sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A CÁPSULA



Cheguei em São Paulo na 3ª feira. O vôo Caracas/Sampa foi tranqüilo, mas aterrissei em uma cidade em pleno caos. A sorte foi que optei por fazer a conexão em Guarulhos, pois se tivesse seguido o que normalmente faço e ido para Congonhas, provavelmente ainda estaria tentando chegar ao Rio.



O caos, na verdade, não era absoluto. Tenho que ser justa. Havia teto para voar, nenhuma bagagem foi extraviada, os passageiros passaram pela imigração e alfândega ordenadamente e até havia algumas coisas interessantes na Free Shop. Para que eu chegasse ao Rio só faltava uma coisinha básica: os pilotos. Eles, apesar de toda a sua expertise para deslocamentos velozes e sob intempéries, simplesmente não conseguiam vencer as inundações do Tietê e do Pinheiros. Assim é São Paulo. Grande. Caótica. Deslumbrante.


Esperei.


Depois de mais ou menos duas horas e de uma longa conversa com um americano que tentava entender o que estava acontecendo e, principalmente, o que era a cidade de São Paulo, consegui levantar vôo e chegar a um Rio de Janeiro caótico e semi-inundado. Estivera eu em Kopenhagen, seria um testemunho vivo de que o clima do planeta realmente enlouqueceu.


Mas cheguei.


E, depois de três dias de correrias entre bancos, visitas a amigos, reunião na Cultura e ida a Niterói, acordei às 5:30 da manhã de 6ª feira na ... onde mesmo que eu estou? ... Ah, sim ... na cápsula.

Decidi me levantar.

Olhei a minha volta e mantive um silêncio sepulcral. Márcia continua ficando no apartamento durante a semana e dormia profundamente. Como eu sou International Vagabond e ela anda trabalhando enlouquecidamente, decidi respeitar o seu descanso.


Fui para a sala e me sentei na cadeira de balanço, um dos poucos móveis que restou das três casas onde eu morava antes de ir para Caracas. Fiquei um tempo me embalando e lembrando de tantas coisas que passei naquele apartamentinho do Humaitá.


Quando fui para a Venezuela, Márcia me sugeriu que eu escrevesse uma peça de teatro chamada A Cápsula. Na verdade, a gente costumava brincar sobre esta peça já fazia algum tempo. Tínhamos certeza que seria um sucesso!Ficávamos pensando que atrizes poderiam fazer as nossas personagens, como seria o cenário, a iluminação... A trilha sonora nós já havíamos escolhido: Roda Viva de Chico Buarque... A gente vai contra a corrente / até não poder resistir / na volta do barco é que sente/ o quanto deixou de cumprir...


Era assim que eu me sentia naquela época. Uma devedora de mim. Correndo muito para chegar a lugar nenhum.


Cursos, palestras, congressos, reuniões, o MBA e a permanente distância de Silvio. A gente ria, brincava sobre o assunto, mas quanto mais passava o tempo, mas pesava estarmos longe um do outro. Afinal foi uma espera de dez anos para que nós pudéssemos jantar juntos em um dia de semana. Dez anos para podermos conversar ao vivo e a cores depois de um dia de trabalho. Dez anos para que pudéssemos até ter tempo para brigar. (Quem tem tempo de brigar se só tem o final de semana para estar junto?) Mas brigar faz falta também.


Olhei novamente a minha volta. O dia já tinha amanhecido e havia lá fora uma mistura que só acontece na Rua Humaitá: passarinhos cantando, uma cigarra sobrevivente da chuva torrencial da noite anterior e o barulho do trânsito começando a ficar cada vez mais pesado.


Como a cápsula mudou nesses quase sete anos! Quando alugamos o apartamento de Jorge, o lugar era um chiquê, tinha até cadeiras assinadas por designer famoso. Depois, quando comprei o imóvel, ainda tentamos dar um charme ao espaço, mas com a minha viagem, ele foi ficando cada vez mais cheio de livros, móveis, utensílios. Coisas que eu insisto em preservar.

Acho que a cápsula é uma espécie de metáfora de mim. Ou talvez seja uma fiel parceira em minha trajetória. Tanto ela quanto eu fomos nos adaptando às novas realidades. Reinventamos espaços. Fomos nos desfazendo de supérfluos. Preservamos apenas o que nos parece essencial e, mesmo assim, de vez em quando fazemos novo balanço e sempre encontramos algo para jogar fora.


Talvez não tenhamos mais o glamour de cadeiras assinadas, mas ... preservamos a cadeira de balanço, onde embalamos os mais recônditos sonhos e deliciosas recordações.




(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

4 comentários:

Lúcia disse...

Oi Pat, lembro que rimos muito, Elza, Bia e eu, naquela noite na Cobal, com suas histórias sobre "A Cápsula". Gostei de ver algumas fotos do local e de saber que vc está aqui, que bom. Vamos marcar um encontro?
Beijos e seja bem-vinda,
beijos

Lúcia

Alzira Willcox disse...

Quer dizer que você está no Brasil! Sempre bom sabê-la por perto, embora certamente não haja previsão de nos encontrarmos.
Cadeiras de balanço antigas são um verdadeiro memorial. Estou lutando porque preciso me desfazer de uma que está infestada de cupins. Mas luto porque embalou meus filhos e meus sonhos com eles...
Bjk

Elza Martins disse...

Vivi bons momentos na cápsula quando ela pertencia ao Jorge. Ele deu este nome a ela num momento de lucidez ímpar pois ela parece uma cápsula mesmo, bem pequena mas cabe um monte de coisas, até cadeiras assinadas ou de balanço.
Cabe também muita amizade e isso é o que faz a cápsula ser um lar para quem quer que nela chegue.

Celina disse...

A cápsula é tão mágica quanto você, tem sempre um welcome..
bjs