sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A VOZ DO POVO


Quedas de passarelas, acidentes com trens, engarrafamentos, falta d´água, falta de energia, promessas não cumpridas, expectativas frustradas... E calor! Muito calor! Que verãozinho este?!

Mas não é sobre o verão ou sobre o calor ou sobre todos os problemas que ando pensando ultimamente. Nada disso. Tenho pensado muito sobre uma palavra que tem ocupado os noticiários com uma frequência de celebridade... Não, celebridade não, que acho que ninguém tem prestado atenção nela. Na verdade, não é uma palavra, mas algumas frases em que ela ou seus familiares estão sempre presentes. Tenho pensado muito nesta palavra...

Está certo, nada mais de suspense. A palavra é HUMILHAÇÃO.

Me explico melhor. Na maioria das entrevistas, quando as pessoas diretamente envolvidas... O povo, protagonista de tantas mazelas, é perguntado sobre o ocorrido, o que vem como resposta é: Isso é muita humilhação!

O trem descarrilhou... Isso é muita humilhação!

O acidente fatal em que não houve fiscalização... Isso é muita humilhação!

A comida perdida pela falta de luz... Isso é muita humilhação!

Prometeram tampar os buracos e não vieram... Isso é muita humilhação!

Falta água, mas a conta chega... Isso é muita humilhação!

E assim por diante, num desfiar de problemas.

Isso é muita humilhação e suas variantes: Tô me sentindo humilhado! Até quando vão humilhar a gente assim? 

O que havia de errado? Por que essas frases ditas e repetidas pela mídia à exaustão nos últimos tempos me traziam tanto desconforto? As pessoas, o povo, protagonista de tantas mazelas, estava se sentindo humilhado e, afinal, o que eu poderia fazer?

Mas o desconforto continuava... E o  Isso é muita humilhação! ficava ali ecoando em minha cabeça. Tanto, que fui visitar o Aurélio. Esse mesmo, esse nosso amigo que anda um tanto esquecido em tempos de muito blablablá e pouco significado. Em tempos de pouca semântica e muita retórica.

E aí vejo: Humilhar. (...) 2. vexar; rebaixar; oprimir; abater (...) 3. Referir-se com menosprezo a; tratar desdenhosamente, com soberba (...) 4. Submeter, sujeitar (...)

Finalmente entendi o meu desconforto. Aquelas pessoas, o povo, protagonista de tantas mazelas, estava se sentindo humilhado por aqueles que deveriam lhe servir... Ou representar. Os servidores do estado, os políticos... Ninguém esbravejou e disse: Estou sendo desrespeitado!  Isso é uma falta de respeito! Ninguém.

Aí faria sentido e não me traria desconforto por que, afinal, voltemos a nosso amigo Aurélio, desrespeitar é 1. Faltar ao respeito a, desacatar! (grifo nosso e exclamação também). 2. Perturbar, alterar; desrespeitar a ordem pública.(Um bom exemplo.)

Claro! Se aqueles que nos servem e/ou nos representam não fazem o que devem fazer, nos desacatam. Faltam com o respeito a cada um de nós, o povo, protagonista de tantas mazelas.

E respeito, como nos explica Aurélio, é (...) 2. Reverência, veneração. 3. Obediência, deferência, submissão, acatamento (...) 8. Medo, temor, receio. E sigo com o meu amigo Aurélio, respeitar é 4. Seguir as determinações de; cumprir, observar, acatar: respeitar a lei (Será que isso nos lembra alguma coisa?). Ou ainda, voltando à fonte, respeitar é 3. Tomar em consideração; ter em conta; atender a; considerar: O bom governante respeita os anseios populares... (Que exemplo tão eloquente!)

É isso! Respeito e não humilhação!

Enquanto todos nós, o povo, esse protagonista de tantas mazelas, continuar se sentindo humilhado, irá seguir frágil e subserviente, ou pior, como fera acuada vai sair quebrando o pouco que lhe pertence.

Cidadania é se sentir respeitado. Cidadania é reclamar quando lhe faltam com o respeito... Reclamar com quem? Que até o Papa já foi embora...

Então, como se dizia antigamente, a voz do povo é a voz de Deus e, oprimidos, rebaixados e abatidos repetimos... Isso tudo é muita humilhação!

E assim seguimos nós pelos trilhos da História... Caminhando sobre  os dormentes da estrada... Dormentes e anestesiados... Perdidos pelos trilhos... Equivocadas paralelas que, jamais, se encontrarão no infinito.

Nota: Foto retirada do Google images.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

SEM PALAVRAS


Prenúncio de tempestade e ventania...


Um olhar... O primeiro olhar...


E depois de chuva e frio, uma trégua... A estiagem me convida a iniciar a subida... 



A História se reconta, em voz alta, em cada quina e esquina.


Um beco... Uma viela...


Um canto...


Um recanto...


E no contracanto, o mar... Muito mar.


"Afinal, é uma ilha!"... Explica o professor primário a seus rubros e encapotados pupilos.


Um claustro...


E uma abadia...


Saint Michel...


E escadarias... Degraus... Muitos degraus!


E o céu ficou azul...
E o frio não se rendeu...
Olhei para trás de relance...
Um olhar...
O último olhar...
E a ilha que é convento...
E o monte que é um burgo...
E o museu que é capela...
Tudo me desafiou em pétrea medieva eloquência:
"Você pode me contar?"
E, humilde, sussurrei:
"Sem palavras... Sem palavras"

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

HILDEGARD!


O telefone tocou tarde. Muito tarde. Tarde demais para ser boa notícia.

A cuidadora me avisou: Patricia, liga para os seus primos. Sua tia está no hospital. Parece que está mal... 

Liguei uma, duas e, só na terceira vez, meu primo atendeu. Não fez rodeios. Não havia razão par fazer rodeios... Patricia, mamãe acaba de falecer. O enfarte foi fulminante.

Tarde demais...

Como ela podia fazer isso comigo, se no dia seguinte a gente tinha marcado de almoçar juntas? Jogar conversa fora... Rir muito... Tia Helena também iria, então, uma ia ficar implicando com a outra. E eu lá só olhando... E rindo... E me aconchegando como criança pequena no colo da oportunidade de ter as duas tias juntas.

Há anos, todos os dias, eu ligava para ela e iniciava a conversa com a nossa saudação secreta: Hildergard! Uma brincadeira de minha  adolescência. Um dia decidi que iria chamá-la de Hildegard e ela gostou e virou o nosso mote e segredo. 

Hildegard! Aqui é sua sobrinha mais querida. E ela me contava o que tinha feito. Me falava das aulas que tinha planejado para a creche onde era voluntária. Reclamava da vida. Me dizia que estava com dor no joelho.

Hildegard! Aqui é sua sobrinha mais querida. Tenho que dar uma palestra. Reza por mim. Tenho que fazer uma prova. Reza por mim. 

Hildegard! Aqui é sua sobrinha mais querida. Estou no aeroporto embarcando agora... Para a Bahia. Para São Paulo. Para Londres. Para Roma. Para o mundo. E ela extasiada com a rapidez das viagens. Você está no celular? Incrível! Parece que você está bem pertinho de mim.

Hildegard! Aqui é a sua sobrinha mais querida. Já cheguei de viagem... Então vem a Niterói. Faz tempo que a gente não se vê.

Tempo... Como o tempo passa rápido! Como o tempo passa sem pudor. 

Já fazia dez anos que eu não passava o Natal com ela. Este ano, almoçamos juntas. E teve bolo de amendoim. Receita dela! E ela me deu uma lembrancinha. E ela parecia feliz. E ela parecia tão cansada...

A última vez que a vi, foi na semana passada. Dei um pulinho na casa dela. Um pulinho... Estava sem tempo...

Tempo... Tarde demais...

Alô! Hildegard! Cê pode me ouvir? Cê ainda pode me ouvir? Hildegard! Aqui é a sua sobrinha mais querida. Reza por mim. Que a saudade é grande. E saudade é mais difícil que qualquer defesa de mestrado. Que saudade é morrer as avessas... Hildegard! Reza por mim. E, se ainda houver tempo, sussurra no meu ouvido aquela frase que você falava alto e sorrindo... Juízo! Juízo!

Tempo... Tempo... Tarde demais ... Saudade... 

Ai tia, se você me visse agora. Tão doída. Tão doída. Tenho certeza, você ia dizer: Reza pro Espírito Santo que ele vai te iluminar. Reza pra ele e juízo.

Tempo... Tempo... Tarde demais... Saudade.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

INSTALAÇÃO


Uma aleia milenar. Simétricas ruínas a céu aberto. Pinheiros italianos. Gramíneas e pedras. Uma lata de lixo e uma pinha... Ostia. Itália. Uma primavera guardada a sete chaves em meu coração. 

O olho foi misturando os elementos e ângulos até que descobriu, por acaso, uma instalação. Dessas de arte contemporânea.  Como a maioria delas... Sem título.

Cada vez mais acho que a vida é uma instalação. Uma instalação que tem por suporte qualquer tempo e lugar. Nas mãos de um artista inquieto, vai se moldando ao acaso em um planejamento despojado. Irritantemente despojado.

Pedaços de coisas e eventos e histórias vão se interligando em um quase quebra-cabeças. Em uma tela que vira um tapete. Em uma teia que vira uma aranha. Em uma trama que vira destino.

A vida é instalação de artista jovem e pós-moderno.  Daqueles que negam a História e os ensinamentos dos Mestres.  Daquele que renega letras maiúsculas. 

Em seu eterno aprendizado, em sua arrogância de aprendiz, vai nos moldando a partir de destroços. Despojos. Somos uma reinvenção. Multissensorial reinvenção.

Entramos pelo mundo, como diria Caetano, pelos sete buracos de sua cabeça. Por seus olhos, boca, narinas e orelhas. Chegamos sem avisar.

Nós e nossa vida que é única e tão igual a tantas outras... Noz cheia de dentes deixada sobre uma lata de lixo em uma aleia milenar...  E, entre simétricas ruínas, somos gramíneas e pedras... Somos caminho e primavera... Somos pinheiros mediterrâneos e uma cidade que já não mais é. Um quase museu. Um quebra-cabeças. Um mapa, sem mina. Óstia, um porto sem marés ou navios...

Uma instalação...

E, como tantas, sem título... Sem título.

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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

ESCADAS


E depois de todas as orgias gastronômicas. E depois dos comes e bebes. E depois dos brindes e das uvas e das lentilhas. E, antes de a gente fazer mais pedidos comendo grãozinhos de romã... Há um texto. O primeiro texto do ano.

Olho a tela em branco... Olho as minhas mãos, que deram uma engordadinha, derreadas sobre o teclado do computador e penso: Sobre o que escrever?

2014... Este ano vai pegar fogo aqui no Brasil. Entre pompa e circunstância e feriados e pontos facultativos e dias enforcados e novas manifestações e os últimos preparativos para a Copa do Mundo e o depois da Copa e as campanhas eleitoreiras e as votações e a escolha cívica dos salvadores da pátria... Estaremos nós, tocando em frente. E, se Deus quiser, muito bem.

Todo o início de ano é assim. Uma grande expectativa. Uma escada. Uma escada? É. Uma escada.

A cada um de nós (com uma ajudinha dos deuses) cabe fazer a escolha de subir ou descer seus degraus. 

Descer é sempre mais fácil, que todos os santos ajudam, mas descer dá uma certa sensação de perda e fracasso. Descer, decair, afundar... Tem uns que descem tão rápido que dão com os joelhos no chão!

Subir já é outra coisa. Subir é ascensão. É ir em direção ao espaço. Para cima e para o alto. Progredir! Mas subir pressupõe esforço. Um pé depois do outro, não importa em que ritmo, elevando todo o peso do corpo.  Haja fôlego! Haja fôlego!

Mas, suponhamos, se eu desço para sair. Desço as escadas num salto, cumprimento o porteiro, abro a porta da frente e saio pra vida... Aí descer é fluir e se soltar e se deixar levar por uma manhã de sol. Ir à praia talvez.

E se eu subo uma escada qualquer. Daquelas que não se sabe aonde vai dar e chegando lá encima dou de cara com uma porta fechada... Um trinco, uma tranca e um truque. Aí subir é se prender... Além de perder muito fôlego.

E se a gente fica no meio da escada. Sentada num só degrau, só olhando o povo que vem e que vai. Te pedem licença em suas subidas e descidas, em suas idas e vindas. E você lá, só olhando. Os joelhos quase no queixo. O traseiro ardendo do degrau tão duro... E você lá, paradinha. Se afasta algumas vezes para deixar o fluxo de gente passar... Será que este é um bom lugar?

Portanto, neste primeiro texto do ano, texto espremido entre ceias e romãs, o que eu espero é que todos possamos encontrar nossas direções. Não importa se para cima ou para baixo. Que caminho certo é aquele traçado na palma do coração.

E que tenhamos fôlego, muito fôlego para seguir na escada... E, de vez em quando, poder dar uma paradinha para tomar um ar e ver os outros seguindo em seus próprios e intransferíveis caminhos.

Que tenhamos muito fôlego...

Ah, e algo muito importante! Que a gente nunca esqueça que as escadas trazem com elas, normalmente, algum tipo de corrimão onde podemos apoiar nossos pesos e nossas dúvidas. E por onde, às vezes, podemos escorregar como moleques só para experimentar, por um momento que seja, a sensação de fazer estripulias... A sensação de se soltar. Ainda que depois tenhamos de subir tudinho novamente.

As escadas são objetos muito misteriosos... Muito misteriosos. Há um quê de vida em seus degraus.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)