quarta-feira, 22 de outubro de 2008

JO HABLO PORTUNHOL!!!!!


Quando cheguei a Caracas, como boa brasileira, achava que falava um portunhol de altíssima qualidade. Afinal, espanhol e português, é uma questão de empatia ou de que time de futebol está jogando com a seleção brasileira.



Qual não foi minha surpresa e decepção quando descobri as agruras de se ser muda e surda. Apesar de todos os meus esforços, quando havia alguma comunicação, sempre muito precária, me perguntavam se eu era americana ou canadense. A resposta vinha rápida e angustiada: "No, No , no soy gringa!!! Soy Brasilena!!". Eles amam o Brasil, mas não conseguem entender nosso portunhol, pelo menos o meu era um fracasso.


Foi aí que conheci Jonathan... e também aprendi a prender la luz e a comprar enchufes!!!Depois de lerem o texto, tenho certeza, entenderão a foto.


JONATHAN, MÃOS SUJAS
(Caracas, Abril 2007)

Começar vida nova em um novo país. Chegar pela primeira vez à casa nova por volta da uma hora da manhã como oito malas, tendo começado a viagem doze horas antes. Niterói/Rio, passar pela ponte dizendo até logo para as duas cidades que me formaram, em que cresci e onde, ao longo dos anos, fui me descobrindo como pessoa. Depois São Paulo, Congonhas, Guarulhos, aeroporto Simon Bolivar, quase Caracas. Enfrentar uma grande cola por causa do feriado e de todos os caraquenhos que desceram para a praia. Chegar à cidade. Chegar ao apartamento. Ansiedade! Emoção! E um grande curto circuito no calentador que comprometeu parte da cozinha e todos os banheiros. Banho frio!
Por ser muito tarde, o banho foi mesmo frio, e a promessa de acordar e pedir apoio a Yanette, a conserje, era o que nos acalentava e aquecia. Mas o dia seguinte era Sábado de Aleluia, vacaciones! E ninguém trabalha. Menos ainda na Páscoa. Mesmo que a emergência seja grande. Um banho frio! Em todos os sentidos.
Como não há mal que sempre dure... a segunda-feira chegou, trazendo com ela Jonathan, el electricista. Era um rapaz franzino, mulato, de seus 22 anos. Apesar de ser da companhia de energia elétrica, não usava uniforme. Calças jeans, camiseta, tênis e um capacete como os usados pelos soldados nazistas na 2ª Guerra. "Buenos dias, senhora Patrícia. Soy Jonathan." "Buenos dias, Jonathan. Puede entrar", disse eu em bom portunhol.
Depositei nas mãos de Jonathan os meus futuros banhos quentes, relaxantes, revigorantes. As mãos de Jonathan...
Como não há bem que nunca se acabe ... as mãos de Jonathan eram as mãos mais sujas que eu já havia visto em toda a minha vida. Uma mistura complexa de graxa, muita fita isolante e o que mais se possa pensar que produza um tom negro absoluto, viscoso.
Tão logo Jonathan entrou na sala, percebi que tinha uma característica típica das pessoas que trabalham neste tipo de serviço. Uma característica universal, a meu ver. Encostava-se nas paredes. Minhas paredes brancas, novas, virgens.
Tive ímpetos de pedir para que parasse de se arrastar pelas paredes e fosse lavar as mãos, mas nem os meus dez anos de análise me possibilitaram tal gesto. Em que registro se pede para que o electricista, tão aguardado, pare tudo e vá lavar as mãos. Como se fala isso em bom espanhol, sem parecer uma criança de três anos, balbuciando pápá, mãmã, socuero! Jonathan, bá lavar sus manzitas, seu porquito!!!! E se fosse o registro errado? A pronúncia errada? E se ele, ofendido, partisse? Agüentei firme.
Ele, mãos sujas. Eu, mãos trêmulas.
O curto se mostrou mais grave do que parecia a principio, o que obrigou nosso especialista a passar por todos os cômodos da casa, deixando sua indelével marca por onde passava.
Eu começava quase a gostar das intervenções abstratas que iam surgindo nas paredes. Retas, sinuosas, obliquas... sempre negras. Pensava em Miró, em Kandinsky.
Jonathan me tirou de meu devaneio. Não dava para consertar. Tinha de sair e comprar novos enchufes, que descobri serem tomadas (e ainda por cima no masculino!), depois de muita mímica, de muita contorção das mãos imundas. Macho y hembra. Quanto devem custar tomadas macho e fêmea em Bolívares? Será que eu tenho dinheiro?
Depois de alguns cálculos, despediu-se deixando uma suave marca no hall de entrada... seu polegar esquerdo.
Voltou umas duas horas depois. Trazia todas as peças e a factura. Em menos de meia hora estava tudo resolvido.
Jonathan despediu-se com um aceno de cabeça. Ainda bem que não quis apertar minhas mãos! Deixou comigo o seu telefone, caso eu precisasse de algo.
Finalmente eu tinha água quente em casa. Nos banheiros e na cozinha. E foi com a água quente da cozinha e com MAS – Multiuso Limpia Todo- Espuma que rinde más! Que eu consegui limpar grande parte da sujeira das paredes.

Às vezes penso em Jonathan. Era jovem, solícito e tinha uma certa alegria ingênua no olhar. Podia ser meu filho. Mas se fosse ... Ah! Eu ia mandar ele lavar as mãos!






segunda-feira, 20 de outubro de 2008

ABRIL 2007 - ACABEI DE CHEGAR




Cheguei a Caracas em abril de 2007. Não tinha idéia do que ia me acontecer, mas já estava apaixonada pelo Ávila, a minha montanha mágica.

Tinha pensado em fazer um blog e o primeiro texto que fiz para abrir este blog, que só começa a funcionar quase 2 anos depois, foi justamente:


À VISTA DEL ÁVILA



(Caracas, abril de 2007)

O consultor era pálido e flácido, tinha o cabelo ralo e liso penteado para trás. Parecia um daqueles mágicos de circo de cidade do interior que sempre tira uma pomba encardida da cartola surrada. Vinha acompanhado por uma consultora Junior, baixote, mas com uma certa pose, e não fosse o terninho característico das consultoras, estivesse ela vestida em paetês verdes, certamente o consultor a teria serrado ao meio. Como um bom consultor, discorria longamente, com a segurança de quem não entende bem de nada, sobre a estrutura organizacional da empresa.
Foi nesta reunião em que pela primeira vez ansiei pela vista Del Ávilla.
Havia estado em Caracas alguns meses antes em preparativos para acompanhar Silvio em sua transferência para a Venezuela. Foi quando vi, plena, a silhueta da Cordilheira Del Ávilla, quase de relance, em uma rápida visita a um apartamento que estava para alugar. Em minutos me apaixonei por aquela paisagem.
Eu, nascida no Rio de Janeiro, criada em Niterói. Eu, que havia passado os meus quase cinqüenta anos de existência cercada pelo mar, estava enfeitiçada por aquele maciço de pedra que, em poucos minutos, era capaz de se metamorfosear em diferentes cores e texturas. Pedra, não pedra. Mimetismo com as nuvens. Meu impasse e meu desafio.
O consultor continuava a falar, de forma pausada e sem nenhuma paixão, como condiz aos sábios. E eu lá, vestida de Diretora, a pensar em minha vida. Por vinte e nove anos trabalhei no mesmo lugar. Sou de uma geração pré-revolução-japonesa-na-administração-das-empresas, pré-MBAs, pré-RHs estratégicos. Estava absolutamente exaurida. Cansada de fórmulas e de ler a vida e as realizações em planilhas de Excel. Um mundo feito de resultados e eu às voltas com dez anos de análise Lacaniana. Puro processo. Aquela sentada à mesa de reunião não era eu. Eu tinha outros sonhos, via a vida e o trabalho com outros olhos. Discordava. Pedra, não pedra. Mimetismo com as nuvens. Meu impasse, meu desafio.
Acredito que o consultor tenha continuado a falar ...


Cheguei a Caracas em uma 6ª feira da Paixão. Quase de madrugada. Trazia comigo oito malas. O que me foi possível trazer de avião. Ainda não sei se era meu espólio. Era o que dava para levar. Entramos pela porta dos fundos do apartamento. Silvio queria fazer suspense. Foi me mostrando cada peça: habitación principal, banhos, habitación de huespedes, sala de la família, cocina, até chegarmos à sala de estar e ao balcón. A minha frente, parte da cidade e a Cordilheira Del Ávilla. Negra, escondia-se na escuridão. Não se mostrou para mim naquela noite.
Sábado de Aleluia, bem cedo. Saí da cama pé ante pé para não acordar Silvio. Queria me encontrar com o Ávilla sozinha. Afinal, havia repetido tantas vezes, para tantas pessoas, que a vinda para Caracas não era por causa de Silvio, era uma viagem minha, própria, individual e intransferível. Era vencer meu impasse pessoal, enfrentar novos desafios. Encontrar comigo mesma e, se possível, retomar sonhos e projetos que haviam ficado trás, por trás de muito trabalho e de uma rotina insípida, cansativa e sem nenhuma perspectiva de mudança.
O céu fechado, cinza chumbo, não me deixava ver sequer a cidade, quanto mais a montanha. O Ávilla, tímido ou irreverente, não se mostrava. A paisagem era gris.
O sábado passou em se desfazer as malas, entender onde se estava, tentar comprar pequenas coisas para a casa, comer com amigos. Quando cheguei em casa, já passava das nove horas da noite e a paisagem do balcón era a mesma da noite anterior, uma parte da cidade iluminada e a Cordilheira envolta em silêncio. Escuridão.
Acordamos tarde no domingo de Páscoa. Tinha sido a viagem, o sábado corrido, a possibilidade de podermos dormir juntos, finalmente, de mãos dadas. Tudo fez com que a Páscoa começasse para nós quase na hora do almoço. E, então, não foi preciso sequer chegar ao balcón. Era dia de sol forte, céu azul, brisa como nas melhores tardes da Bahia. E lá estava, plena, como eu a havia visto de relance há tantos meses antes, a Cordilheira Del Ávilla. Diferentes cores. Ondulava. Ia se perdendo em um pouco de névoa até o infinito. Maciça. Minha finalmente. Não mais meu impasse. Meu desafio.



domingo, 19 de outubro de 2008

TO BE OR NOT TO BE A BLOGGER


Ainda estou aprendendo a lidar com este novo meio. Sou blogger de primeira viagem. Mas há um grande prazer em poder falar com as pessoas, antigos amigos, e, espero, muitos novos.

Ainda é cedo em Caracas e o Ávila está coberto por uma leve neblina.

sábado, 18 de outubro de 2008

À VISTA DEL ÁVILA




Aqui começa a narrativa de minhas experiências e impressões vivendo junto à Cordilheira Del Ávila ou Warararepano (El mar que se hizo tierra), a montanha mágica que abraça e observa a cidade de Caracas, Venezuela.


Será meu diário, algo que havia me prometido fazer há mais de um ano quando cheguei a Caracas. Só agora me disponho a fazê-lo. Espero que este registro possa ser para mim um bom companheiro de viagem!