sexta-feira, 31 de julho de 2009

EDUCANDO A RITA

Foi no final da década de 80 que vi, pela primeira vez, o filme Educating Rita em uma das aulas do curso Video Literature (naquela época, nem se pensava em DVDs). Graham, o professor, era um inglesinho jovem, baixinho e simpático, que nos trazia uns filmes gostosos de assistir e com muito pano pra manga para discussões em inglês. Praticávamos a língua e víamos filmes fantásticos. A turma não podia ser melhor, composta por professoras da Cultura e eventuais penetras que, algumas vezes, perturbavam um pouco o andamento dos debates, mas, afinal de contas, o curso era aberto ao público.
No filme, convivíamos com um Michael Caine professor universitário que dava aulas de literatura na Open University. Alcoólatra, deprimido e cansado de tantas verdades pré-estabelecidas. Um mestre que, sem saber, talvez só intuindo em seu desespero e solidão, buscava algo novo. Ar fresco. Apesar de nunca abrir as janelas de seu escritório. Seu contraponto era Julie Walters, Rita, uma jovem cabeleireira em busca de conhecimento e certezas incontestáveis. Vinha de seu mundo superficial, mas, quem sabe, mais autêntico e verdadeiro que aquele onde vivia o professor. Rita, um espécime perfeito da working class inglesa.
Graham nos chamou atenção para sua forma de falar e para o preconceito lingüístico que caracterizava a sociedade inglesa. A diferença, mais do que nas roupas, no cabelo, no pensar, estava na fala, na articulação.
Foi também nesta época que Cida se apropriou de uma fala de Rita e criou o seu mote: “There must be better songs....”.

Aquelas aulas me encantavam. Eu estava junto de gente de quem eu gostava, aprendendo muito e sonhando com as muitas viagens que eu ainda faria à Grã-bretanha. Olhando agora, naquela época, eu me parecia muito com Rita. Queria aprender muito e escrever boa poesia. Era jovem e sempre buscava melhorar minha competência em inglês.

Agora vem um corte e a história dá um salto de mais de 20 anos.

E lá estava eu sentada no auditório do teatro no Trasnocho Cultural, em pleno bairro de Las Mercedes, na cidade de Caracas. O grupo era outro: Silvio, Soraya, Bragança e eu. A peça estava prestes a começar ... Educando a Rita. O primeiro que vi foi o cenário. Adequado. Um escritório de um professor universitário em Londres, Caracas ... qualquer lugar. Sóbrio e cheio de livros como convém ao escritório de um mestre em literatura. Uma desordem elegante e charmosa. E então entrou o professor. Adequado. Deprimido e sem horizontes. Um professor inglês, venezuelano ... de qualquer lugar. E, por fim, Rita. Venezuelana, com seus muitos brilhos na roupa, nas bijuterias. Sensual, com tacones muy altos e unhas longas pintadas. Uma fantástica representante da cidade das mil peluquerias (em cada Centro Comercial de Caracas há pelo menos uns dez cabeleireiros). Uma montagem deliciosa. Com dois atores venezuelanos de primeira. Não pude deixar de me comover quando aquela Rita exuberante e venezuelana disse ao professor: “Debe haver mejores canciones ...”. E foi aí que o elo se fez e vinte anos se desfizeram no espaço.

Se algum dia fui Rita, com sua avidez de saber, com a curiosidade por tudo, também já tive meus dias de professor cansado e desiludido, com tanta coisa por fazer que não tinha tempo de abrir as janelas. Não tinha tempo sequer de olhar por elas. Já fui uma professora que foi ficando descrente, não de seus alunos, mas pelo desrespeito com que se lida com a Educação. E houve um dia que eu, que tinha que falar para tantos professores, não tinha mais nada para dizer para eles. Estava vazia.

“Deve haver melhores canções...”. E há.

Hoje sei que um amanhecer pode ter nuances tão profundos quanto um solilóquio de Hamlet. E preciso dos dois.
Sei que se eu esperar, depois da chuva das cinco, vai surgir um arco-íris bem junto ao Ávila e que ler Isabel Allende em espanhol é mais gostoso.
Hoje sou uma mistura estranha de Rita e seu professor. Sei coisas que já não me servem de nada e guardo livros espalhados na cápsula. Não pude levá-los para Caracas. No entanto, mantenho a avidez e o desejo de descobrir, todos os dias, algo novo, simples, com a delicadeza das surpresas.

A cortina se fechou e a platéia de pé aplaudiu o espetáculo.


(in pblower-à vista del ávila. Texto escrito em Porto Alegre a uma temperatura de 9 graus.)




segunda-feira, 20 de julho de 2009

UMA VIAGEM INESPERADA

Silvio me avisou encima da hora. Estamos viajando para São Paulo ainda esta semana, porque ele tem que assinar uns documentos por lá. É uma viagem corrida: uns oito dias. E aí o tempo para escrever o próximo texto desapareceu, sendo assim, volto a remexer meu baú de lembranças e encontro um poema de 1996. Espero que gostem.


DESFAZER AS MALAS
(para Ana Lúcia, Elvio, Marilia e Elzinha)

desfazer as malas
é reviver momentos
cada peça retirada
um passo à frente
um passo atrás

espalhados pela mala
pequenos mistérios

o bilhete de trem
(agora amassado)
é paisagem e movimento

a entrada do show
um solo de jazz

desfazer as malas
é lavar e passar todas as roupas
é guardá-las no armário rotineiro
para depois
(muito depois)
encontrar esquecido no bolso do casaco
o sabor inconfundível de um cheese cake
na nota do café do guggenheim


(in pblower-à vista del ávila)





sexta-feira, 17 de julho de 2009

WELCOME TO TRINIDAD (III)

Depois de algum tempo serpenteando entre mar e quase-florestas com árvores de flores brancas, chegamos a um aglomerado de pessoas, barraquinhas, carros estacionados por todas as partes, mais pessoas, mais barraquinhas e mais carros estacionados. Tudo se misturava. Havia um lento tumulto como em um sonho. Cheiro de cerveja. Um burburinho. Mais barraquinhas de comida. Ao longe, o mar. Cinza. De onde estávamos não dava para ver as línguas barrentas... ainda.


O indiano parou o carro e, sorridente e solicito, nos indicou que era para sairmos e foi aí que a libanesa explicou que preferia continuar até chegarmos a Maracas Bay. Temi pela resposta. O indiano sorriu submisso e anunciou: Aqui é Maracas Bay.

É interessante a diferença que faz se ter trinta e cinqüenta anos. A libanesa tinha ido ao passeio para nadar e bronzear-se e decidiu encarar a praia. Silvio e eu fomos até perto da água e voltamos para o carro. Informamos a nossa companheira de viagem que poderia se demorar quanto quisesse, afinal, a parada fazia parte do tour. Silvio se deitou no banco de trás do carro e começou a cochilar, o indiano saiu à procura das pilhas e eu decidi comer o tão famoso bake&shark.
Perambulei pelas barraquinhas. Todas vendiam o tal do “bikanchá”. Era como ir a uma praia em Salvador e só ter para comer acarajé. O prato era assim: uns pães redondos como para hambúrguer, um peixe (diziam que era tubarão) empanado e frito e todos os tipos de molhos e pimentas que se possa imaginar. Era como o nosso cachorro-quente atual em que se põem as coisas mais inusitadas. A limpeza do lugar não me motivava a grandes estripulias gastronômicas, mas me expus a alguns molhos bastante picantes. Imaginei que pimenta devia matar micróbios.

Quando cheguei ao carro, Silvio continuava cochilando. Perguntei a ele se queria meu almoço. Olhou-me incrédulo, como eu podia ter coragem de comer aquilo?, e optou por um saco grande de batatas Ruffles. Foi então que o indiano chegou com um olhar desolado. Intuí, não havia encontrado minhas pilhas e, portanto, nada de fotografias. O que foi uma pena, pois havia muito a ser fotografado. O lugar era exótico. As pessoas eram exóticas. A atmosfera era muito exótica. Eu poderia, por exemplo, ter feito uma foto daquela jovem de seus dezoito anos, com o seu namorado rastafari, e uma jibóia albina enrolada no corpo. Exótico, não?
O som de fundo era muito reggae e steel orchestras, aqueles tambores de aço que parecem uma panela. Havia um burburinho, mas nada de gritos, só uma espécie de zumbido que eu tentava decifrar. Deveria ser inglês, mas por mais que eu me esforçasse não conseguia entender muita coisa. Perguntei ao indiano que língua estavam falando e ele, como sempre atencioso, me informou que era broken English, uma mistura de inglês e dialetos afro e indianos. (E a gente fala de geléia geral no Brasil. Se nós somos geléia, eu estava diante do mais apimentado chutney que eu já havia visto e ouvido em toda a minha vida.)


A libanesa se juntou ao grupo. Com a esperança dos jovens, considerou que talvez em Blanchisseuse Bay a praia estaria melhor. Aquiescemos e seguimos caminho.

Havia menos gente em Blanchisseuse Bay, só algumas barracas de acampamento e dentro delas alguns casais. Acho que se pedíssemos qualquer tipo de droga, de maconha a haxixe, nos teriam servido com solicitude e em grande quantidade. O fato de o céu, o mar e o riozinho que no folder turístico desaguava diretamente na praia estarem totalmente acinzentados não afetava em nada o grupo do camping, certamente porque deveriam estar vendo o céu cor de rosa, o mar, fúcsia e o riozinho totalmente pink. Tudo com bolinhas verdes.


A libanesa lembrou-se nostálgica dos golfinhos de Noronha. E foi aí que começou a cair uma chuvinha fina. Perfeita para se ir a praia no Caribe. Decidimos regressar ao hotel. E a viagem de volta não nos trouxe maiores surpresas. Afinal, nada mais nos poderia surpreender.

À noite, decidimos que iríamos encontrar um lugar bem gostoso para jantar e tomar champanhe. Afinal, era nossa última noite em Trinidad. E que jantar! Inesquecível. Em um restaurante indonésio. Casa antiga, decorada como as casas das colônias inglesas do inicio do século XX, mas com uma pitada de asiático. Paredes vermelhas. Música oriental ao fundo, na altura certa, e os pratos mais perfeitos, desde a sopa de frutos do mar, passando pelo peixe e as saladas e a sobremesa e o champanhe. Tudo no lugar certo.

Voltamos para o hotel. Desta vez não ouvimos tambores, mas não deixou ser mágica a nossa noite. Talvez o champanhe...

No dia seguinte, acordamos tarde, ajeitamos nossas coisas e seguimos para o aeroporto. Chegamos com tempo para ainda dar uma olhada no duty free. Vôo no horário certo. Tudo correndo às mil maravilhas, até que na telinha do aeroporto surgiu a informação de que todos os vôos estavam atrasados. Como assim todos os vôos? Turistas aflitos correram para seus respectivos balcões. A informação, pelo menos, era consistente. Todas as companhias de aviação respondiam que tinha surgido um buraco na pista e a manutenção estava fazendo o conserto. Não havia previsão para abertura do aeroporto. Eram umas onze horas da manhã. Criou-se uma corrente solidária entre os passageiros e, de quando em quando, alguém ia a nosso balcão em busca de informação. Mas, ao invés do buraco ser consertado, nos diziam que tinha aumentado de tamanho! Por volta de uma hora, o aeroporto foi liberado para os demais vôos, mas como nossa companhia só tinha dois aviões e como um não pode parar em Trinidad, o outro estava em Cartagena (Colômbia) e só poderia nos buscar por volta das dez horas da noite. Os venezuelanos ensandeceram. Todos falavam ao mesmo tempo. Todos reclamavam. Todos protestavam, mas... tivemos de esperar. Não havia jeito.


O que poderia ter sido muito entediante, foi uma das experiências mais gostosas que tive. O movimento do aeroporto, as mais diferentes pessoas. A música. O burburinho. Tudo era como uma grande peça de teatro e nós, os espectadores.
Vimos um portão onde, de meia em meia hora, hordas de pessoas entravam e descobrimos que aquele era o portão de embarque para ... Tobago. Foi como ver a cena final de Contatos Imediatos de 3º. Grau, apenas alguns eram os escolhidos. Nós, infelizmente, não tínhamos ouvido a musiquinha... Tam-tam-tam-tam-tam. (Nota: não há trocadilho aqui, o vôo era da Aeropostal.)

Às dez e meia da noite, finalmente embarcamos. Terminava assim, minha primeira experiência em mares caribenhos. Outras viriam, bem menos tumultuadas e com mares bem mais azuis.

Nota final para Alzira: Nunca soube porque os tambores tocaram durante toda a primeira noite. Deixo para a imaginação de cada leitor esta resposta.

Outra nota final: Não conheço ninguém de meu grupo que tenha conseguido chegar a Tobago. Será que isto tem a ver com os tambores?

(in pblower-a vista del avila)


quinta-feira, 9 de julho de 2009

WELCOME TO TRINIDAD (II)

Depois de uma noite de sono com ainda alguma chuva e com um repicar ao longe de tambores, o dia amanheceu com toques acinzentados. Tomamos um breakfast bem ao estilo inglês e fomos à recepção para ver que passeios poderíamos fazer. O atendente, super amável, nos confirmou que não havia forma de se ir a Tobago, mas, como um bom representante de Trinidad, nos informou que apesar de Tobago ser mais turística, e talvez mais bonita, iríamos fazer belos passeios. Propôs que conhecêssemos o litoral norte, segundo ele, onde ficavam as praias mais lindas. A idéia era correr a costa, almoçarmos em Maracas Bay e terminarmos o passeio em Blanchisseuse Bay, onde, também segundo ele, há um rio de águas azuis que se encontra com um mar transparente. Era puro sonho. O paraíso ao alcance das mãos.

Maracas Bay ... De imediato lembrei da possibilidade de comer o tão famoso bake&shark em um restaurante aconchegante e típico naquela praia. Visualizei o cenário, mesmo sem o pôr do sol. Mesas quadradas de madeira e uma decoração rústica e praiana. Certamente haveria sobre uma imaginária lareira um veleiro dentro de uma garrafa. Que beberíamos? Um Curaçao, tão azul quanto o mar.

O rapaz me tirou de meu devaneio.

Um pouco sem graça nos informou que o hotel não estava muito cheio e que havia um outro hóspede que gostaria de fazer o mesmo tour e, se nós não nos incomodássemos, ela (porque era um hóspede ela) poderia ir conosco no carro. Como sempre altruístas, e porque não dizer curiosos, aceitamos a nova companheira de aventuras e fomos encontrá-la na saída do hotel.
Morena, alta, com uns trinta anos. Um tipo de nacionalidade indefinida. Podia ser de brasileira a afegã. Ao apresentar-se, matou a charada. Era libanesa, mas morava em Londres com o seu marido francês. Estava na ilha fazendo um trabalho para a British Petroleum e queria aproveitar o final de semana para conhecer o lugar. Um pouco penalizada nos informou que só poderia ver Trinidad, pois não havia conseguido vôo para Tobago. Nos solidarizamos.
O carro chegou e começou a aventura. Enquanto íamos nos afastando da cidade e o guia, um indiano simpático e muito jovem, nos passava algumas informações, trocávamos figurinhas com a libanesa que ficou encantada ao saber que éramos brasileiros. Ela tinha acabado de fazer uma viagem para mergulhar em Fernando de Noronha e, se as minhas expectativas quanto ao Caribe eram altas, percebi que as dela eram ainda maiores, porque tinha como base o mar, o céu, a luminosidade da ilha brasileira.
Íamos nos afastando da cidade e entrando em uma estrada estreita e ladeada por uma quase floresta. Subíamos muito. Foi a primeira vez que experimentei uma coisa que depois tornou-se quase praxe para mim. Em muitos lugares no Caribe, para se ir a praia, é preciso subir para depois descer em outra parte do litoral. Ou porque há morros altos bem junto ao mar ou porque as estradas não passam necessariamente pela costa, e sim, mais pelo centro onde, normalmente, o relevo é mais ... como direi ... acidentado.
O céu, ainda bem chumbo, me remetia mais a uma ida a Petrópolis do que a qualquer zona de praia. A sensação era de que nos afastávamos da civilização e subíamos. Era o lugar perfeito para eu descobrir que as pilhas da câmera fotográfica tinham acabado.
Informei ao guia o meu problema e ele, submisso, decidiu me ajudar parando nas mais estranhas biroscas de beira de estrada. Saía do carro solicito e voltava sempre com a mesma resposta: Só vendem frutas, rum e refrigerantes.Quem sabe quando chegarmos à praia?
Não é que a paisagem justificasse fotos inesquecíveis, mas a antevisão de não poder fotografar minha primeira experiência no Caribe me fazia muito infeliz.

E, depois de mais de uma hora de viagem, chegamos à primeira praia...

Estava deserta, como exige, de uma praia caribenha, o inconsciente coletivo, mas... Não é que fosse feia. Não era. Talvez fosse o céu ainda chumbo que interferisse... Talvez ... Mas nem de longe era o que eu e, acho que principalmente a libanesa, esperávamos. Tudo era cinza e o mar era recortado por línguas barrentas. O guia, atento e pressuroso, nos informou que devido à chuva, como muitos rios deságuam nas praias, o mar ficava assim... barrento. Aproveitou, também, para me dizer que já tinha checado na birosca local e não havia pilhas. Foi então que Silvio, o bom engenheiro, decidiu entrar em ação. Tirou as pilhas, as inverteu, as colocou de novo. Virou, mexeu e eu consegui fazer duas fotos e o encanto acabou. A máquina deixou de funcionar. Quem sabe a gente não encontra pilhas em Maracas Bay?, ponderou o guia, devastado. A libanesa olhava tudo com um olhar distante e enigmático. Seriam saudades de Noronha?

Maracas Bay... Ali faríamos uma parada mais longa para pegar sol (certamente o dia ia melhorar), nadar, comer e, se Alá permitisse, comprar minhas pilhas. Maracas Bay... A melhor praia da região. A solução de meus problemas. Pilhas e bake&shark.




(in à vista del ávila. Continua na próxima semana)

quinta-feira, 2 de julho de 2009

WELCOME TO TRINIDAD (I)

Era nossa primeira viagem pelo Caribe e, como era um feriado enforcado, ou como dizem por aqui, un puente, não havia mais vagas em vôos para nenhum outro lugar. Era pegar ou largar: Trinidad. Silvio me pareceu bem interessado pela região o que me motivou ainda mais a fazer a viagem. Até aquele momento, para mim, eu estava indo para Trinidad & Tobago, que também para mim era o nome de um único país e, conseqüentemente, um único lugar. A coisa não é bem assim, afinal estamos no Caribe. É um único país, mas são duas ilhas. E, ao longo da semana, quando eu dizia que ia a Trinidad, todos completavam meu comentário com: “mas não deixe de visitar Tobago, que é a parte mais bonita e mais turística”. Duas ilhas ... Pela informação que tive se poderia ir a Tobago de avião ou barco. Tudo seria fácil, de tão perto uma da outra, daria para ir até a nado. Equivoquei-me.

Chegamos ainda pela manhã e como o nosso era o único vôo que havia aterrissado achei que passaríamos pela imigração rapidinho e aí era curtir o Caribe e buscar informações sobre a forma mais prática de se chegar a Tobago. Duplo equívoco. Já na imigração começamos a experimentar um jeito Bob Marley de ser. Leeeeeeeento. Muuuuuuiiiiitoooo leeeeeento(!) (sem exclamações, por favor, para não assustar os locais). E, quando suados e famintos, nos dirigimos à loja de venda de passagens para Tobago, nos informaram que havia vôos de meia em meia hora, mas ... como era feriado ... estavam todos lotados. Com solicitude a moça no balcão nos informou também que não adiantava buscar os ferries. Também estavam lotados. Só nos restava ir a nado ou, ficar em Trinidad e curtir o passeio.
Saímos do aeroporto e, antes de pegar um táxi, fomos nos informar sobre o que fazer na ilha. Entre muitos mapas e folhetos havia uma unanimidade, tínhamos que comer bake&shark. Não ficou claro para nós o que seria, mas nos informaram que em Maracas Bay poderíamos experimentar o quitute. A imaginação vôo. Maracas Bay... Caribe... Piratas e um restaurantezinho aconchegante com vista para o por do sol ...
Tanto o rapaz quanto a moça que nos atenderam no Information Desk eram sorridentes, simpáticos e absolutamente negros. Falavam um inglês com um sotaque deliciosamente diferente. É bem verdade que às vezes um pouco difícil de compreender. Por exemplo o bake&shark para eles era algo como “bikanchá”. (Nota: esqueci, entre tantas outras coisas com as quais convivi por muitos anos, como usar o alfabeto fonético).
O calor era intenso e até chegarmos ao táxi esbarramos em uma miscigenação de indianos, afros e alguns turistas americanos e europeus.
O percurso entre o aeroporto e o hotel foi como entrar em um filme inglês sobre colônias inglesas do inicio do século passado. Havia alguns edifícios modernos, mas estavam muito ao longe. Nós, pouco a pouco, íamos virando personagens à procura de um diretor ... Onde estaria Sir Richard Attenboroug? Enquanto viajávamos no tempo, não olhamos para o céu que, em pleno meio dia, ia ficando cada vez mais escuro.

Até aquele momento, tudo o que tínhamos visto de praias era fortemente protegido por pequenas refinarias, andaimes, o porto e conteiners. Foi quando Silvio me segredou que Trinidad é um grande produtor de petróleo. Aí eu entendi o súbito interesse dele pelo lugar. As coisas não eram bem o que eu havia imaginado para minha primeira experiência caribenha, mas o hotel me trouxe um novo cenário. Era lindo! Uma mescla de muita madeira, concreto aparente e cortinas coloridas. Tudo se espraiava por um jardim enorme. Um gramado interminável e muitas árvores.
A fome apertava e decidimos comer no restaurante do hotel. Uma comida deliciosa. Inesquecível. Picante. Sabores intensos. Desatentos, não percebemos que o colorido das roupas das garçonetes contrastava, e muito, com o negror do céu. E começou a chover. A CHO-VER. Foi a primeira vez que vi a chuva no Caribe. Para mim era um furacão, mas como todos agiam com naturalidade, decidimos fazer o que dava para fazer, isto é, dormir.
Acordei por volta das 9 horas da noite. Silvio continuava dormindo. A chuva tinha parado e na noite escura se podiam ver luzes ao longe e ouvir muitos tambores. Confesso que não conseguia decidir se estava diante de um sonho, uma festa para turistas ou um macabro e vetusto culto vudú. Quanto mais os tambores repicavam, mais me convencia de que a terceira opção era a correta. (Não havia a possibilidade de “nenhuma das respostas anteriores”).
Tentei acordar Silvio. Eu faço isto com freqüência. Imagina você dormindo a sono solto, total relaxamento e uma pessoa te chamando. Sabe criança pequena que abre as pálpebras da mãe? Sou eu. Os tambores aumentavam de intensidade e agora havia gritos também.
Consegui acordar Silvio que, depois de pensar(?) um pouco, me sugeriu que devíamos pedir o jantar no quarto. Achei a sugestão super romântica. Seria o nosso primeiro jantar no Caribe. O clima era aconchegante, apesar dos tambores e gritos. (Quantos alfinetes já não haviam sido usados nos bonequinhos de pano?)
Pedimos o jantar e, enquanto esperávamos, decidimos ligar a TV. E foi aí que eu vi o mais completo e detalhado documentário sobre ... serial killers. Uma produção que fez de Hannibal matiné do Discovery Kids.

O jantar chegou. Os tambores continuavam. Desligamos a TV para facilitar a digestão. E este era apenas o primeiro dia. No dia seguinte, começaria o nosso tour pela ilha.

(in à vista del ávila. Continua na proxima semana.)