sexta-feira, 29 de abril de 2011

UMA TARDE EM KEW GARDENS


Está certo. Tenho que admitir. Fui contaminada pela efeméride matrimonial. Busquei uma certa distância, mas, na véspera do enlace, a Grã-Bretanha se fez por demais presente e não pude escapar.

Mas não quero falar de Will & Kate. Outros, muitos, falarão por mim. Quero é contar uma outra estória que aconteceu já faz algum tempo.

O cenário, o mesmo, o Reino Unido, mas nada de pompa e circunstância. Apenas uma tarde. Apenas um encontro. Outra coisa em comum... Éramos também um casal.

Nossa primeira viagem e não é que foi justo para a Inglaterra. Silvio foi fazer um curso em Oxford e eu aproveitei o tempinho de férias para me encontrar com ele lá. (Como esses tempinhos de férias eram esperados!)

Nos encontramos em Londres, o curso dele já tinha acabado, e eu pude perambular com ele por lugares por mim tão conhecidos, mas com ele, tudo ganhava um outro sabor. Namorávamos.

E não ficamos só na capital não, eu tinha muito que mostrar para ele. Cidades, museus, parques, lojas, musicais, pubs, metrô... Como era bom poder caminhar por Southbank de mãos dadas.

A cada dia, eu revia um lugar com outros olhos, com um novo olhar.

Ele me olhava e dizia... Caramba, você conhece tudo! E eu sorria orgulhosa. (Coisas de leonina.)

Você já foi a Kew Gardens? Meu sorriso se desfez em um rápido comentário. Nunca fui. Nunca tive oportunidade. (Ai esses geminianos!!!! Sempre inventando coisas.)

Então, tomamos o metrô e, depois de algum tempo e muitas estações, chegamos a Kew Gardens. A manhã acinzentada dava indícios de chuva forte. Mas quem se importava? O lugar era lindo. Estávamos em muito boa companhia e havia muito para ver. Flores, árvores, gramados infinitos e a estufa... The Greenhouse... The huuuugeee greenhouse!

Nos perdemos e nos deliciamos entre plantas tropicais. As vitórias régias foram um momento especial. O calor úmido dos trópicos em plena Inglaterra. Mas quando saímos da estufa, o céu de chumbo indicava a vinda de tormentas caribenhas. Correr para onde? E a chuva caiu... Correr para qualquer lugar.

E na busca por um abrigo, nos encontramos, de repente, em uma dessas deliciosas cafeterias, mais que isso, uma casinha de chá, tipicamente inglesa. Penumbra e cortinas de renda nas janelas. Mesas com toalhas brancas de linho e já adornadas com potinhos de geléia e mel. Além de um vasinho de flor, dessas flores coloridas e pequeninas que se espalham pelos jardins ingleses.

Ainda secando os casacos, pedimos chá, torradas e mais muffins e scones. (Adoro scones!)

E ficamos ali...

A chuva batia forte nas janelinhas. Acho que alguém acendeu a lareira. O chá chegou rápido acompanhado das guloseimas e de um sorriso gentil da garçonete. (Quite cozy!) 

Ficamos ali... Naquela tarde, tínhamos todo o tempo do mundo.

Já nos conhecíamos há algum tempo, mas foi naquela tarde que, pela primeira vez, falamos realmente de nós. Fomos verdadeiramente nos apresentando e nos conhecendo entre golinhos de chá, bolinhos e torradas cobertas de marmalade

Fomos compartilhando nossas lembranças e afetos, sonhos e medos, desejos e memórias. Uma viagem por dentro de outra viagem.

Às vezes, ousávamos até a rir um pouco mais alto quando lembrávamos de algo engraçado. E, nessas horas, os outros poucos clientes nos olhavam de soslaio... britanicamente.

E o tempo foi passando ao sabor da nossa conversa.

A chuva foi embora com a tarde e, me lembro,  que enquanto me arrumava para sair pensei... Um dia vou escrever sobre esta tarde.

Antes de sairmos, decidi comprar dois mugs floridos como recordação daquele encontro. (Não encontrei nenhum na lojinha que tivesse nossas fotos decalcadas!)

Então, em nosso anonimato de plebeus, vestimos os casacos, nos demos as mãos e seguimos rumo à estação.

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sexta-feira, 22 de abril de 2011

LUA


Final de dia. A tarde quente era um quase noite. Barulho de crianças saindo da escola. Movimento de carros e de ônibus. Buzinas. E como é que dava para ouvir uns passarinhos cantando? (Acho que foi pura imaginação.) 

Mais um dia terminando no inicio do outono.

O telefone tocou e a conversa começou sem preâmbulos. Conversa com amiga querida é assim. Os assuntos brotando. Uma estória entrando por dentro da outra. Me conta? Tudo bem? (E ainda dizem que isso é jogar conversa fora!)

De repente meu olho bateu no viés entre o teto da varanda, a igreja e o céu. E lá estava ela. Ainda tímida. Sorrateira, me olhava. (Queria participar da conversa?) Parecia uma menina nova na escola, querendo se enturmar. Fazer parte do papo, da simplicidade daquele momento que, por si só, já era pleno.


Mas com o passar do tempo eu comecei a não dar conta. Não concentrava na conversa. A menina tímida foi se impondo. Se mostrando. Dizendo aos poucos pra que veio.



Falava a língua da Lua que é feita de silêncio e luminescência. Sussurrava sua presença.


Não pediu permissão para brincar comigo. (Avisei minha amiga que ia desligar para fotografar a Lua.) Agora, era só eu e ela.

Não pediu permissão para brincar comigo... brincou. Deu as cartas. Me fez parte de seu jogo.


Em parceria, entrou o céu. Não... a cor do céu. Um azul limpo e transparente que escurecia ao sabor do tempo.

Cair da tarde? Que nada. Um levante de beleza. Uma revolução. 




Respirei fundo... (Eu sempre respiro fundo.)... E mergulhei a alma na silhueta do momento.

Era bom estar ali. 

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sexta-feira, 15 de abril de 2011

UM LUGAR NO CANADÁ


Eu ainda trabalhava na filial Santa Rosa. Meus dias eram sempre corridos e os finais de semana ainda mais. De segunda a sexta, a rotina das aulas e da coordenação e, nos finais de semana, ida para Salvador. Aí, eu virava dona de casa, turista, cuidava das plantas e do apartamento, dançava até tarde, caminhava do Jardim de Alá até o clube Bahia, ia a praia do Flamengo, tomava sorvete de tapioca na Ribeira e passava muitas tardes com Silvio, os dois de papo pro ar, ouvindo ao longe uma mistura de música e a narração de um BAVI.

Foi no final de maio que Silvio me falou da viagem. Dava para eu ir também. Eu tinha férias e era só por quinze dias.

Canadá... Canadá!!!

Era um sonho antigo meu. Um de meus objetos de desejo.

Silvio teria um congresso em Calgary e, com um bom plano de viagem, daria para a gente visitar a costa leste, Montreal e Quebec e depois da parada obrigatória em Calgary, ainda teriamos tempo de ir a Vancouver. (Tudo de bom!).

Não fazia muito tempo que Cida tinha visitado o país e suas dicas foram fundamentais. Entre elas... Não deixe de ir a Lake Louise, em Banff, perto de Calgary.

Depois de nos deliciarmos com o lado francês do país, chegamos a Calgary em meio a um grande aparato policial. A principio, não sabiamos o que estava acontecendo, e só aos poucos fomos entendendo que toda a confusão era por nossa causa. Ou melhor, a força policial estava de prontidão por causa do congresso. Coisa referente a petróleo sempre envolve manifestantes do Green Peace, altos executivos internacionais, gente de diferentes governos, mais manifestantes, alguns xeiques árabes e ... nós.

A programação era dividida entre palestras, mesas redondas e workshops para os que iriam trabalhar. E passeios, almoços e diversão leve para os acompanhantes. (Ufa! Alguém tem que fazer o trabalho pesado!). Ambos os grupos, no entanto, cercados de muita segurança. Confesso que consegui fugir duas vezes do cerco policial. Na primeira, visitei algumas ruas perto do hotel, onde encontrei pela primeira vez aquelas vacas coloridas que ficam em exposição em diferentes cidades e, na segunda, quase congelei em pleno verão canadense.

Na programação que nos deram estava incluída uma visita a Lake Louise. (Lembrei das palavras de Cida... Imperdivel!)

Saímos cedo. Só a estrada já valia o passeio. E, quase na hora do almoço, chegamos ao lugar. Na verdade, me desculpem o gerundismo, mas fomos chegando ao lago. Aos poucos, a estrada foi se estreitando, o ônibus diminuindo a velocidade, a vegetação se adensando... De repente uma curva... E lá estava o hotel, o lago, o parque ... A vista!

Saí do ônibus. Respirei fundo. À minha frente, o lago era de um verde intenso. Havia um silêncio... Uma brisa... Ainda um pouco de neve no chão... Um sol morno acariciava minhas costas. E, então, entreguei meu olhar à paisagem.

Respirei fundo... O verde do lago ia virando um verde escuro nas montanhas que, de repente, num susto, virava um branco glacial. Eram dois mundos. Uma superposição de beleza. Havia um silêncio... E eu. E aquela imagem. Dois mundos.

Meus pais tinham morrido havia pouco tempo e a sensação que eu tive era como se eles estivessem lá, naquele outro lado. No lado branco da cena. Era como se, com esforço, esticando os braços o mais que eu pudesse... Muito... Talvez dobrando um pouco a coluna, eu tivesse condição de abraçá-los, por um segundo que fosse.

Fiquei ali parada. Não sei por quanto tempo. Me peguei rezando baixinho. Aquela reza que a gente aprende no catecismo... Ave Maria! Cheia de graça...

Um Patricia! me tirou daquele torpor. Quer que eu tire uma foto sua junto ao lago? Era uma gaúcha, esposa de um executivo da Petrobrás, que também estava na excursão. Quer? Eu tiro uma foto.

Como em um reflexo condicionado, sorri e lhe entreguei a câmera. E sorri para a foto.

Ficou ótima! Ela me disse, empolgada. E, baixinho, respondi... Amém!



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sexta-feira, 8 de abril de 2011

UM MINUTO DE SILÊNCIO


Quinta-feira, 7 de abril de 2011. O dia amanheceu bonito, com aquela luz branca característica dos dias de outono.

Foi logo cedo que veio a notícia. Muitos tiros! Uma escola! Realengo! Mães e pais em desespero!

Ao longo da manhã. Um rosto jovem! Muitos tiros!  Entrevistas! Depoimentos! Muito sangue! Desespero!

Professores! Alunos! Vizinhos! Herois! Sangue! Muito sangue! Tiros! Muitos tiros! Mais entrevistas! Reconhecimento! O criminoso! A loucura! Desespero!

Inicio da tarde. Luto oficial! Reconhecimento de corpos! Alunos! Professores! Perplexidade...

Especialistas tentam explicar o inexplicável. (Algo inevitável?) Por quê? Porque...

Tudo em minutos. Tudo tão rápido! Tão rápido!

Um minuto de silêncio...

Silêncio.

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sexta-feira, 1 de abril de 2011

TORRADINHAS


31 de março de 2011. Como o tempo pôde passar tão rápido?!

Fui passando devagar a geléia na torrada. Era cedinho. Sou chegada a acordar bem cedo e, como meu pai, adoro preparar o café da manhã. Neste ponto, sou Blower até a raíz do cabelo. Madrugadora e comilona.

De repente a cena se fez por inteiro, sem retoques. Em cheio, cai na copa da casa de vovó. Espaço grande, como em toda casa antiga. Paredes claras, mesa de madeira escura. Era de tarde. Era sempre de tarde.

Um certo burburinho na cozinha indicava que vinha para a mesa café fresquinho. Café de lanche, bem ralinho. Desses que a gente toma em xícara grande e com bolo de fubá.

Enquanto, naquelas tardes, eu adolescia, vovó, à minha frente, preparava torradinhas e me falava de vida.

Tem ciência para fazer as torradinhas. Tá vendo? Pra tudo tem ciência... Tem que cortar bem fininha.

A faca de pão tão antiga fatiava o pão dormido. Sobras de bisnagas fumegantes e branquinhas. O pão fatiado ia caindo sobre uma táboa de madeira pequenina, arranhada e gasta pelo tempo. Entre farelo de pão, a voz de vovó sentenciava...

O corte não é o mais importante. A ciência está na temperatura do forno. A torrada não pode ficar queimada. Tem que ficar crocante, mas branquinha. É isso que dá o gosto especial. 

Deixa eu fazer... Eu implorava com meu jeito sempre ansioso de ser. Deixa eu fazer!

Não, não... Viu? Foi rápida demais e cortou muito grossa. Tem que ter ritmo e paciência... É como a vida.

Entre histórias e farelos e alguma crítica fui adolescendo.

Você tem que se arrumar melhor. Está uma mocinha agora. Tem que ser mais vaidosa.

(Mas o que ela não entendia, era que eu não queria ser mais mocinha... Queria ser poeta e mudar o mundo. Queria viajar.)

Vó? Como você conheceu vovô Daddy? (Acho que já expliquei em um texto chamado UMA FOTO ANTIGA porque todos os netos o chamavam de vovô papai.)

Então, em frases entrecortadas pela lembrança, ela me contava. Era meu vizinho... Era quatorze anos mais velho que eu... Muito compenetrado... Todo dia passava e me comprimentava... Henry era muito bonito... Eu ficava paquerando... Até que começamos a namorar... Depois ele ficou muito impetuoso...

E eu ficava imaginando como é que um avô pode ser impetuoso. Avô é avô, né?

E falava das festas, dos bailes e dos olhos azúis de vovô. 

(Aqui entre nós, ele devia ser mesmo muito impetuoso... Sete filhos... Uma escadinha... Mas vovó não ficava pra trás também não...)

Sabe, se eu fosse jovem agora eu queria era dar muito beijo de novela... (E com as mãos nos lábios simulava um chupão desavergonhado.) Na minha época era tudo muito comportado. Uma chatura. Muito sem graça.

Pegava com cuidado uma torradinha saida do forno e me advertia... Cuidado pra não se queimar.

Era prazeroso ver a manteiga derretendo e sumindo nos poros do pão. Cheirava bom. Pra complementar, um golinho de café. 

E, aos poucos, as tardes iam virando noite e era hora de ir embora. Até que um dia, as tardes deixaram de existir. Um dia, virei gente grande e vovó não estava mais lá. Nem a casa existia mais.

Só sobraram as torradinhas... Bem, nem elas, porque nunca consegui fazê-las tão crocantes e nem tão branquinhas. Só ficou, perdido na língua, como coisa que ficou por dizer, aquele sabor... 

Fui passando devagar a geléia na torrada... Como o tempo pôde passar tão rápido!

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)