sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

CASA NOVA, COISAS NOVAS


Quando dei por mim, estava sentada no chão, olhando para a porta do forno com um olhar vazio e suplicante como o daquelas pessoas que, em peregrinação, se reúnem para ver um OVNI, uma imagem sagrada ou mesmo Deus (em carne e osso?). Na mão esquerda, agora tombada pelo cansaço, o manual de instruções do fogão. 

Eu, a pessoa mais cinestésica que conheço, vencida pela modernidade. Sou do tipo de gente que compra um  eletrodoméstico, chega em casa, o retira da caixa, pluga o bicho na primeira tomada e começa a apertar todos os botões até que ele funcione satisfatoriamente. Sei que com isto perco mil e uma gracinhas que estas máquinas pós-modernas podem fazer. (Até hoje não sei como tirar fotografias com aquele timer que permite que o fotógrafo saia também na foto), mas sobrevivo. Pelo menos até agora.

Há um tempão Silvio queria comer um franguinho assado. Aguava quando falava no assunto. Eu já estava achando ele com cara de Dom João VI. Então, tomei coragem, comprei o frango (já limpo, higienizado, congelado, prontinho para encarar o fogo), chequei nos antigos alfarrábios maternos como se faz um frango assado, preparei os temperos (como não tinha limão, decidi dar um banho de tequila na ave) e me preparei para a ação. Foi aí que a coisa pegou...

Enquanto estava no México, deixei uma arquiteta para arrumar o apartamento para a nossa chegada e ela, sabendo que Silvio é gaúcho, me sugeriu que comprássemos um fogão que também faz churrasco. Achei a idéia ótima e soltei a imaginação.

O meu super fogão seria quase um Porcão portátil. Miraculosamente, saltariam dele picanhas fatiadas, salmão grelhado com molho de laranja, coraçõezinhos crocantes, um aipinzinho frito e até, quem sabe, um sushizinho de quebra. Seria um fogão Harry Potter para ninguém botar defeito. Mas... quando cheguei, levei três dias só para entender como ligava suas bocas de fogo. (Agora, está OK. Viro o botão e a chama surge. Só tem uma boca que ainda me traz problemas, pois o usuário tem que ficar segurando o botão por uns quinze segundos até que a chama fique ligada. Vocês entendem, questão de segurança... Está escrito no manual!).

E agora, lá estava eu, sentada no chão, tentando entender o forno. Afinal, o franguinho assado seria feito no espeto que faz parte do kit. Como uma analista lacaniana, observava em silencio respeitoso aquela porta que, fechada, indicava um enigma. (Persevere, Patricia, você tem tempo. Na verdade o dia todo. Hoje o frango assado no espeto sai de qualquer jeito!). 

Comecei com boa vontade, como se fosse ler o mais novo romance de Isabel Allende, mas com o virar das páginas, ilustrações e texto foram me vencendo. Até porque muitas vezes umas não falavam com as outras. Não resisto  a fazer uma pequena citação... Vicio de tempos acadêmicos:

"Atenção! Caso os botões das funções e/ou temperaturas não sejam movidos na posição desligado "O" o forno continuará funcionando na função e temperatura selecionadas."

Em suma, se você não desligar o forno, ele continuará funcionando!!!! Pelo menos foi isso que eu entendi.

Perdida em redundâncias e aridez textual, cheguei a um impasse. Para assar o meu franguinho que já estava devidamente embriagado de tequila e acompanhado de rodelas de cebolas e ervas finas, eu teria de desvirginar o forno.

O manual indicava um ritual místico para iniciados. Eu teria de ligar o forno na temperatura máxima por quarenta minutos até que todos os vapores e cheiros de óleo, graxa e sei lá mais quê saíssem. E, importante, a ventoinha teria de ligar automaticamente, caso contrário eu deveria contatar imediatamente a assistência técnica. Hesitei... E se a ventoinha não liga e o treco explode? 

Como uma sacerdotisa que eleva a adaga para cravar o coração da virgem a ser sacrificada, fui virando o botão bem devagar. Mãos trêmulas, respiração entrecortada. Aos poucos, um ventinho quente começou a sair por cima da porta do forno direto nos meus olhos... A ventoinha tinha ligado. (O frango ia sair!!! Exultei!)

Fui me levantando aos poucos, como evitando quebrar um momento mágico. E, quando cheguei na sala, descobri que todos os cômodos da casa tinham sido invadidos por um cheiro insuportável de óleo queimado. Se ainda fosse incenso... O ritual se cumpria. Agora era só esperar. Depois de quarenta minutos, tudo iria estar bem e eu poderia enfiar o frango no espeto e assá-lo. (Tudo por amor a Silvio!)

Os quarenta minutos se passaram e o cheiro continuava o mesmo. (Teria a virgem um hímen complacente?). Voltei ao manual... Silêncio. Será que tem um volume dois, só para iniciados? Devo buscá-lo na Amazon? Decidi fazer o que indicava o desespero. Fazer tudo de novo. O cheiro tinha que passar.

Mais de duas horas depois de começar o PFANE, isto é, projeto frango assado no espeto (também sou moderna e sei criar siglas!), olhei para a vasilha com a ave bêbada... Perscrutei as cebolas... Tudo meio esverdeado pela ação das ervas finas... E... decidi. Enfiei tudo em uma panela. Liguei uma das bocas do fogão (Não aquela que demora) e fiz um franguinho de panela.

À noite, depois de servir o jantar, perguntei se Silvio tinha gostado. Ele sorriu com carinho. Disse que estava tudo muito bom, mas... bem que o frango podia ser assadinho.

Aí enfraquece a relação!!!!

PS: Indico a leitura do primeiro comentário, de Valeria G. Definitivamente complementa o texto.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

UM OLHAR ESTRANGEIRO


No Aterro do Flamengo há uma curva, na altura do Morro da Viúva, perto do Monumento a Estácio de Sá, onde imagens se encontram. Fez a curva e, a sua frente, o Cristo se apresenta sem pudores. Virou um pouco o olhar para um lado e lá está o Pão de Açucar... inteirinho. Se abaixar a vista, é a Urca, branquinha, que se mostra. E, se olhar para trás, ao longe, entre mar e uma certa bruma, está Niterói. Enfim, ali mora a beleza. Um conluio de cartões postais.

Desde adolescente, sempre me encantei com este lugar e, desde essa época, pensava como seria ver este ponto pela primeira vez. Me perguntava como um turista, um estrangeiro, veria a paisagem, porque, para mim, ela sempre esteve lá, como que a disposição.

Teve uma vez que experimentei, por osmose, este encantamento primordial. Foi quando Carla, a sobrinha do sul, veio me visitar e, justamente quando fez a curva, exclamou um prolongado: Tiiiiiiiiiaaa!!!! Não disse mais nada. Não precisava dizer.

No inicio desta semana, Silvio me convenceu a levá-lo ao aeroporto Santos Dumont bem cedinho. Tinha que pegar um avião para São Paulo... mais uma das muitas reuniões. Quando saimos de casa, constatei que era dia de casamento de viúva. Chuva ralinha e sol. Céu azulando no amanhecer. Descemos a Praia de Botafogo até o primeiro retorno para pegar o Aterro, justamente ali, na minha curva. Numa manobra rápida cai no Aterro e dei de cara com o Cristo. O Cristo e, bem a sua direita, vertical, como cajado, lança, cetro, ia se derramando um imenso arco íris. Pleno. 

Eu nunca tinha visto nada igual. Nem nos melhores momentos do Ávila. Como uma estrangeira, bem turista, gringa mesmo, me embeveci. Silvio e eu emudecemos diante da beleza da cena. Mas era manhã de surpresas e, até chegarmos ao aeroporto,  continuamos esbarrando em um monte de arcos íris que iam riscando o céu. Eu nunca tinha visto nada igual!

Engraçado, quando estava fora, tinha sempre uma câmera comigo para registrar momentos inesperados, mas aqui não. Eu, estrangeira por aqui? Nem pensar. Então, não preciso de máquinas fotográficas. Tudo já é conhecido... Perdi a oportunidade de registrar a indizivel beleza do acaso.

Acho que a gente faz isto muitas vezes na vida. Em nossa rotina, quantas vezes não deixamos de registrar inesperados momentos de beleza, as surpresas do dia a dia. Um carinho, um sorriso, uma boa gargalhada. Passa tudo batido, como paisagem já vista.

Por via das dúvidas, de agora em diante, vou sair sempre com uma câmera na bolsa e os olhos e o coração bem abertos... E uma alma estrangeira, de camisa florida, atenta a surpresas e encantamentos... Esses eventuais postais da vida. 


Nota: Como não pude fotografar o momento, para ilustrar o texto, busquei no Google a imagem mais adequada. Fiquei encantada com este quadro de Beth Gama (http://www.bethgama.ch). Um arco íris entranhado na montanha.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

ÁGUAS PASSADAS



Eu tinha outros planos para o texto de hoje, mas não dá para escrever sobre outra coisa: Choveu... Muito!

E muitos já falaram das chuvas... Ainda estão falando.

Os meios de comunicação me informam sobre a lama, a dor, a cabeça d'agua, o grito não dado, a falta de acesso, os helicópteros, o governo, o lixo, o medo, o socorro, a impotência.

Choveu na serra e ainda não se sabe o número de mortos. Nem o número de vivos de alma quebrada. Nem o número de casas que deixaram de estar lá.

Choveu democraticamente.

A mão molhada do destino e da tragédia não discriminou ninguém. Todas as raças, credos, identidades sexuais. Ricos e pobres... (mas por que sempre mais os pobres?) participando do caos.

Choveu... Ainda chove!

Como sempre... sempre... sempre... o ano começa com as águas lavando o passado, sujando o presente... o futuro, a Deus pertence!

E quando as águas baixarem... E quando levarem a lama... E quando enterrarem os mortos... E quando lavarem as feridas...
Voltaremos às praias, ao chopp, ao sol!

Mas há que se ter cuidado!

 Muito cuidado!

E nunca esquecer de usar um bom filtro solar!

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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

ENTÃO É NATAL... NOVAMENTE????!!!!!


Acho que já ficou claro que não gosto de Natal. Correrias, obrigação de presentes e presença, muita culpa após os banquetes. A figura rotunda e vermelha de Papai Noel (ai, que calor!). Pinheirinhos e neve a 40 graus à sombra. É... Está claro... Não gosto de Natal.

Então, todos os anos, cumpro o dever de passar pela data. Alugo um sorriso e vou em frente. O que me mandarem fazer eu faço e rezo para que logo chegue o dia 9 de janeiro, data cabalística, inventada por mim. Dia internacional da certeza de que, finalmente, a efeméride acabou.

Este ano, como sempre, passei o Natal em Porto Alegre, mas diversificamos um pouco e, no dia 28, fomos para Passo Fundo conhecer um sobrinho neto (Silvio só o considera sobrinho), filho de Carla e Fábio, queridos afilhados.

 
Nós dois e meus sogros ficamos em um hotel pertinho da casa de Carla e foi lá, no quarto dos bisos, que eu encontrei o Guilherme.

O telefone tocou e nos chamaram. Entrei no quarto, espaço planejado para um casal, e a familia inteira estava lá. Nove pessoas, às escondidas, invadiram o hotel. Umas sentadas nas duas únicas cadeiras, algumas na pontinha da cama e outras escarrapachadas no chão. Era uma cena de transgreção e aconchego.

No centro da cama, como rei e senhor, cercado dos presentes que havia acabado de ganhar, estava o Gui. Pleno, do alto de seus cinco meses, ressonava.

Enquanto os outros conversavam e brindavam com as poucas bebidas do frigobar, fiquei olhando a cena. Havia uma alegria natural. Estávamos ali por causa daquele bebê que havia chegado. Trouxemos presentes para saudá-lo. Presentes verdadeiros.

Quando ele acordou e deu o ar de sua graça foi a festa. Não estranhou ninguém. Não choramingou. Nada. Entrou no clima e todos queriam pegá-lo no colo. Todos queríamos celebrá-lo. Vida chegada... Que seja muito feliz!!!

Lembrei de minha mãe, que nunca celebrava o Natal para evitar saudades passadas e futuras. Ela dizia que Natal era só para as crianças. Quando a gente vira adulto, acaba. Deixamos de acreditar em Papai Noel e em muitas outras coisas. Deixamos de acreditar.

Naquela noite, naquele hotel no interior do Rio Grande do Sul, a festa se fez porque ali havia uma criança com sua inocência essencial... bíblica.

De repente olhei pela janela e vi uma estrela perdida na noite, como em um imenso deserto. Então entendi e me aplaquei. Era Natal novamente. Ou, pela primeira vez em muito tempo, era novamente Natal.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)