quinta-feira, 26 de agosto de 2010

CAIXAS


Há duas coisas que fui aprendendo ao longo destes meus 53 anos de vida. A primeira é que ninguém é insubstituivel e a segunda é que "o pra sempre, sempre acaba".
Cheguei a estas conclusões à custa de muitas perdas, alguns anos de análise e certas discussões com amigos e com Silvio. Ele, por exemplo, não aceita essa história de que, no fundo, não fazemos falta. Que todos somos substituiveis. Cita os artistas, os gênios, para não falar nos afetos... amores, querências e saudades. 
Entendo o que ele argumenta. Não estou dizendo que o ser humano seja totalmente descartável. Não é isso. É só que, realmente, não somos insubstituiveis. A vida continua.
Exaltado, ele alega que empresas faliram com a saida de um grande lider. É verdade... mas a vida continua.
Quanto ao "pra sempre"... Descobri que ele é, antes de tudo, um periodo de tempo tão mágico que nos engana. A começar pelos  contos de fadas. Depois do "...E viveram felizes para sempre!!", era hora de fechar o livro, apagar a luz e ir dormir. "Entrou por uma porta, saiu pela outra e quem quiser que conte outra." A vida continua.
É exatamente por isso que cada vez mais saboreio os bons momentos. Vivo em um certo estado de alerta e quando vejo que estou vivendo um bom momento, caio de boca e como até o bagaço.
Há muito deixei de me fazer de rogada... Ah, isso podia ser melhor... Nada disso. Se a coisa está boa, não regateio e me entrego. Tento viver o efêmero em toda a sua plenitude. (Minha analista sempre reagia quando eu queria plenitudes...). Mas é assim que eu sou. Que eu posso fazer?
Um dia uma amiga me disse sorrindo.. Tudo pra você está bom. Muito bom mesmo! Ótimo!! Não pude deixar de concordar. Talvez porque já tenha vivido alguns momentos em que tudo estava muito ruim. E tem também aquelas épocas em que se liga o piloto automático e aí, não é bom, nem ruim, nem nada. Só anestesia. Tem coisa pior que isso?

                      

Portanto, aqui e agora, cercada de caixas, não tenho nenhum pudor de dizer que fui muito feliz nestes quatro anos. Fui plenamente feliz nesta cidade caótica e imprevisivel chamada Caracas.
Quando cheguei, vinha cheia de verdades estabelecidas. Sabia de tantas coisas. Era professora. Com o passar do tempo, entre guayoyos, arepas e viagens. Entre encontros e bate-papos. Fui me descobrindo aluna de mim. Uma matéria complexa que me dispus a estudar. Minhas tarefas diárias, viver e observar. E, como não há um sistema de avaliação definido, acredito que estou ainda em um nivel bem básico, tipo MIM 1. Ainda falta muito que aprender...

Quando cheguei, tinha me prometido que não ia comprar muita coisa. Planejei ficar meio que acampada por aqui. E depois desses anos... quantas caixas! Quanta coisa levo daqui!!! As mais importantes, nem precisam de embalagens. Vão comigo para qualquer lugar em meu bolso de colete.

Mudança... Mudanças... Que novas tarefas, novas descobertas me esperam agora?

Enquanto elocubro, o Ávila me observa a distância. E ele nunca esteve tão perto de mim!


(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

ÂNGULOS


Não pensei que seria possivel, mas ainda deu tempo de conhecer Los Roques, um arquipélago no Caribe venezuelano. Não há uma única pessoa aqui em Caracas que não revire os olhos e diga !Los Roques es único! Apesar de muitos nunca terem visitado o lugar por medo das avionetas que fazem o transporte para as ilhas. Talvez tenha sido por isto que Silvio sempre adiou nossa visita ao lugar e, quando na semana passada decidimos ir, ele fez questão de escolher o que havia de melhor e maior em termos de avião (Aerotuy, fica a sugestão). 
E assim foi. Como sempre, acordamos cedíssimo para a chegar a tempo ao aeroporto que fica em Maiquetia (1000 metros estrada abaixo). Às 6:30, já estávamos dentro do avião taxiando rumo ao mar.  



Passada a decolagem, com um amanhecer despudorado, passado algum tempo de céu e mar, aterrissamos em Gran Roque, a iha principal, e seguimos por alguns metros do aeroporto a nossa pousada (Natura Viva). Nossa bagagem, uma mochilinha para cada um. Eu antecipava mergulhos.
Chegamos à pousada e depois de deixarmos as coisas no quarto, visitamos a casa, inclusive seu restaurante debruçadinho na praia e, decididos, partimos rumo ao ócio.  


Quatro dias só visitando cayos (as ilhotas que formam o arquipélago). Quatro dias vadiando na areia fina ou na água transparente e quase morna. Quatro dias driblando, com filtro solar 60, o sol caribenhamente inclemente. Quatro dias... De tarde, ainda dava tempo de caminhar pela pracinha que é o centro nervoso do lugar.
A cada momento, íamos nos remetendo a outros lugares. Ah, isso parece Búzios de 40 anos atrás. Ou... Lembra a Praia do Forte de antigamente.

Lugares... É o olho da gente que faz o lugar. O olho e as recordações. É a  história da gente que conta (reconta?) as nossas novas histórias.

É como se fôssemos uma dessas câmeras digitais. Vai-se tirando fotos. Muitas. Muita imagem. Põe o dedo no botão e vai registrando. Depois a gente depura, faz um álbum virtual com os melhores momentos.

Não sei... Acho que ao escolher os melhores ângulos, quando buscamos a foto perfeita, deixamos para trás muita flor, muito mar, muito céu azul. Descartamos sorrisos e momentos... Porque, afinal, eu tirei esta foto?

Antigamente, quando a gente viajava, voltava com um monte de rolinhos de celulose e plástico que eram tratados como jóias delicadas e preciosas. Nada podia acontecer com eles. Então, depois de no mínimo uma semana de ansiosa e angustiada espera, o rapaz da loja nos entregava uns albinhos de papelão e plástico com toda a nossa história. Todas as emoções. E aí a gente via... revia... e revivia cada momento. Não se descartava nada. Ou muito pouco. Só quando tinha queimado o filme. A grande dor!!!!

Vi tantos barcos enquanto estive em Los Roques... Grandes, pequenos, modernos. Vi tanto mar. Gaivotas. Céu azuuuuullll... Visitei diferentes ilhas... Mas foi só quando a avioneta decolou  que eu pude ver o todo. O que era espalhado pelo Caribe, foi virando um lugar. Com barco, céu, mar, terra e passarinhos.


                                   

Enfiei o dedo no botão da câmera e fotografei... muito. Para o blog, tive de escolher só alguns ângulos. Como uma síntese...


A terra foi ficando distante e o mar  e o céu cresceram. De repente, Los Roques não havia mais...


Sabe... Muitas vezes sinto falta daqueles albinhos antigos.  Naquele tempo, a gente podia tecer a saudade com a ponta de nossos dedos, mexendo e remexendo momentos guardados em coloridos pedaços de papel. 

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

MOCHIMA


É... Agora não tem jeito mesmo. Já estamos na segunda semana de agosto. Os contatos com a VIP (firma responsável por nossa mudança) já foram feitos. A data da saída das coisas, já marcada... 1o de setembro. Não tem jeito... Tô indo embora.

Fico, às vezes, parada, pensando em tudo que me aconteceu nestes quase quatro anos... Que foram uma vida! Releio histórias do blog. Vejo fotos. Meus sentimentos variam entre ansiedade (se é para sair, queria sair logo!), preocupações (tenho ainda que fazer tanta coisa!) e saudade (queria tanto ficar só mais um pouquinho!). Mas não tem jeito... Tô indo embora.

Hoje Beatriz chegou cheia de mistério e quando eu quis definir o almoço, ela me disse que não... Hoy tengo una sorpresa para usted. Está lá dentro, e da cozinha está vindo um cheirinho muito bom de comida gostosa. Acho que a sorpresa é um pabellon criollo que ela sabe que eu adoro. É... Não tem jeito... Tô indo embora.

E, remechendo minhas lembranças, percebi que não cheguei a escrever sobre Mochima. Mochima, um parque nacional que fica entre as cidades de Barcelona, Puerto La Cruz e Cumaná.

Podia continuar falando de sua localiazação precisa, suas pousadas, altitude, longitude, fauna e flora. Mas não quero... Mochima para mim, mais que um lugar foi um estado de espírito. Uma mistura de montanhas verdes, mar (de todas as cores) e um profundo bem estar.

Foi um dos primeiros lugares que conheci na Venezuela e talvez tenha sido lá que eu entendi que era muito bom ser uma International Vagabond. Ficar ali... assim... Olhando pelicanos e mar. Um sabor caribenho diferente. Um Caribe não voluptuoso. Um Caribe tranquilo... ventinho e mar batendo... pra lá e pra cá.

Não tomamos uma lancha potente para conhecer os arredores, as tantas ilhas. Fomos de peñero, que é como uma trainerinha, com seu motor... toc, toc, toc...

Silvio teve reuniões perto de Puerto La Cruz na tarde que antecedeu a nossa ida para lá. Eu, depois de conhecer o centro comercial de Lecheria, o Plaza Mayor, um shopping enroscado em marinas e iates, voltei para o hotel e dormi. A tarde estava pesada, com céu de chumbo. Dormi e não vi o quase furacão que atingiu a cidade e fez com que nossa ida até a pousada no dia seguinte se transformasse em uma aventura. Com direito a tomar o caminho pelas montanhas, penhascos, buracos e uma vista paradisíaca. Mas chegamos...

Megulhei muito. Adoro mergulhar. Eu e o mar todo verde. Só para mim. Eu e cardumes azuis. Um silêncio ôco. Como se eu estivesse bem dentro daqueles caramujos de praia. Silêncio com eco (Aaaahhhhhh.....).

Silvio ficava na areia. Só olhando. E eu que nem boto... (Aaaaaaahhhhh.....).

De noite, fomos comer um peixinho em um restaurante da vila. Estava escuro e só dava para ouvir o marulho. O pé enterrando na areia. E depois... gaivotas e amanhecer. Café bem quentinho e umas arepas.

Não dava para ir embora sem falar um pouquinho de Mochima, com suas montanhas e praias. Com seus verdes e ilhas. Não dava...

É... agora não jeito mesmo. Tô indo embora... Mas que me fiquem sabores como mensagens guardadas em garrafas jogadas ao mar... Água salgada, peixinho bem frito, uma solera gelada e... o pabellon criollo que Beatriz decidiu me regalar.

Nota: Estou publicando hoje, porque amanhã bem cedo vamos para Los Roques, um arquipélago no Caribe venezuelano. Neste amaranhado de coisas a fazer, não custa nada parar e pegar uma prainha pelos mares caribenhos, né?

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)



quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O ÚLTIMO CAFÉ NO HAVANNA


Há algumas (muitas?) coisas que as mulheres sabem fazer melhor que os homens. Uma delas é conversar... compulsivamente.
Temos o dom, o talento, a arte de passarmos horas falando. Sobre tudo. Sobre nada. Não temos assuntos preferidos. O que surgir é bem vindo e bem conversado. Podemos passar um tempão explorando um tema com a mesma precisão com que um cirurgião faz uma operação no cérebro.
E nunca há silêncios. Quando uma pára de falar a outra toma da palavra e o fluxo nunca é interrompido. Mas o melhor é quando falamos todas ao mesmo tempo e todas nos entendemos sem problemas. Quanto maior é a mesa e o número de participantes, mas precisa é a interconexão de assuntos, sons, idéias e opiniões. 
Falamos... Muitas vezes falamos alto... E rimos ao mesmo tempo.
Não é que todas sigamos, da mesma maneira, este ritual. Há variações.
Há as mais silenciosas (tímidas?). Sorriem, concordam com um abanar de cabeça. Escutam muito e raramente falam algo. Às vezes segredam coisas à companheira mais próxima. 
Há aquelas que depende do dia (TPM?). Tem dias em que estão com a língua solta e outros em que se mostram tristes, melancólicas e... silenciosas. Nestes dias, suas amigas fazem a festa e falam, falam. Dão conselhos, tentam animá-las. E elas lá, em sua melancolia sem fim. Muitas vezes, porém, durante o próprio encontro dão a volta por cima e soltam o riso e a língua.
E há as que ponderam. Discorrem com clareza sobre os mais variados assuntos, pontuando sua fala com exemplos vividos.
E há as que bricam e riem. Dos outros, mas principalmente de si. Cheias de causos e histórias.
E há as que têm uma crença, uma verdade e que tentam (com um certo fervor religioso) migrar todo e qualquer assunto para aquele tema.
É certo que este e outros modelos mudam dependendo do tamanho da mesa. Se é menor, com menos participantes, os assuntos tendem a se restringirem e se aprofundarem. Tendem... mas que mulher resiste a dar um salto no tópico e num susto dizer: Cês viram o sapato da moça da mesa ao lado? 
Jogamos conversa fora como quem semeia jardins. Esta é uma de nossas muitas artes.

E assim era no Havanna Cafe do Centro Comercial Valle Arriba. Lá nos encontramos muitas vezes para rir, conversar, planejar eventos e viagens. Para estarmos juntas.
Sempre tivemos as mais variadas razões para ligar uma para outra e dizer Hoje, às 4, nos encontramos no Havanna para botar o assunto em dia. (Às vezes era necessário refinar o horário, pois algumas tinham filhos chegando da escola).

Ontem nos encontramos no Havanna. Um grupo pequeno. Já muitas foram embora. Enquanto falávamos, sabiamos que Soraya estava embarcando de vez para o Brasil.
A mesa era pequena e falamos de nossos planos e de como estamos fazendo malas e preparando a mudança.
Falamos de nossas expectativas. De como será em outra cidade, em outro país.
Foi bom estarmos lá, estarmos juntas, mas já faltavam tantos rostos...

Talvez este tenha sido o meu último café no Havanna de Valle Arriba. Tomei a especialidade da casa com um alfajor de nueces. E depois ainda tomei um guayoyo pequeño.
Tudo muito bom... doce... e com gosto de saudade.

(Nota: foto tirada do google, não sei se tem direitoa autorais)

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)