sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

POR ACASO, UMA FOTO



O dia era tórrido naquele finzinho de agosto em Roma e lá estava eu encarapitada no alto de um desses ônibus de dois andares para turistas. Debaixo de muito filtro solar, óculos escuros e um chapéu Panamá que me deixava com cara de mafiosa, ia me deliciando com a cidade.


A parada feita junto à entrada das ruínas do Fórum foi mais longa. Hordas de turistas buscavam se entender entre sorveteiros, carros, guias e barraquinhas de souvenires. Provavelmente algum americano já entrado em anos tentava escalar as escadas do ônibus para chegar até onde eu estava. Esperei...

E, enquanto esperava, meus olhos iam passeando pelas pessoas, pelos recantos, pelos detalhes. De repente, a foto. Era ela que me esperava ali, ao acaso, por acaso. Naquele momento eu entendi. Esta seria a foto do último texto do ano. Saquei da câmera e com a rapidez de um pistoleiro de faroeste-espaguete, aprisionei o momento em megabytes. O céu absurdamente azul, um pedaço de copa de árvore e uma pombinha pousada ... em um ponto de interrogação!?!



Pois esta foto sintetiza tudo que eu desejo para mim e para todos que eu amo no ano de 2010.


Que sejamos ecologicamente felizes... Verdes... Pura esperança... Sejamos múltiplas copas de árvores a desafiar e vencer o que houver de CO2 em nossos caminhos.



Que o nosso céu, mesmo nos dias de chuva, insista em se manter desavergonhadamente azul. Um pano de fundo onde possamos realizar nossos desejos mais íntimos.



E que haja sempre, à sombra de nossos medos e questionamentos, uma pombinha, se possível bem branca, para fazer com que cada uma de nossas dúvidas se transforme em vôo seguro e certeiro.



Que assim seja 2010.



Feliz ano novo!



Muito feliz!

(in pblower-vistadelvila.blogspot)








quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

HALLACAS


Se alguém pensa em Natal e em Venezuela terá necessariamente que pensar em hallacas. Buscando em vários sites, descobri ou confirmei muitas coisas que eu já sabia ou intuía depois de passar três dezembros em Caracas e de degustar algumas hallacas maravilhosas. Existem no mundo dois tipos de pessoas: as que gostam de hallacas e aquelas que as odeiam. Eu sou uma hallaca person.



Inundei o inicio do texto com a palavra hallaca na tentativa de dar ao leitor uma leve idéia do que é novembro e dezembro na Venezuela. Todos falam de hallacas. Os supermercados oferecem seus ingredientes, os restaurantes anunciam que já servem o prato navideño, hallacas congeladas são vendidas em delicatessens como El Rey David e as famílias começam as negociações de que tipo de contribuição cada um terá na feitura do quitute. Há, também, programas de rádio com as mais variadas entrevistas sobre o assunto. Um tópico bastante discutido é o de como comer hallacas e não engordar. Todos os anos, inclusive, é feita uma pesquisa, com certas conotações políticas, que investiga o quão inflacionados estão os ingredientes das hallacas e se a família média terá condições financeiras de cumprir com a tradição.


Há muitas teorias sobre a origem do prato e o seu nome. Encontrei, por exemplo, em um comentário de um site a seguinte observação:






La hallaca es una receta tradicional y típica de Venezuela. También conocida y popular en las Islas Canarias (España), especialmente en Navidad. Las hallacas guardan cierta similitud con los tamales de otros países de América Latina. Como se ve en la receta, las hallacas se hacen con una masa de harina de maíz rellena de diversos ingredientes, luego se envuelve en hojas de cambur (o de plátano) y finalmente amarrada con "pabilo" y se hierve en agua caliente.[in www.mis-recetas.org]






Fiz a citação, pois estava tentando resumir o irresumível e acho que o texto acima conseguiu. Quando falei que as famílias negociam suas tarefas na feitura da hallaca foi porque há, além das diferentes receitas dependendo da região, muitas etapas em sua preparação. Por exemplo, Claudia, minha professora, é apenas responsável por preparar as folhas de bananeira que envolverão o acepipe para sua família (uma média de 400 folhas!!??!!).


Para matar a curiosidade do leitor mais chegado a um fogão listo apenas os ingredientes necessários para se fazer uma hallaca básica: (Se não quiserem podem pular esta parte, só a incluí para dar um certo clima ao texto. Estou imitando Humberto Eco em seu livro O Nome da Rosa. Muito latim para trazer a atmosfera da época)


1/2 Kilogramo de Carne de ternera, 1/2 kilogramo de carne de cerdo, ambas cortadas en parmentier, 1/2 kiogramo de pollo cortado en julianas, 1/4. kilogramo de cebollín, puerro, pimientos, cebolla, todos cortados en brunoisse, 100 gramos de alcaparras desaladas, 150 gramos de olivas rellenas con pimientos, 1 cucharada de comino recién tostado y triturado, 1 cucharadita de curry en polvo (madras), 1 cucharada de azúcar, 1 taza de vino dulce, 1/4 taza de puré de tomate, 3 dientes de ajo majado, sal, cantidad necesaria, 1 kilogramo de harina de maíz, choclo, elote, mazorca de maíz, jojoto, chilote, aceite onotado, hojas de plátano ahumadas, hilo para cocina 1 madeja, y cucharada de leche en polvo y otra de harina de trigo.


Hallacas … Quanto mais penso nelas, mais as considero uma metáfora perfeita do Natal atual, moderno e tropical.


Tudo começa com a massa. Informe. Pesada. Úmida. Seguirá cegamente todas as subrepticias sugestões da mídia e do marketing. O presente da moda. A loja da moda. O point da moda. A moda da moda. E é essa massa que envolve o guisado. A geléia geral. Amigos (secretos ou não). Parentes (distantes ou não). Há lugar para todos. Papais Noéis suarentos. Renas! Chaminés!!! E neve!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Ao som de Jingle Bells expomos a nossa alegria comprada nas 25-de-março da vida. Celebramos. Celebramos muito. Celebramos intensamente. Enquanto, com pressa, esbarramos em reis magros caminhando por seus desertos particulares. E a massa e o guisado (nós?) é embrulhada para presente, em folhas de cambúr super chiques. Nos enfatiotamos e ... fervemos.


Acabo de reler o que estou escrevendo e levei um susto. Não era este o texto que eu queria. Acho que virei uma hallaca desandada, embora, realmente, tenha gostado da comparação. E vou insistir nela por teimosia.


Como disse, sou uma hallaca person e se por um lado o Natal virou um evento marqueteiro. Uma efeméride da mídia. Uma hallaca mal embrulhada e fervida. Por outro, insiste em ter um sabor especial. Realmente acredito que, na noite de paz (?!), possamos reencontrar a magia infantil da festa. Nem que seja por um segundo. Em um sorriso. Um telefonema de alguém distante. Uma gargalhada inesperada. Ou na eloqüência do silencio.


Neste Natal, que todos nós tenhamos a delicadeza de sermos criança por um minuto que seja. Uma criança... Qualquer criança... Que, em um momento, brote de nossas almas ou do umbigo mesmo, um sorriso infantil como só as crianças sabem dar (mesmo que já não acreditem em Papai Noel). Um sorriso de menino... daquele menino... a quem insistimos em chamar de Cristo.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A CÁPSULA



Cheguei em São Paulo na 3ª feira. O vôo Caracas/Sampa foi tranqüilo, mas aterrissei em uma cidade em pleno caos. A sorte foi que optei por fazer a conexão em Guarulhos, pois se tivesse seguido o que normalmente faço e ido para Congonhas, provavelmente ainda estaria tentando chegar ao Rio.



O caos, na verdade, não era absoluto. Tenho que ser justa. Havia teto para voar, nenhuma bagagem foi extraviada, os passageiros passaram pela imigração e alfândega ordenadamente e até havia algumas coisas interessantes na Free Shop. Para que eu chegasse ao Rio só faltava uma coisinha básica: os pilotos. Eles, apesar de toda a sua expertise para deslocamentos velozes e sob intempéries, simplesmente não conseguiam vencer as inundações do Tietê e do Pinheiros. Assim é São Paulo. Grande. Caótica. Deslumbrante.


Esperei.


Depois de mais ou menos duas horas e de uma longa conversa com um americano que tentava entender o que estava acontecendo e, principalmente, o que era a cidade de São Paulo, consegui levantar vôo e chegar a um Rio de Janeiro caótico e semi-inundado. Estivera eu em Kopenhagen, seria um testemunho vivo de que o clima do planeta realmente enlouqueceu.


Mas cheguei.


E, depois de três dias de correrias entre bancos, visitas a amigos, reunião na Cultura e ida a Niterói, acordei às 5:30 da manhã de 6ª feira na ... onde mesmo que eu estou? ... Ah, sim ... na cápsula.

Decidi me levantar.

Olhei a minha volta e mantive um silêncio sepulcral. Márcia continua ficando no apartamento durante a semana e dormia profundamente. Como eu sou International Vagabond e ela anda trabalhando enlouquecidamente, decidi respeitar o seu descanso.


Fui para a sala e me sentei na cadeira de balanço, um dos poucos móveis que restou das três casas onde eu morava antes de ir para Caracas. Fiquei um tempo me embalando e lembrando de tantas coisas que passei naquele apartamentinho do Humaitá.


Quando fui para a Venezuela, Márcia me sugeriu que eu escrevesse uma peça de teatro chamada A Cápsula. Na verdade, a gente costumava brincar sobre esta peça já fazia algum tempo. Tínhamos certeza que seria um sucesso!Ficávamos pensando que atrizes poderiam fazer as nossas personagens, como seria o cenário, a iluminação... A trilha sonora nós já havíamos escolhido: Roda Viva de Chico Buarque... A gente vai contra a corrente / até não poder resistir / na volta do barco é que sente/ o quanto deixou de cumprir...


Era assim que eu me sentia naquela época. Uma devedora de mim. Correndo muito para chegar a lugar nenhum.


Cursos, palestras, congressos, reuniões, o MBA e a permanente distância de Silvio. A gente ria, brincava sobre o assunto, mas quanto mais passava o tempo, mas pesava estarmos longe um do outro. Afinal foi uma espera de dez anos para que nós pudéssemos jantar juntos em um dia de semana. Dez anos para podermos conversar ao vivo e a cores depois de um dia de trabalho. Dez anos para que pudéssemos até ter tempo para brigar. (Quem tem tempo de brigar se só tem o final de semana para estar junto?) Mas brigar faz falta também.


Olhei novamente a minha volta. O dia já tinha amanhecido e havia lá fora uma mistura que só acontece na Rua Humaitá: passarinhos cantando, uma cigarra sobrevivente da chuva torrencial da noite anterior e o barulho do trânsito começando a ficar cada vez mais pesado.


Como a cápsula mudou nesses quase sete anos! Quando alugamos o apartamento de Jorge, o lugar era um chiquê, tinha até cadeiras assinadas por designer famoso. Depois, quando comprei o imóvel, ainda tentamos dar um charme ao espaço, mas com a minha viagem, ele foi ficando cada vez mais cheio de livros, móveis, utensílios. Coisas que eu insisto em preservar.

Acho que a cápsula é uma espécie de metáfora de mim. Ou talvez seja uma fiel parceira em minha trajetória. Tanto ela quanto eu fomos nos adaptando às novas realidades. Reinventamos espaços. Fomos nos desfazendo de supérfluos. Preservamos apenas o que nos parece essencial e, mesmo assim, de vez em quando fazemos novo balanço e sempre encontramos algo para jogar fora.


Talvez não tenhamos mais o glamour de cadeiras assinadas, mas ... preservamos a cadeira de balanço, onde embalamos os mais recônditos sonhos e deliciosas recordações.




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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

UMA CARTA AO NIÑO JESÚS



Querido Niño Jesús,



Eu sei que já faz algum tempo que não lhe escrevo, mas esta coisa de ter Papai Noel como intermediário sempre me incomodou muito. Como estou aqui em Caracas, as coisas ficam mais fáceis, pois por aqui as cartas vão direto para você. Isto é certo. Pode perguntar a qualquer criança da cidade. Então decidi lhe escrever.


Antes de tudo, quero lhe dizer que acho que tenho sido uma ótima aluna. Tenho aprendido muitas coisas novas e feito um grande esforço para desaprender algumas que já estão muito antigas, ultrapassadas mesmo. Esta tem sido a maior dificuldade... Pobres de nós, mortais! Como é difícil desaprender os vícios!

Vou também lhe contar um pouco do que está se passando por aqui. Dia 1º., La Cruz Del Ávila foi acesa com pompa e circunstância para o inicio das celebrações navideñas, mas, este ano, por motivos de racionamento de luz, ela só vai ficar acesa das seis da tarde até a meia noite. Perdi minha companheira das madrugadas no mês de dezembro. Não faz mal, pelo menos ela foi acesa, o que já dá uma ponta de esperança.

Os centros comercias também estão menos iluminados, mas a abundância de presépios permanece. Los pesebres não podem faltar. Tem presépios de todos os tamanhos, formatos e materiais. De metal, plástico, vidro e até de tagua, que é uma semente que parece marfim.


Todas as famílias já estão mobilizadas comprando os ingredientes das hallacas e já se pode comer el plato navideño em muitos restaurantes da cidade (hallaca, pan de jamón, ensalada de gallina e de sobremesa dulce de lechosa). Depois querem saber porque eu engordei tanto... Tem a ver com os vícios!


Mas para quê eu estou lhe contando tudo isso, se eu sei que você está bem pertinho, olhando a cidade lá do alto de Galipán. Pelo menos é o que diz uma antiga canção de Natal... (El niñito baja desde Galipán, viene con sus flores y sus mil colores para los regalos que vienen y van [Bis])

Sabe, a cidade pode estar um pouco mais escura e com falta de água, mas a lua tem estado perfeita nestas noites límpidas de dezembro. Há coisas que não abrem mão de ser o que são. Não mudam. Nem de cor. Nem de direção. Não seguem ordens. Têm seu brilho próprio. E, talvez por isso, sejam sempre mais brilhantes.


Quanto aos meus pedidos, os meus regalos mais desejados, você já sabe o que são. Eles são sempre os mesmos. Olha por Silvio e por mim, cuida bem da gente. Protege também as nossas famílias e a todos os nossos amigos. Eu sei que o mundo está, como sempre, uma loucura, e agora então com essas mudanças climáticas!... Mas não esquece da gente não. Reserva um tempinho que seja para olhar por nós.


Este ano, eu vou pedir um pouquinho mais. Afinal, eu me comportei bem e até aprendi a cozinhar! Então, aí vai o meu pedido: Olhe com muito carinho por esse povo que me recebeu tão bem. Por esse povo que sempre está disposto a me ajudar. Por este povo que entende o meu espanhol de pé quebrado quando grito !Ayudenme!. Se você estiver muito atarefado, por favor, peça a senhora sua mãe, que aqui tem muitos nomes (Coromoto, Chiquinquirá, Del Valle...) para te ajudar. O importante é ter sempre alguém que esteja pendiente, para que eles nunca fiquem sozinhos.


E assim, vou terminando minha cartinha que eu sei que você vai ter que ler muitas outras mais.


Saludos, muchos besitos y Feliz Navidad,



Patricia


PS: Ah! Já ia esquecendo. Se der, não é prioritário, mas se der, traz um Chihuahua pra mim?

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)