quinta-feira, 29 de julho de 2010

REDEMOINHOS




Cai no olho do furacão! Estou descendo corredeiras. Meu barquinho de papel está no redemoinho.

Não... Nada de preocupações. O comentário é pura metáfora. Estou distante de ventos reias e um pouco menos triste sobre a minha saída de Caracas, mas...

A correria está grande. Buscando apartamentos, fazendo malas, jogando coisas fora. Não deu tempo de estar com a familia e os amigos. Só corri.

Amanhã retorno para Caracas para preparar a mudança e, lá para o final do mês, me entrego ao Rio de Janeiro para continuar procurando meu futuro cantinho. (Como a vista do Ávila vai me fazer falta!).

Semana que vem, espero, terei tempo para me sentar e escrever um texto... decente.

Mas se a correria é grande, não vou deixar passar esta sexta feira  em branco. Deixo um poema antigo, talvez a geografia de meu desejo (Ups... filosofei!) 

PONTO PACíFICO

eu que não tenho asas
quero uma casa branca
a beira de um mar bem verde
lá pelos lados de Angra

uma casa com coqueiro
borboleta amarelinha
um piano de armário
uma antiga escrivaninha

aí eu virava anja
deitada na rede bege
pendurada na varanda

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

quinta-feira, 22 de julho de 2010

UMA TARDE EM HOUSTON




Talvez tenha sido por causa do dia. A sexta-feira em que a Holanda desclassificou o Brasil em um jogo inexplicável na África do Sul. Ou, quem sabe, fosse a chuva, tão forte, e o vento. Estávamos pegando um rabo de furacão, o Alex, que chegou pela fronteira norte do México. O mais provável, porém, é que tenha sido porque finalmente, depois de tantas reuniões, depois de  tantas idas e vindas, havia ficado claro que estávamos saindo definitivamente da Venezuela. Não sei. Quizás não foi a mistura de tudo isso que me fez desistir de sair e ficar ali sentada, no quarto do hotel, olhando pela janela e sentindo meu coração apertado. Muito apertado.





Entre vento e enormes gotas de chuva, eu podia ver as pessoas estacionarem seus carros e correrem até a MicroCentre, uma dessas grandes lojas americanas onde se pode comprar o que há de mais moderno em tecnologia. Cada uma delas saía voando de uma camionete impecável e, de tênis e bermuda, ia se protegendo da chuva. Cada uma delas tinha suas preocupações, seus interesses, suas necessidades. Todas corriam com os seus guarda-chuvas. Todas, como personagens de um filme, pareciam ter seu papel a performar e o seu script bem decorado.



Só eu é que não me encaixava na história, no cenário. Eu, sozinha e vazia em meu quarto vazio de hotel.



Na TV, o Weather Channel informava que, apesar das chuvas, tudo estava sob controle, à exceção de algumas zonas com alagamentos.



Um menino escorregou e quase caiu na calçada em frente. Foi o tempo do pai levantá-lo no ar.



Sair da Venezuela... Deixar o Ávila para trás... Talvez perder o que havia encontrado entre engarrafamentos e caminhos verdes naquela cidade caótica chamada Caracas. Perder... perder tanta coisa... Me perder...



Um vento mais forte fez com que as gotas de chuva batessem com força no vidro. Como a me chamar. Como a me acordar para algo. Desperta! Desperta, que o sonho acabou. Agora é hora de fazer as malas... mas há coisas que não se pode levar na bagagem. Há coisas que sempre ficam pelo caminho. Num para-trás esquisito que quando a gente olha, já nem lembra o que foi.



Os sustos e a minha incompetência lingüística logo que cheguei. As alegrias de se conquistar, a cada dia, algo novo. Entender o programa na rádio. Fazer compras sem ajuda. Ir aos poucos encontrando pessoas, lugares, amigos. Sentir-se criolla, da terra. Acordar bem cedo para se surpreender com o Ávila. Silvio é perito nisso. Salta da cama e vai para a janela e depois chega me informando, Pat, hoje vale a pena ver...



Minhas muitas tardes em que eu e a montanha trocamos confidências e nos medimos e nos conhecemos. Ela e seu verde e seu céu e seus arco-íris e suas chuvas repentinas. Ela e sua secura e seus incêndios. Ela e seu friozinho e sua neblina. (Todavia el Pacheco no ha llegado.)



Saudades... Já saudades...



A chuva não dava trégua e, aos poucos, as luzes da rua foram se acendendo. Camionetes e texanos... Ao longe, The Galeria.



É claro que vai ser bom o que vier e continuarei a aprender em meu oficio de IV, a perambular por aí. É claro. Mas não naquela tarde. Naquele quarto de hotel. Na cidade de Houston...



Entre chuva e vento. No colo de um furacão.

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quinta-feira, 15 de julho de 2010

SALTO ANGEL (O FINAL DA AVENTURA)

  
E, de repente, estávamos no acampamento. Finalmente, estávamos aos pés do Salto!

E eu podia dizer que, até chegarmos, pegamos muitas corredeiras. E foi em uma delas que Soraya se virou para trás e me disse: A gente começou aqui na Venezuela com uma super aventura. Se lembra? Sinamaica. E estamos fechando com outra, inesquecivel. (Soraya está indo morar em São Paulo.)


Eu podia dizer que o indio Luiz fez um super jantar para a gente.


E que dormir na rede não foi nada ruim.

Podia dizer que choveu por toda a noite e que na manhã seguinte o rio tinha subido muito. Podia dizer que, de repente, já era hora de partir.

Podia dizer que na hora de tomar a avioneta de volta a Ciudad Bolivar, com muita chuva, passei por uma aventura à parte. Por uma confusão no embarque, tive de me separar do grupo e meu aviãozinho foi parar em Puerto Ordáz. Algo como ser esperada no Santos Dumond e aterrissar em Cabo Frio. Tive de rodar uma baiana daquelas para que o pessoal do aeroporto pagasse um taxi para mim para eu fazer uma pequena viagem de quase duas horas e conseguir me reencontrar com meu grupo.

Sim, podia. Mas nada seria tão importante quanto aquelas horas em que estive junto ao Salto.



O Salto...

Imenso em seu silêncio.
Em seu jogo de esconder com meus olhos.
Poeira de água...
Núvem e rocío...



O Salto...

Perdido em sua verde distância.
Tênue e sólido.
Textura de sonho.
Paisagem concreta
Em sua presença lejana...



O Salto...

O jorro, a fúria, a angústia.
O choro dos deuses...
Alba hemorragia!





O Salto...

Ao encobrir-se,
Entre chuva e amanhecer,
Aos poucos me desnudou.
"Assim és...
Com seus limites e sua teimosia. 
Com sua infinita ânsia de infância.
Assim és...
Mi niña"



O Salto...

!Estuvimos allá!
Sim...
Lá estivemos.


(Para Soraya, Bragança, Claudia, Anele, Giordano, Lourenço, e, especialmente, para Lizete, por sua coragem e perseverança.)

(Nota: Foto noturna by Soraya)

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sexta-feira, 9 de julho de 2010

A CAMINHO DEL SALTO ANGEL (II)


E chegou a manhã do dia seguinte. E lá estava eu preparada para o clímax da aventura: chegar a Salto Angel. Ambos preparados, eu e mi bastón.
Tomamos café junto com o nosso guia, señor Jose Camino (nome bastante sugestivo para um guia) e ouvimos dele as principais orientações. A cada explicação dada, tenho certeza, cada um de nós antecipava grandes emoções.
Ele nos disse que dali iríamos tomar uma canoa a motor para subir o rio. Ouvi as palavras com ouvidos citadinos e as traduzi como: vamos a um pequeno porto onde tomaremos um barco para chegar ao Salto.
Bem, mas não foi bem isso que aconteceu.


O lugar onde pegariamos os barcos, não era nem de longe um porto e os barcos, as curiaras, eram realmente canoas feitas pelos os indigenas de um só tronco de árvore. Tinham espaço para umas dez pessoas e mais toda a bagagem que precisavamos levar. Tooooda. De mochilas a lanternas, passando por material de higiene e a comida do almoço, jantar e café da manhã. Isso não vai caber tudo na canoa... pensei.
Enquanto o guia e os pemones ajeitavam as coisas, um indio tirava diligente água de dentro do barco. Esse troço tá furado... pensei. 
Enquanto eu elocubrava, nossa matolotagem ia sendo colocada na canoa e depois fomos nós, cuidadosamente ajeitados nos bancos. De dois em dois.  A operação era matemática. Um embarque de astronautas da NASA não seria mais preciso. Os indios iam indicando onde deviamos sentar. (Só depois entendi que eu e Bragança, mais, digamos assim, fortezinhos, seriamos usados como contrapeso do barco. Assim...Lastro mesmo.)
E saimos.
Saimos para cinco horas de canoa, rio acima. Ai, meu Deus! !Voy a tener calambres en mi culo!
A sensação é muito dificil de explicar. A paisagem ia mudando e cada vez mais iamos entrando na paisagem. Passávamos a ser parte dela. O que tinhamos visto do alto, lá da avioneta, agora nos abraçava e nos acolhia.



E havia as corredeiras que foram muitas e se intensificavam a medida que subiamos o rio. Teve uma que nos pegou de tal surpresa que lá estava eu conversando com Claudia e.... de repente... Vapt! O susto, a onda, muita água, um solavanco. E, quando vi, Claudia estava entalada entre as pernas do Anele. No fundo da curiara.
Às vezes, quando as águas e a correnteza eram mais violentas, um dos indios caminhava pela borda da canoa, ia para frente e indicava ao que estava no leme a melhor opção de caminho.
E assim fomos indo ao longo das horas. Entre selva, Tepuis, cachoeiras e fotografias.


 

Ainda bem que não estava chovendo... Mas choveu. Depois de mais de duas horas de navegação, o guia nos disse que iriamos parar para comer alguma coisa. A idéia era parar no Poço da Felicidade, mas quando chegamos lá, que tristeza, as águas tinham subido tanto que não pudemos parar a curiara. Seguimos mas um pouco até um acampamento e foi então que entendi onde eu, quotidiana e citadina, iria comer, dormir e ir ao banheiro na próxima tarde, na próxima noite, no próximo dia. Não fazia mal. Tudo era festa e paisagem bonita. Ainda bem que não estava chovendo... Mas choveu.
Arrumamos o nosso picnic nas mesas do galpão e antes de comer buscamos o melhor lugar para fazer pipi. Nessas horas é que eu tenho certeza de que Deus é homem ou foi um péssimo escultor de costelas. Se eu fosse Deus, as mulheres fariam xixi pela orelha. Virava a cabeça para o lado e pimba. Seria que nem tirar água do ouvido quando se vai a piscina.
Talvez inspirada pelas mulheres do grupo, a chuva começou a cair. Muita. Forte. Diligente.
Foi nos acompanhando por todo almoço e, quando eu pensei que os nativos iam dar um tempinho para a chuva amainar, já era hora de entrar na canoa novamente. Todos agora monidos de seus ponchos, umas capas amarelo-ovo compradas especialmente para a ocasião.
E entramos rio a dentro, chuva a dentro. A água subia, as corredeiras ficavam mais fortes. E pensar que estávamos só na metade do caminho. 
Foram mais umas quase tres horas. E, agora, a cada curva do rio, perguntávamos se uma das muitas cachoeiras que se despencam dos Tepuis era o Salto Angel.
A chuva amainou, mas o tempo ficou menos limpo. Núvens iam se entrelaçando entre pedras e mata fechada.
E, de repente, lá estava ele com seus mil metros de altitude.
Salto Angel... Só por aquela visão já teria valido todo o esforço.
Mas, muito mais nos esperava ao longo das próximas vinte e quatro horas.



(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A CAMINHO DEL SALTO ANGEL


Sempre fui avessa a publicar fotografias de pessoas no blog e já em mais de um texto expliquei o porquê, mas desta vez não dá para ficar invisivel. Quero me ver, ao vivo e a cores, para acreditar que eu realmente estive por lá.
Desde que cheguei a Caracas, muita gente me falou sobre o Salto Angel e da aventura que era visitá-lo. Com breves descrições da viagem, eu me convenci que estava velha demais para o périplo, ou melhor, que era comodista  demais para me entregar a tal odisséia. E, de repente, lá estava eu diante da avioneta, prestes a levantar voo rumo à selva venezuelana. Euzinha, cotidiana e citadina, dando uma de Indiana Jones.
O primeiro percalso já se deu mesmo antes de levantarmos voo. Como iamos ficar em acapamentos e andar muito tempo por rios, todo o grupo decidiu que não iria levar os documentos originais. Nada de passaportes, cédulas de identidade, nada. Só levariamos cópias, os laminados, que usamos todo o tempo em Caracas. A ideia pode nos ter parecido boa, mas para a inspetora de embarque não colou. Ou apresentam os documentos originais ou a viagem acaba aqui, isto é, antes de começar. Custou tempo, tensão e saliva, para convencermos à inspetora e ao sargento que chegou depois de que éramos apenas brasileiros boa gente e não terriveis traficantes de drogas. Malfeitores procurados internacionalmente. Até porque, parte de nossa delegação era composta de dois meninos de 8 e 12 anos (possiveis precoces bandoleiros). Custou, mas o sargento nos liberou. Se fossemos depender da inspetora, estariamos até agora em Ciudad Bolivar, tentando provar que não éramos das FARC.
Quando subi no aviãozinho, o medo não era do transporte, mas do que me esperava em Canaima e para além de lá.
Mas embarquei... Eu sempre embarco... Sou a aventureira mais covarde ou a covarde mais aventureira de que se tem noticias. 
A viagem foi tranquila e, depois de algum tempo, já dava para se ver uma das razões porque decidi empreender tal aventura... Los Tepuis.



Gigantescos platôs espraiados pela imensidão. Terra sagrada dos indios pemones. Por si só, mágica paisagem. De tirar o fôlego. De encher o coração da gente com uma alegria medrosa. Magestosos.
Apesar de alguma turbulência. Apesar da avioneta não ser, nem de longe, do último modelo (nem do penúltimo... ou antepenúltimo...). Apesar de o piloto parecer aqueles artistas de filme de aventura da sessão da tarde (um sessentão de bigode com sua roupa tão surrada quanto seu avião). Apesar de tudo, os Tepuis eram um espetáculo à parte. Sólidos na imensidão da selva venezuelana.
Olhando aquele mundo, eu imaginava quantas histórias e lendas já não foram contadas sobre aquelas terras e... quantas cobras e sapos não me aguardavam na aterrissagem!
E, depois de uma hora de viagem, depois de passarmos pela represa de Guri (também imensa e ainda bem seca), o piloto fez uma curva para a esquerda e se atirou para a pista. Não vai dar.... Nao vai dar... Do alto já dava para ver Canaima e se surpreender com suas cascatas. Tiro foto ou me agarro no cinto de segurança? Não vai dar...
E, de repente, a avioneta parou e o piloto acariciou o painel. Tenho mais de vinte anos com ela. Nunca me falhou. (Ainda bem!!!)
Quando descemos do avião, o calor húmedo indicava que já estavamos na selva.
Agora era só esperar o resto do grupo que vinha em outro avião (que, detalhe, demorou muito a chegar porque teve uma pane e tiveram de voltar do meio do caminho para Ciudad Bolivar, com direito da bombeiros a postos na aterrissagem.) Mas chegaram e o guia nos levou para a pousada. 


A pousada...


Para quem estava esperando uma oca, encontrei uma oca holywoodiana, com ar condicionado, água quente e despojadas redes nas varandas. Em seu quintal, as cascatas que tinhamos visto do avião.

 

O guia nos explicou que iriamos almoçar e partir para o primeiro passeio: Salto del Sapo. 
Foi a primeira vez que quis declinar o convite. Ai, meu Deus! Que negócio é este de sapo? Não teve jeito e tive de explicar para o guia sobre a minha fobia de sapos e similares (inclusive os de plástico). Foi então que ele nos explicou que naquela região dificilmente veriamos animais. Eles podem ver vocês, mas vocês não os verão.
Como a vontade de fazer o passeio era maior que a minha covardia, decidi acreditar piamente no guia. E, depois do almoço, partimos.
Primeiro, atravessamos o rio e passamos bem pertinho das cascatas. Tomamos um banho de respingos. Água geladinha em uma tarde de muito calor. Boommm!!!
Depois, saimos do barco e caminhamos por uma espécie de savana. Ao longe os Tepuis nos observavam. De vez em quando, encontravamos outros grupos que, se já estavam voltando, vinham sempre muito molhados.
Fomos nos aproximando de outras cascatas...




O caminho ficava mais dificil. A mata mais fechada. Subiamos e desciamos entre pedras. E, de repente, o guia nos disse para deixarmos nossas coisas junto a uma pedra. Explicou que iriamos passar por detrás do Salto dos Sapos e que se, em alguma parte, sentissemos falta de ar que não nos preocupassemos, pois ia ser muito rápido. Tinhamos de cuidar por onde andávamos para não escorregar e também para não bater com a cabeça nas pedras.  A água caindo fazia um barulho enorme. E entramos atrás da cachoeira. E não teve quem não gritasse. Pelo susto. Pelo gelado da água. Pela emoção indescritivel. Era como um mergulho na gente mesma. Água. Muita água. Não dava medo. Era bom. Era uma energia imensa e nós lá dentro. Em um turbilhão. Faltou o ar, mas só um pouquinho.  Nem deu para assustar.
E depois, um espraiado maior. A água batendo forte. Energia.



Batizados pelas águas, era hora de voltar. O caminho, agora conhecido, se fez mais fácil e, graças ao meu fiel companheiro, mi bastón, enfrentei com galhardia os altos e baixos da caminhada. Fiquei orgulhosa de mim. Quando a coisa apertava, eu sentava no chão e ia escorregando. A estratégia funcionou muito bem, mas não me livrou de um tombo, já quase no final da aventura. Mas nada de grave. Nada além de um joelho arranhado.
E, no caminho de volta, a tarde foi caindo. Estávamos, literalmente, de alma lavada. 
Como fecho desta etapa, nada melhor que um arco-iris, que surgiu de surpresa como prenúncio das aventuras que nos aguardavam nos próximos dias. 



(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)