sexta-feira, 27 de setembro de 2013

TEMPO, DÁ UM TEMPO!


E setembro já quase se foi. Escorreu pelos meus dedos como areia de ampulheta com a rapidez de quem tripudia sobre um oponente mais fraco. Setembro me venceu. Quando vi, era já final do mês. 

Setembro se vai entre iniquidades e incertezas. Chegou cheio de boas intenções, pleitos, eventos, manifestos... Mas não resistiu à pressão da história. Essa história assim, sem grandes agás.

Veio e se livrou do inverno em um tórrido dia de verão para dar passagem a uma primavera que chegou chuvosa e que, só agora, começa a ensaiar seus azuis. Primavera com um vento friozinho, indício de inesperada neve no sul.

O mês teve seus bons momentos. Lua bem cheia. Noites claras e alguns dias memoráveis. De resto, se deixou levar pelo mundo e seus acontecimentos. 

Nada mudou. Que nada muda em um mundo boquiaberto e mudo, perplexo diante de mutantes fatos e fardos. Somos o planeta das expectativas. Um imenso tabuleiro de xadrez que nos oferece apenas um grande xeque mate. 

Setembro se esgueirou por entre discussões: espionagens, armas químicas, controle nuclear, dólar alto, impunidade, queda da inflação, Angela Merkel, tornados sertanejos, novos partidos, corrupção, outros novos partidos e as sempre mesmas velhas e gastas propostas. E tudo ao som de muito Rock´n´Roll!

Foi setembro que mudou ou terá sido eu? A primavera é estação de renovadas esperanças! Mas aqui, pelo meu jardim, ainda nada floresceu. É bem verdade que tem uns pezinhos de Maria-sapeca com uns brotinhos de nada, mas tudo ainda muito esmirrado.

Ontem, depois de muito tempo,  decidi fazer minhas sobrancelhas. Eu mesma, diante do espelho. Pinça em punho e a luz cruel de uma lâmpada de LED a me denunciar. Com a dedicação de uma monja, consegui retirar todos os fios brancos...

Tempo... Tempo... Dá um tempo! Com que rapidez você conseguiu virar as páginas dessa minha história! 

Setembro não mudou em nada... O que mudou, percebi ontem diante do espelho, foi o meu olhar... 

Parece que foi ontem que, em setembro, as primaveras floriam!

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

CONVITE





Às vezes
Olho de lado para a vida
Cabreira
Desconfiada

Às vezes
A vida me retribui o olhar
Com um sorriso

Outras
Passa batida
Passa tão rápido 
 Nem liga pros meus medos

De vez em quando
Passa
Nem me olha
Mas depois
Depois
Quando já está virando a esquina
Volta seu rosto
Olha para trás
Olha para mim
Olha pro bem dentro do não sei de mim
Me dá um sorrisinho malicioso
Me pisca um olho 
E me diz
Vem

Nunca pude resistir a seu convite
Dispo meus paraquedas

Salto no abismo 

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

AO SOM DO MAR E A LUZ DO CÉU PROFUNDO



_ "Alô!"

_ "Alô! Com quem deseja falar?"

_ "O Gigante está?"

_ "Está sim senhora, mas não pode atender. Ele está descansando." 

_ "Desculpe, mas será que você poderia acordá-lo? É importante. Nós tínhamos um encontro e ele não apareceu. Estou esperando por ele há algum tempo."

_ "Iiiiihh... Não vai dar não senhora. Quando a gente tenta acordar ele é um problema. Fica com um mal humor. Tem uns dois meses atrás, ele teve um tipo de insônia e ninguém aguentou com ele aqui em casa. A senhora sabe. Eu sou a faxineira. Venho aqui só uma vez por mês. É uma sujeirada de matar e eu prefiro que ele fique dormindo, que aí não me atrapalha. A senhora não pode imaginar o que tem de sujeira aqui. Só debaixo dos tapetes, eu gasto um tempão pra tentar limpar. E nunca fica limpo. Um horror!"

_ "Me desculpe, mas é importante. Tem tanta gente dependendo dele acordar..." 

_" Olha, liga mais tarde. Vou ver se ele acorda."

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_"Alô! Sou eu de novo. Será que o Gigante pode atender agora?"

_"Iiiihhh... Foi por pouco. Ele deu uma acordadinha, mas já tá dormindo de novo. A senhora sabe, eu acho que ele tem aquela doença que parece zumbi. Parece que tá acordado, mas tá dormindo."

_"Desculpe novamente, mas é importante..."

_" A senhora sabe, eu acho que ele tá virando mesmo zumbi. Acorda, olha pra mim e diz que, de agora em diante, quer tudo bem limpinho. Até parece... Nunca ligou pra sujeirada toda da casa... Peraí... Tô ouvindo um barulho no quarto. É ele. Acho que ele acordou. Vou chamar..."

...........................................................................................

_"Alô! Gigante? É você?"

_"Sou eu sim. Quem é?"

_"Sou eu. Tô te esperando há um tempão!"

_"Mas eu já não fiz minha parte? Dei uma acordadinha...Lancei meu heroico brado pra todo mundo ouvir..."

_"Pois é, mas não foi suficiente. Na verdade, deu só um gostinho..."

_"Gostinho? Foi o sol da liberdade em raios fúlgidos, isso sim!"

_ "Foi só gostinho sim,  Gigante. Tem muito mais pra se fazer."

_"Muito mais como? Há dois meses atrás eu estava ótimo! Estava mesmo um impávido colosso! Foi só eu aparecer que as passagens dos ônibus abaixaram. Acabaram com a tal da cura gay. Foi PEC pra tudo quanto é lado. E teve muito deputado e senador pulando num pé só! Conquistei tudo com meu braço forte! Assustei até à presidente!"

_"É presidentA, Gigante."

_"Pois é. E agora você quer que eu erga novamente da justiça a clava forte? Tô fora. Tô cansado!

_"Mas Gigante, se não for você, quem vai? É você que faz as coisas acontecerem."

_"Comigo o pessoal não foge à luta, né?"

_"Isso..."

_"Mas o que é que você quer mais? Os royalties do petróleo vão resolver todos os problemas da educação e da saúde. Tem um monte de médico cubano em todos os rincões do país. Quase fizeram um plebiscito...  O que é que você quer mais? A pátria é amada, idolatrada, salve! salve!"

_"Gigante, ainda tem muito problema. Muito a fazer..."

_"Roooooooooooooo.... Zuuuuuummmm......"

_"Alô, Gigante! Gigante! Cê tá dormindo?"

_"Oi? Dei uma cochiladinha. Você é muito chata. Você vê tudo pelo lado negativo, pô! Nossos campos têm mais flores e nossos bosques têm mais vida!"

-"Gigante, eu nem falei dos problemas da ecologia! Nossos campos e bosques estão mal!!!"

_"Desiste. Eu não vou pra rua novamente. Tem esses caras mascarados que quebram tudo e da outra vez me jogaram gás de pimenta no olho. Um horror! E ainda ficam me chamando de mãe gentil... É dose! Não vou não."

_"Mas... Alô! Alô!?..."

_"Roooooooooooooo.... Zuuuuuummmm......"

_"Alô!!!!!!!!"

_"Alô. Aqui é a faxineira. Ele dormiu  bem aqui no sofá. A senhora me desculpa, mas eu vou ter de desligar. Sabe, eu tenho que ir embora pra casa. Desde que abaixaram o preço de meu ônibus, tá difícil de pegar um. Dizem que os homi diminuíram a frota. Sei lá, mas tá difícil. Até logo. Liga outro dia. Mês que vem tô aqui de volta pra limpar a sujeirada. A senhora sabe, quando não dá tempo, também jogo o lixo pra debaixo dos tapetes... Até logo."

_"Até..."


Nota: Foto by Eulália Fernades

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A HORA TORTA



Tenho um mal fadado hábito de acordar às três horas da manhã. Mais precisamente, às três e dezesseis. Acordo e o relógio da TV me saúda com seu olhar neon... Bem vinda ao mundo dos vivos! São três e dezesseis!

Esta é a minha hora torta. Se tudo vai bem, vasculho em minhas entranhas algo que possa me preocupar e começo a pensar naquilo. Mas, se realmente há algum problema, ah... Aí é a festa. É a hora de, como dizia minha mãe, caraminholar.

Nesta hora torta, ao longo de minha vida, fui várias vezes demitida e muitas vezes pedi demissão. Perdi prazos. Não cumpri compromissos. Deixei de entregar trabalhos. Não consegui planejar aulas... Ai, esta hora torta. A hora de minhas angústias!

Enquanto o mundo dorme, eu me embato com meus fantasmas e minhas aflições. 

Para mim é a hora do dinossauro, quando eu, mulher neandertal, estou diante da besta. Adrenalina a todo vapor. Corro ou enfrento a fera? E, normalmente, nesta hora, corro e enfrento a fera! 

É a hora do E se... E se acontecer isto? E se acontecer aquilo? E se não acontecer o que eu espero? E se as coisas derem errado? E se eu não tiver saída? E se... E se... E se...

Na hora torta, travo diálogos os mais tensos com meus oponentes. A imaginação voa e começa a réplica, tréplica, sem direito a pausa para respiração. Se ele falar isso, eu respondo aquilo e aí ele vai me olhar e fazer silêncio e eu vou encará-lo e, então, digo aquilo que estava há tempo guardado no bolso do colete. E ele vai me responder assim e eu, rápida, digo logo assado. Ele vai ver. Nem vou falar alto. A postura é muito importante... Mas, e se ele falar aquilo? Então, só vai me restar falar mais alto e responder daquele jeito que eu sei fazer... Ufa! Longas, infindáveis discussões, onde, entre mortos e feridos, não se salva ninguém. 

A hora torta é a hora dos medos. Minha hora celacanto dos filmes de Nacional Kid. É também nela que tento me acalmar de maneira maternal... Calma, Patricia. Calma. Isso não vai acontecer. Relaxa. Pensa só em coisas boas. Mas quem pode relaxar, quando se tem de resolver tanta coisa? Não tenho tempo para relaxar. Tenho de pensar o que vou fazer amanhã, bem cedinho.

A hora torta é a hora das listas. Amanhã tenho de fazer isto e isto e mais isto e mais aquilo. E não posso me esquecer daquilo outro que é essencial para minha sobrevivência. Sem esse aquilo, não vai dar para fazer aquele outro negócio que é fundamental... 

A hora torta é a hora do looping, da repetição. A mesma cena, normalmente desagradável, vai se repetindo ad nauseum, em maquiavélico mantra.

É a hora em que me atrapalho em orações. Misturo Pais Nossos com Aves Marias e fecho tudo com um Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador...

Meu acupunturista diz que três horas da manhã é a hora do fígado. Pelos sintomas que tenho, preciso parar de beber e não posso mais comer comidas pesadas. Meu fígado se virou contra mim!

A hora torta é a hora de fritar na cama. Ir ao banheiro. Tomar um leitinho morno. Tomar um meio tarja preta, se a situação assim o exigir. Mas...

Mas o bom é que ela passa. Às vezes, demora um pouco mais... Mas passa. E, de repente, já tem passarinho cantando e você se aconchega na cama de um jeito diferente que dá um soninho... E ainda dá tempo de se dormir um pouquinho... Às vezes dá até pra sonhar.

A manhã seguinte, de vez em quando, é pesada... Quando os fantasmas e duendes estão mais hiperativos. Às vezes não. Você acorda e tem um dia novinho pela frente. E tudo volta a seu ritmo. E você faz o que tem de fazer. O que dá pra fazer. E entrega a vida ao destino. E vive. Que é o que se pode fazer...

E jura de pé junto que na próxima noite, quando acordar às três e dezesseis, nem vai ligar... Até que o relógio da TV te saúda em alto e bom neon... Bem vinda ao mundo dos vivos! São três e dezesseis!

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)