sexta-feira, 3 de maio de 2013

OLHARES

 
 
Nas últimas semanas tive três sonhos que, a princípio, não têm nada a ver um com o outro, mas que me marcaram por um mero (?), simples (?), um único detalhe: o olhar.
 
Não me lembro do roteiro de um deles e, dos outros dois, ficaram só umas farripas de história, como tela esmaecida ou tecido roto que de nada serve. Mas nos três sonhos havia um olhar.
 
Em dois deles, eram mulheres de já certa idade que, através de olhares, se impregnaram em mim.
 
A primeira me olhou por um longo tempo. Longo tempo. Um olhar triste e doce que na distância de seus olhos escuros e mulatos se comprazia em me olhar. Um olhar de carinho e cuidado. Eu não conhecia o seu rosto nem tão pouco seus olhos. Uma desconhecida. Entre nós duas não havia nada mais que o seu olhar. Eu sou aquela que te conhece há muito tempo, me disse. E, então, acordei.
 
A segunda não olhou para mim a princípio. Foram meus olhos que se prenderam a ela. Era pobre, meio bêbada, maltrapilha e caminhava ao acaso em minha direção. Dessa vez foi o meu olhar que invadiu sua nórdica imagem. Olhar triste e doce. Comovido. As pessoas vêm lá de baixo para beber, me disse com um forte sotaque. E, então, cumpri o gesto dos impotentes e lhe dei um dinheiro. Acordei.
 
O último sonho. Foi esta noite. Era um homem. Um velho. Um senhor. Não me lembro do sonho, me lembro do olhar. A principio, doce e triste. Fixo. Físico. Olhos de gente olhando para mim. E, aos poucos, foi se fazendo retrato. Em preto e branco. Não. Era um quadro. Olhos a óleo, com as pupilas em conta, brancas e luminosas. Pupilas de pérola olhavam para mim. E, então, acordei.
 
Que olhos são esses que a mim me pertencem porque passeiam em meus sonhos?
 
Enquanto escrevo, do alto da estante, um livro me chama: O OLHAR. Uma coletânea de textos sobre o assunto.
 
Intrigada, decido folheá-lo ao acaso. Quem sabe eu entenda? ... Quem sabe, a resposta?...
 
Página 327, por acaso. Um artigo de Leyla Perrone-Moisés: PENSAR É ESTAR DOENTE DOS OLHOS. (Epa! Uma mensagem cifrada?) Um estudo sobre o olhar na poesia de Fernando Pessoa e de seus heterônimos!(Epa! Apenas uma coincidência ou eloquente sincronicidade?) 
 
Olhei intrigada para o texto. O que tudo isso quer me dizer? Para mim que passei um tanto da vida estudando e escrevendo sobre Fernando Pessoa e seus heterônimos.
 
Corro os olhos pelo texto, esbarro em poemas. Pessoa, Caeiro, Reis e Campos... Olhos e sonhos e Deus e luar. Olhos e sonhos e sinuosas figuras.
 
Pessoa me interroga: Por que então minha vista/ Por meus sonhos se perde?
 
Caeiro me segreda: O meu olhar é nítido como um girassol...
 
Reis, com seus deuses e ninfas, nos informa: Olho os campos, Neera,/Campos, campos, e sofro...
 
Mas é Campos quem exclama, clama e repete: Não, não, isso não!/ Tudo menos saber o que é o Mistério!/ Superfície do Universo, ó Pálpebras descidas,/ Não vos ergais nunca! O olhar da Verdade Final não deve poder suportar-se!
 
Que seja. Que assim seja. Freud não me explique, por favor!. Aqui interrompo o meu texto.
 
Quem sabe um dia eu consiga entender, com a nitidez de um girassol, mas sem sofrer, que verdades estão guardadas naqueles olhos... Olhos e olhares que a mim me pertencem, porque invadem os meus sonhos... Doces e tristes.
 


Quem sabe algum dia eu consiga entrever, através de oníricos cristalinos, o fundo do poço às avessas e, por fim, consiga entender.
 
Quem sabe algum dia? Algum dia, quem sabe?


(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

Um comentário:

Eulalia disse...

Querida...
O essencial é visível para "esses" olhos...

Vejo você... "brincando" de essência...

beijos doces