorrimos vitoriosas...
Sem medo de monstros.
 (Nem mesmo daqueles que se escondem na escuridão dos lagos distantes!)



De tão diferentes... Ficamos iguais...
Somos primas... Irmãs.

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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

NÃO É PREGUIÇA, MAS...


... se vocês visitaram Londres no outono e deram uma fugidinha às Highlands, por que não fechar o cerco e a viagem e darem também uma passadinha por Montpellier e St. Gilhem Le Desert? Aí vocês têm um traillerzinho de tudo que andei visitando e aprontado e não perdem as paisagens do sul da França. 

Na semana que vem... Voltamos às histórias.





(Ai! As comidinhas!!!!)


(Primos e vinho, que mistura perfeita!!!)








(De repente, St. Guilhem! Um pulinho no século 12!)




(E o sol se pondo no Mediterraneo!)

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sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

ESTA SEMANA...


... ainda fico devendo. Cheguei ontem e entre malas,  fuso horário e botar o papo em dia, nada de tempo para começar minhas hstórias.

Não faz mal. Acho que um pouco das Highlands na Escócia pode comprensar a falta de texto.














 GUID CHEERIO THE NOU!


Nota: Posso morrer tentando escolher a melhor foto... Nenhuma vai dar a idéia da beleza do lugar.

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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

É OUTONO...


É Londres... É outono... E eu achei o cabo para passar as fotos para o computador. Já estivemos nas Highlands e vimos o monstro (claro). E eu cheguei a conclusão de que fazer algum texto por aqui vai ser dificil... Então, aqui ficam muitos beijos e algumas fotos. Depois conto as histórias.


Já é quase Natal e as ruas começam a brilhar!


Quem disse que a gente não para rezar um pouquinho? Southwark Cathedral... Amen!


E para quem esperava chuva... Dias de botar inveja no Rio...


E nada como uma noite clara em St. Paul's!

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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

AUNTY PAT FEZ BESTEIRA


Tudo pronto para chegar no hotel e fazer, não um texto (que estou bem cansadinha!), mas uma bela coleção de fotos com os melhores momentos de uma Londres em espírito outonal. Esperta como sou, trouxe de tudo, menos meu conector e não estou conseguindo baixar as fotos (shame on me!!!!). Então é dormir e amanhã, espero eu, eu consiga arrancar as fotos da câmera.

Good night! Sweet Dreams! Tomorrow is another day!

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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

ARRUMANDO AS MALAS


Semana que vem: Inglaterra! E não vou negar que já estou experimentando aquela sensação gostosa de viagem à vista. Viajar é muito bom!

É bem verdade que podia ser melhor se não fossem as regras de segurança em voos internacionais e os aeroportos. Quando me perguntam se eu tenho medo de avião, eu respondo que tenho medo de aeroporto, esta entidade mítica, medieva e incontrolável. Entrar em aeroporto é igual a jogar Nitendo, há que se vencer etapas. Das mais simples, como passar pela porta e entrar, às mais complexas, como enfrentar a alfândega junto com mais três voos chegados de Orlando. Esta etapa sempre me venceu!



Há uma etapa que precede ao aeroporto que, confesso, tem me cansado cada vez mais. Não sei se tem a ver com estar ficando mais velha, ou se é resultado do acúmulo de vezes que já a enfrentei, mas fazer mala tem se tornado para mim um obstáculo a vencer. Houve uma época que eu viajava tanto que já nem pensava. Eu dizia Calor! E as roupas adequadas iam se enfileirando obedientes e entrando na mala. Eu dizia Frio! E até os casacos pesados e as ceroulas me obedeciam.  Agora não, está todo mundo rebelde, preguiçoso. Eu digo Frio! E as roupas ficam me olhando, como se dissessem Tá brincando? Olha o céu azul aí fora! Sente o calorzão! Encara a gente! Tem que nos experimentar! Vai encarar, vai?

Este é o problema de se estar sempre acima do peso, o fato de se ter as roupas não quer dizer necessariamente que elas lhe pertençam. Há que experimentá-las. Tem umas que vão bem até a lã passar pelo pescoço, aí pinica tudo. E não adianta ligar o ar condicionado que elas e o seu corpo sabem: Tá querendo me enganar, né? Olha o solão lá fora! Tá pensando que tá em Londres, mané? Aqui é Rio, malandro! É Rio! 



Então, o gesto simples de fazer a mala tem se transformado em tortura pior que aqueles palitinhos debaixo das unhas. Os únicos objetos afáveis e solidários são os cachecóis e as luvas. Se deixam manusear com cumplicidade. E estou segura que estão sendo discriminados. Coisa de bullying mesmo. Tenho certeza que ontem vi uma blusa de gola alta dizendo para as luvas que teriam de pagar pedágio para entrar na mala. Pode?

Mas não tem jeito, há que encarar esses delinquentezinhos e terminar tudo que o voo não espera... Pode atrasar... Mas não espera.

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Imagino que vocês devam estar se perguntando porque este texto entremeado com fotos do Rio. É porque... Sabe... Apesar de toda a sensação deliciosa de viagem à vista, já estou com uma pontinha de saudade de minha casa e da cidade. E ontem, só para me castigar, a lua chegou cheia e se escarrapachou em um céu de primavera todinho azul noite...

O Rio é uma cidade linda... Muito linda! 


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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

DRUMMOND


A menina tem convite para a festa
Palestra na Academia
Vestida de alfazemas
Escolhe sapato macio
Que o caminho
(longo)
Não permite ousadias

De Niterói até o Rio
Enfrenta ônibus
Enfrenta barca
Enfrenta mar e maresia

Um salto - o pier
Um salto - a rua
Um salto - o prédio
(Ainda o antigo. A antiga Academia)

E na entrada um tumulto
(que intelectual também empurra)
E no acaso da tarde
A menina encontra
A Poesia

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Eu tinha dezessete anos. Sozinha, decidi ir a um evento na Academia Brasileira de Letras e nem podia imaginar que...

No meio do caminho tinha um Poeta
tinha um Poeta no meio do caminho
tinha um Poeta
No meio do caminho tinha o Poeta


(Minha contribuição ao Dia D. Que se transforme em data histórica e feriado nacional.) 

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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

ESTICA A TINTA


Meu pai adorava pintar. Não era pintor de quadros, mas de paredes e, especialmente, grades e portões. Costumava dizer que duas coisas o relaxavam muito, varrer e pintar. Era como um hobby para ele e, com ele, tomei gosto pela coisa. Pintar...

Como sempre moramos em casa, passávamos horas entre tintas, pincéis e rolinhos e nossos portões e grades eram impecavelmente mantidos. Desde criança, fui aprendendo com ele. E ele me dizia e repetia: Você é muito ansiosa. Molha demais o pincel na tinta. Assim vai pingar. Assim fica feio. A tinta fica grossa. Prolonga a pincelada. Paciência... Estica a tinta. Estica a tinta.

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Há uns meses vendi a casa de Itaipu e comprei um apartamentinho no Flamengo. Coisa simples para botar para alugar. Quero alugá-lo já mobiliado. Com cortinas e tapete. Está ficando bem bonitinho. Tem até vaga de garagem. Comprei a linha branca no Ponto Frio no início do mês e ficou combinado que me entregariam tudo no dia 26. Crédula que sou e ansiosa também, dia 26, lá estava eu no apartamentinho, já antes das 8 horas, esperando as coisas. Sabia que tinha uma possível longa espera pela frente, pois as lojas insistem em entregar em horário comercial e o pobre do comprador, depois de ter pago a despesa, ainda tem que se plantar paciente e aguardar sua compra. (Que se há de fazer? Paciência... Estica a tinta!)

Cheguei cedo e, diante da espera, decidi pintar o tampo da mesa da sala. Decidi replicar o tomate seco da parede. (Vai ser a cor do verão segundo revistas especializadas). Dei uma lixadinha básica e esperei. Dei a primeira demão, só para queimar e esperei. Ia pintando e lembrando de Joe Blower... Estica a tinta. Estica a tinta.  Ria para mim e de mim às vezes. E lá fui eu, esticando a tinta. O tempo passando e eu já quase terminava a segunda mão. O tampo estava ficando maneiro. Olhei o relógio e tive um insight. E se o zelador esquecer que eu estou aqui e mandar o caminhão embora? Vou interfonar e relembrá-lo de minha presença.

Caminhão do Ponto Frio? 'Teve aqui sim e já foi embora. (Um frio patagônico percorreu minha espinha!)... Mas não era para o seu apartamento não. Era para o 804. Eu sei que a senhora está aí. (Um calor morno de primavera invadiu meu coração!).

Agradeci. Desliguei o interfone. Quase tentei relaxar. Mas, ansiosa como papai dizia, decidi ligar para o vendedor e checar a entrega. O rapaz me atendeu gentilmente e depois de uma checagem rápida me informou que o dia de entrega havia mudado para a próxima segunda-feira.

Próxima segunda-feira? Como assim? Mas ninguém me avisou!!! Na segunda-feira eu não posso esperar!!! Para quê vocês ficam com o nosso telefone de contato se não fazem contato? Se eu não tivesse ligado para vocês, passaria o dia inteiro esperando uma entrega que não viria!!!!???!!!

Enquanto minha voz ia esganiçando de raiva, o silêncio do vendedor era sepulcral.

Dona Patricia... Dona Patricia... Sim, pode falar, respondi apoplética. Vou tentar falar com meu gerente e ver o que pode ser feito. Vou tentar colocar a entrega na sexta-feira. A senhora me liga daqui a quinze minutos.

Desliguei o telefone e tal qual bicho acuado me entreguei à segunda demão de tinta. Calma, Patricia. Paciência. Estica a tinta!

Enquanto pintava, imaginava o que podia acontecer. Vou ligar e ele não vai atender. Eu sei. Vai acontecer isso... Calma, Patricia. Estica a tinta.

Depois de quinze minutos cravados, liguei novamente. O vendedor atendeu. E num fio de voz me explicou que não poderia mudar a data. Resultado da logística de entrega. Não sei se a senhora sabe que agora o Ponto Frio se fundiu às Casas Bahia e a entrega melhorou muito... Para quem?, perguntei com uma entonação que deixaria Almodóvar com lágrimas nos olhos. Para quem?!!!! E aí emendei com considerações socio-político-antropológicas. O senhor sabe porque só tem um punhadinho de gente nas manifestações contra a corrupção? Porque não há cidadania. Mudar a data da entrega sem avisar ao cliente é resultado disso. É um vale-tudo!!!! O rapaz gemia do outro lado da linha. Dona Patricia... Seu apartamento está vazio? A senhora confia em mim? Se a senhora quiser, eu fico na sua casa esperando as coisas para senhora. (Vi que tinha pegado pesado. Acho que ele participou da passeata.).

Respirei fundo. Lembrei de meu pai... Calma. Estica a tinta. Estica a tinta.

O que não tem solução, solucionado está. Vou ver o que posso fazer na segunda-feira. Se não der para receber, tentamos outro dia antes de minha viagem. (Estica a tinta... Estica. Talvez esta seja a sina dos brasileiros... Quem sabe?)

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Não consigo terminar o texto hoje sem fazer um breve comentário sobre um comercial de TV e acho que está nas revistas também. Uma propaganda da Johnnie Walker. De repente, ao lado do Pão de Açúcar uma montanha se faz, montanha esta que aos poucos vai se transformando em figura humana que ao final do anúncio sai caminhando (correndo?) e, aí, entra a mensagem: O Gigante não está mais adormecido!!!!

Como moro perto do Pão de Açúcar, tenho passado horas observando a montanha para ver a hora em que o Gigante sai correndo enseada de Botafogo afora.  Devo informar que até agora não vi nada, só uns urubuzinhos (gaivotas?) sobrevoando a região. Quem sabe ele surja aos domingos quando fecham o Aterro para lazer? 

O fato é que quando vejo a situação da Saúde e da Educação aqui em nossa terrinha, penso que o Gigante está é sofrendo crises de sonambulismo que se agravam quando  ele tem o pesadelo recorrente que sua filha única, Brasiléia, depois de fazer a prova do ENEM, precisa fazer uma cirurgia de urgência em um hospital conveniado ao SUS. Aí ele se levanta e sai em disparada. Depois do surto, se deita em seu berço esplêndido e aguarda a promessa de um novo amanhecer ao som do mar e à luz do céu profundo.

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É Patricia... Estica a tinta... Estica ...

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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

TESOUROS


Quem me conhece há algum tempo conheceu ou já ouviu falar de Tia Babá. Ela é essa aí da foto, vestida de noiva, acompanhada por mim, sua fiel escudeira.

Tia Babá foi a tia que, acho, todos gostariam de ter. Com ela, aprendi tanta coisa!!! Foi com ela que comecei a ler Shakespeare, mas Shakespeare sem o ranço cansado de Shakespeare. O bardo sem academias. Um Shakespeare que me trazia aventura, emoção, temor, paixão. Começamos em português, e depois... Era o texto original, a fala, a poesia, o ritmo e a arte. Foi Tia Babá que me ensinou as nuances, os silêncios. E não foi só Shakespeare, foram tantos outros. Viveu cercada de livros e receitas e idéias.

Tia Babá... Era geminiana.

Dividiu com mamãe as manhãs de minha infância. Minha e de Celina (Minha prima/irmã, filha dela.). Celina e eu, hoje em dia, muitas vezes nos deliciamos lembrando das conversas das duas. Das idéias. Das invenções. Ambas tinham uma imaginação feérica. Eram capazes de passar horas entre receitas de comidinhas que nunca faziam, livros, recordações... Muitas histórias.

Tia Babá... Foi minha bússola. Foi como bálsamo, tantas vezes para mim.  

Mesmo adulta, eu gravitava em sua órbita mágica. Pura poeira de estrelas.

Tia Babá... Sabia tocar piano. Tico Tico no Fubá, seu grande hit!

Tia Babá... Era poeta também... Tia, por que você não publica os seus versos?... Nada disso. Só venderia meus versos em feiras, como Cordel... Meus poemas são para poucos... E presenteava todos os seus versos para sua Ximã Thereza.

Hoje de manhã, arrumando papéis e livros, encontrei um saco plástico e, nele, ali estavam muitos daqueles presentes. Textos, poemas, hai-cais... E me entreguei ao amarelado das letras... Recortes... Recordações.

Portanto, hoje, o texto não é meu, é dela. Coadjuvante, saio de cena e deixo o palco todinho para ela... Tia Babá... A palavra é sua...

Comecemos por hai-cais:

I-
A brisa marinha,
Soprando, enfuna a tarde.
Re-in-venta o verão. 


II-
A vida semente
Trancada a sete pétalas
Na flor em botão.

III-
Andorinha voando!
Não faz verão e no entanto,
Minhalma se aquece.

IV-
O relógio marca
A angústia da espera: Tic
Taquicardia.

V-
Arqueologia:
O sorriso da infância
Na boca sem dentes.

E, por fim, um poema que eu amo e que a ouvi recitar tantas vezes. Enquanto escrevo, posso ouvir sua voz e a risada que ela dava quando terminava de dizer os seus textos. Ela brincava com sua arte... Mágica artesã.

FENÔMENO CÍCLICO

Há uma lua imensa no céu.
Lua cheia, redonda, com brincos de estrelas.
Está na hora da Festa.
Sem pressa me apronto.
Escolho o vestido.
Retoco a pintura.
Um toque de perfume...
Meus brincos de clips...
Ante o espelho me julgo.
Estou pronta, afinal.
                                      O sapato me aperta.
Juntas,
Eu e a lua,
Cheias,
Enfrentamos a Festa.
Sabemos do Eclipse.

Tia Babá... Era um tesouro. Como aqueles que as crianças guardam debaixo de suas camas... Lata de biscoito, bolinhas de gude e pedras... preciosas.

Tia Babá... Era um tesouro. Uma galáxia/caixinha de jóias e suas pedras/estrelas... Preciosíssimas!

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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

ROUPAS


A mudança chegou. E com ela, a alegria de rever pertences, a preocupação com livros e papéis e a (des)agradável surpresa de reencontrar as roupas de cama, mesa e banho.

As roupas... Aquilo que para mim não tinha sido objeto de preocupação ao longo da espera de mais de um ano até que a mudança chegasse, caiu no meu colo com o peso exato de dez caixas grandes. E quando digo grandes, digo retangulares e angulosas como caixões de primeira. Papelão reforçado. Rechonchudas, como se em cada uma delas um rinoceronte me espreitasse.

Ao abrir a primeira, confesso que quase rezei para que tudo estivesse mofado e apodrecido e aí eu teria uma boa razão para jogar tudo fora e começar do começo. Mas que nada. Apesar de lacrados há um ano, lençois e toalhas e conjuntinhos americanos estavam intactos, só com o cheiro característico da hibernação. Havia que lavá-los.

Diligente e próativa como sou, decidi levar edredons e colchas para o tintureiro. Seu Ricardo me sorriu deslumbrado com o aumento inesperado da receita. Enquanto o tintureiro celebrava o azul de seus números, eu entrava de cabeça no vermelho.

Refiz meus projetos e decidi lavar o resto da roupa em casa. Continuei abrindo as caixas  e para espanto e desespero descobri que também uma parte das roupas de Silvio era um dos rinocerontes embalsamados.

Comecei, então, um mutirão de lavagem. Foi-se criando uma espécie de compulsão em mim. Estou decididamente sofrendo de TOCRREL, sigla recentemente criada para casos graves de Transtorno Obsessivo Compulsivo Relativo a Roupas e Lavagens. Acordo e, antes de escovar os dentes, já tenho aquela vontade incontrolável de estar entre sabão e amaciante. Entro na área e a máquina quase se encolhe. Outra vez não!!! Gritaria ela, se pudesse gritar, mas antes de qualquer reação, eu já lhe enfiei goela adentro mais um cesto de roupa.

O pior não é a máquina, que desta cuido eu, mas minha vizinha. Ela pode me ver em meu vicio. Da primeira vez que me viu entre lençóis e toalhas me sorriu solidária quando expliquei que a mudança havia chegado. Nos dois primeiros dias, comentava... Que trabalheira!!! Agora, tem me olhado meio de banda. Desvia o olhar como se estivesse testemunhando um delito.

A passadeira já me disse que quer aumento e negociamos um reforço para este período. Vai passar, expliquei docemente... É o que eu tô fazendo sem parar, me respondeu. Tô passando! Foi dificil explicar para ela que o meu "Vai passar" dizia respeito ao tempo e não ao ato.  

E assim vão seguindo os meus dias... Entre bolhas de sabão, alvejantes e amaciantes de diferentes cores e perfumes. A compulsão não parece melhorar.

Sei não... Acho que vou gastar mais grana com o analista do que com o tintureiro. Isso sem falar na passadeira que quer porque quer um aumento.

Êta vida dura!, como diria minha querida amiga Mabel.

Ah, só como registro final. Ou a vizinha viajou no feriado ou está me evitando, talvez com medo de eu surtar de vez e atacá-la a golpes de ferro de passar. Com louco não se deve brincar, não é mesmo? Não se deve brincar...

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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

ÁVILA,2011


A mudança saiu de nossa casa em Caracas no dia 3 de setembro de 2010 e chegou ao Rio de Janeiro em 28 de setembro de ... 2011. Depois de ficar estocado por engano por mais de três meses em algum lugar de La Guaira, o container caiu na burocracia medieval da América Latina. Imaginem, passar por portos e greves  na Venezuela e no Brasil. Passar por alfândegas nos dois países. Ser revistado à procura de drogas em território bolivariano e em terras tupiniquins. Até entendo porque demorou tanto. Mas demorou muuuiiiito.

Desde janeiro esperava as coisas para decidir como, finalmente, ficaria a casa. E também havia o medo de tudo chegar rasgado e quebrado e mofado... Podia até não chegar. E se não chegasse, o que mais me faria falta era o quadro que ganhei de Andrea naquela tarde em Caracas.

Foi logo ele, o segundo pacote que os homens da mudança trouxeram para mim. Como estaria? E fomos desembrunhando os dias, os meses. Fomos desatando os nós da espera até que, de repente, como se de novo pudesse respirar, o amanhecer na Cordilheira da Costa ressurgiu. Se espreguiçou espantando a modorra caribenha e me sorriu. Quantas vezes a montanha me sorriu entre rosas e vermelhos. Explodindo em dia.

Na varanda, as caixas iam sendo empilhadas e não pude deixar de sentir um certo ciúme de uma outra montanha que agora me olhava à distância. As montanhas são muito ciumentas!



Mas hoje era dia especial. Dia de matar a saudade de um velho e querido amigo. Meu cúmplice. Meu mestre. Meu companheiro de descobertas, surpresas e alegrias. Muitas alegrias.

No final, fui eu mesma que terminei de abrir o pacote e pari a montanha com as próprias mãos. Seja bem vinda amiga. Nos abraçamos com carinho silencioso e, como em um rito de passagem, a entronizei na parede. E...

O Ávila é montanha mágica. Numa fração de segundo o que era traço e tinta se fez paisagem.

Estou aqui, Patricia. Com você. Aliás, você se lembra? Eu tinha dito que sempre estaria a seu lado. Cúmplice. Mão amiga feita de vento e vegetação. Estou aqui.



Seja bem vinda minha montanha, sempre mágica. Te acolho e me acolhes em um abraço infinito. Me apoie e me dê força. E me traga muitas alegrias, como só você sabe fazer.

Seja bem vinda minha amiga, com o seu sorriso largo como um eterno amanhecer.


Nota: Como contraponto e complementação, sugiro a leitura de uma postagem chamada O ÚLTIMO TEXTO de setembro de 2010.

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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

CINCO PARÁGRAFOS


Quando estava cursando o Mestrado, eu tinha um professor de Teoria Literária que, volta e meia, parava a aula e fazia rápidas anotações em um caderninho. Quase no final do semestre, quando eu já tinha um pouco mais de intimidade com ele, não resisti e, um dia, com cuidado lhe perguntei que notas eram aquelas que faziam com que ele interrompesse as aulas para registrá-las.

O professor não se fez de rogado e rápido me respondeu: Futuros romances.

Depois me explicou com mais vagar que ele anotava os parágrafos iniciais de histórias que ele esperava, um dia, escrever. Achei a idéia fantástica e, ao longo dos anos, muitas vezes me pego criando os meus parágrafos imaginários.

Como, até hoje, nunca encontrei livros de sua autoria à venda, acredito que ele continue perdido em seu mundo de notas e futuras histórias.

Esta semana, portanto, decidi brincar com os leitores. Deixo para vocês cinco parágrafos. Sem títulos. Só os textos e uma foto para cada um deles. Brinquem com eles e criem suas histórias. Para engarrafamentos e noites de insônia não há remédio melhor que soltar a imaginação e se fingir de escritor ou de Deus (que é quase a mesma coisa). 

Se embarcarem no jogo, não esqueçam dos títulos. Um bom título é como uma chave encantada, abre nossos corações a qualquer enredo.

1) _________________________________


Ela entrou na livraria apressada. A reunião no escritório tinha durado mais tempo do que esperava e agora tinha que encontrar um presente de última hora para a amiga de infância. Nem pensava em passar em casa. Iria da loja direto para o bar onde os amigos estavam celebrando o aniversário de Bárbara. Trinta anos! Todos estavam ficando velhos.Ainda bem que a amiga gostava de ler e não tinha ainda se entregado à magia dos e-books. "Nada como o cheiro de um livro novinho". Pelo menos era o que a amiga dizia quando lhe tentavam vender a idéia de ler livros em tablets... Upa! Estava com tanta pressa e tão distraída que não viu a cadeira de rodas e quase tropeçou no rapaz. Foi ele que a segurou. Mãos fortes. O rapaz olhou para ela e sorriu. Foi ele que pediu desculpas. Usava óculos e uma bandana colorida.

2) _________________________________________

Era uma vez, há muito tempo atrás, um pais distante onde todos viviam felizes. Nas praças. Nas ruas.  Nas casas, da mais pobre à mais rica, todos eram cordiais e solícitos. Todos  ajudavam uns aos outros e ninguém nunca tinha ouvido a palavra tristeza. Todos os dias eram sempre azuis e a chuva, quando vinha, era morna e suave. Na dose certa para umedecer a terra e encher os poços. O que os habitantes daquele lugar não sabiam e nem podiam imaginar é que ali, bem perto, junto aos campos de girassol, estava preso, em uma antiga torre, um príncipe. O verdadeiro herdeiro do trono. Enquanto ele sofria entre correntes e escuridão, seu povo compartilhava alegrias, fartura e plenitude.

3) _______________________________


O calor passava dos 40 graus. Quem disse que se pode trabalhar nessas tardes de verão do Rio de Janeiro? O delegado entrou no quarto onde alguns guardas já o esperavam. Na cama, o corpo da mulher. Não fosse sua palidez e o cheiro forte e ácido no ar e ninguém diria que estava morta. E morta há quase um dia. Nada no quarto estava fora de lugar. Sobre a mesa de cabeceira um terço? "Não", explicou um homem franzino que ele não sabia quem era. "Não, é um Kombolói. Uma coisa que os gregos usam. Aqui, pode ser enfeite de mulher, mas lá, só os homens podem ter um". O delegado estranhou. Naquele colar esquisito, faltava uma conta pequena.

4) ________________________________

Tudo começou como uma brincadeira de criança. Seus pais até a incentivavam, afinal o gosto pelas viagens e a curiosidade de conhecer outros lugares só podiam ser hábitos saudáveis. Passava horas recortando revistas. Colecionava fotos de lugares distantes. Diferentes países. Colava tudo em cadernos de desenho e dizia que um dia iria conhecer todos aqueles lugares. Foi crescendo como a melhor aluna de geografia da escola  e as colegas de turma, apesar de a acharem um tanto esquisita, a respeitavam como uma possível futura exploradora. Já estava agora com mais de quarenta anos. Continuava a recortar fotos e perdia noites inteiras pesquisando na Internet. Tinha suas economias. Nem se casou para poder viajar. Um dia ela sairia de Bom Jesus e desbravaria o mundo. Um dia.

5) _________________________________________

Não conseguia ficar sem a caderneta. Era seu amuleto. Sua segurança. Não se pode perder uma idéia por falta de lápis e papel. Uma boa idéia fisgada a qualquer hora pode virar um prêmio Jaboti ou um Machado de Assis. Todas as grandes obras começaram de meras anotações. Então, interrompia as aulas e, a cada lampejo de enredo, rabiscava a trama no papel. Às vezes, desenhava cenários e capas embrionárias. Não tinha o menor pudor de parar tudo e registrar suas histórias. Um dia, ao final de uma aula, uma de suas alunas, cheia de formalidade, com cuidado lhe perguntou o que eram as anotações. Ele não se fez de rogado e rápido respondeu: Futuros romances.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)