sexta-feira, 9 de outubro de 2009

DA ILHA DE CAPRI AO SOL DA TOSCANA



Saimos cedo de Sorrento, mas ainda deu tempo de conhecermos uma fábrica de marchetaria com produtos lindíssimos. Nunca pensei que os trabalhos fossem feitos com lâminas de madeira tão finas. Pura arte.



De lá para o cais, rumo a Capri. O guia foi insistente: Temos que chegar à Gruta Azul antes dos japoneses, porque senão vamos esperar um tempão para entrar. Aquilo me soou quase como uma operação de guerra. Brasileiros, australianos e demais aliados prontos a enfrentar o inimigo comum. A estratégia deu certo. Chegamos ao catamarã antes dos japoneses, nos colocamos em melhores posições para ver a chegada à ilha e tomamos os barcos para a Gruta, sempre à frente dos demais. Apesar da corrida, chegar a Capri faz bem à alma. Tudo é simples e bonito. E há um burburinho, uma mistura de vozes, diferentes línguas, água batendo no cais e uma música...


Fomos costeando a ilha até chegarmos à entrada da Gruta. Aí sim, uma operação de guerra. Mar batendo, barquinhos à volta, barqueiros gritando e, num pulo, você se atira no barquinho e, agachado no chão, está pronto para enfrentar a entrada. Por sorte a maré estava baixa, se não, não dá para entrar. O barqueiro grita: uno, due, tre! Você abaixa a cabeça e tchibum! Está dentro da Gruta. A total escuridão explicita o azul do chão. Os barqueiros cantam, levantam os remos para que a gente possa ver a água brilhante caindo no mar. O SOLE MIO!!!!


Foi bom voltar. Depois de tanto tempo. Quando estive com Silvio na Itália, o clima não permitiu que fôssemos a Capri. Então, só agora, eu pude me encontrar, na escuridão do momento, com aquela moça cheia de sonhos que tinha ficado perdida por trinta anos na Gruta. Uma Patricia que já não existe hoje em dia. Nos entreolhamos e sorrimos uma para a outra. Molhamos juntas as mãos na água e juntas vimos gotas brilhantes caindo de nossos dedos. Ela não me falou de seus sonhos e eu não tive coragem de lhe contar que muitos não se realizaram. Quis me aconchegar em sua juventude... mas o barqueiro nos avisou que era hora de abaixar novamente a cabeça. Hora de sair. Voltar para o mar aberto. Uno, due, tre e tchibum. Como em um parto, voltamos à luz do dia. O SOLE MIO!!!!


Depois da Gruta, a ilha. Silvio parecia uma criança. Queria registrar tudo. Ele, que normalmente é tão preguiçoso, tomou a câmera da minha mão e saiu fotografando. É lindo ver como esse gaúcho de Santa Maria da Boca do Monte pertence ao mar.




Enquanto almoçávamos, o guia nos falou de um teleférico que chega ao topo da ilha. Eu já sabia, seria inevitável subir. Silvio também é apaixonado por teleféricos e topos de ilhas. No Canadá, subi em todos e, na Grécia, fiquei especialista em dirigir até o ponto mais alto de muitas das Cyclades.


A subida é linda. A ilha vai se espraiando diante de nós. Me lembrei de minha amiga Cida enquanto subia. Podia vê-la dizendo: Você é maluca! Ia vendo as escarpas, os limoeiros, o mar ao longe... e Silvio na cadeirinha de trás me gritando: Está filmando? Está filmando?





Depois tudo foi muito rápido: cais, Nápoles, ônibus, estrada, placas indicando a chegada a Roma. O hotel, um bom banho e o sono dos justos e dos exaustos.


No dia seguinte, como a agência de turismo continuava na frente do hotel, decidimos passar por lá para ver se havia outro passeio que pudéssemos fazer. Eu queria muito voltar a Florença. Queria que Silvio visitasse a cidade. E assim, foi. Escolhemos uma excursão de um dia. Uma visita rápida, mas daria para ele ver o sol da Toscana.



Dessa vez, o programa só não foi de índio, porque estávamos na Europa.


Bem cedinho, uma vanzinha veio nos buscar no hotel e nos levou a um ponto de encontro junto à Santa Maria Maior. Havia muitos turistas e ninguém sabia que ônibus nos levaria a Florença. Depois de entrar e sair de vários, sempre seguidos por um casal que falava uma língua de formiga (depois descobrimos que eram libaneses), conseguimos encontrar o veículo certo, mas aí o ônibus já estava cheio e só nos restou um dos últimos bancos, a cozinha mesmo. E por falar em cozinha, nossas companheiras eram três latino-americanas (depois descobrimos que eram hondurenhas) que fizeram no banco seu picnic particular. Cabe registrar um detalhe bastante relevante: era terminantemente proibido comer no ônibus. Como em um golpe de estado, as hondurenhas decidiram transgredir e abriram um farnel que ia desde leite e pão ao indefectível frango, não só assado como defumado também. O cheiro foi se espalhando como um rastilho de pólvora, como gás lacrimogêneo. Apesar da proibição, ninguém questionou o desayuno. Alguns se entreolhavam, como o casal de espanhóis a nossa frente, mas ninguém falou nada. Se elas só comessem dava para resistir, mas elas falavam. Falavam muiiiito! O tempo todo. E falavam alto, porque duas delas, já bem entradas em anos, eram surdas, com direito a aparelho e tudo. Me senti em plena embaixada brasileira em Tegucigalpa, cercada pelas forças rebeldes. Não tive coragem de perguntar se elas eram contra ou a favor de Zelaya.



E assim, entre frangos, iogurtes e conversas, atravessamos o Lazio, a Úmbria e chegamos a Florença.







De imediato, descobrimos que setembro é o mes em que a cidade é mais visitada. imaginem a praia de Copacabana em um dia de verão escaldante. Quando a gente diz: Nossa! Não tinha lugar nem para eu colocar meu pé na areia! Pois é, a única diferença era que ao invés de barracas, o que se via era uma sucessão de sombrinhas, jornais, bandeirinhas, ursinhos e tudo mais que os guias usam para se identificarem e não se perderem do grupo. Nossa! Não tinha lugar para eu botar o meu pé na praça, no museu, na rua, na igreja ... Não tinha lugar. Mas deu para a gente ver as coisas. Eu aguardava a reação de Silvio com relação à Catedral. Ele a olhou, olhou e me disse: Podiam lavar o mármore, né? Eu quis morrer. Mas gostou da porta do batistério, e do Davi, e da igreja de São Francisco. (Estavam todos bem limpinhos!)



Na hora da saída, a guia descobriu que faltava um espanhol. Todos se modilizaram, mas como é que se acha um espanhol no meio daquele caos? A esposa teve uma idéia. Ligar para o celular dele. Todos achamos que era a saída. E qual não foi a nossa frustração quando, logo depois de ela ligar, um tilintar em sua bolsa indicou que o celular do marido estava com ela. E nós lá, às margens do rio Arno, esperando. Silvio decidiu dissertar sobre a poluição do rio. Não sei o que está acontecendo com ele e essa fixação por limpeza. E foi então que alguém gritou que o espanhol tinha sido encontrado. Estávamos prontos para partir. Me lembrei das hondurenhas. Eu me negava a repetir a odisseia da ida. Como o casal libanes ia ficar em Florença, sobrou um lugar a nossa frente e eu decidi ocupá-lo. Não entendi por que Silvio preferiu ficar no banco de trás, bem a frente de nuestras hermanas. O ônibus saiu, a conversa começou, Silvio começou a roncar, e todos pareciam bem felizes. O idílio só foi interrompido quando ele decidiu abaixar o banco e espremeu a hondurenha mais velhinha. A senhora gritava:!Estoy apretada! !Apretada! Não sei se foi por vingança ou por sono mesmo, mas ele nem deu bola. Continuou a roncar.


E aos poucos, elas pararam de falar, Silvio parou de roncar e o sol foi se pondo nos campos. E eu, que tinha dado a viagem por perdida, fui desvendando o entardecer. Finalmente, como no filme, eu me sentia sob o sol da Toscana.







Chegamos a Roma a tempo de jantarmos no La Fontana, um restaurante que fica em uma das transversais da Via Venetto. No dia seguinte, um pouco de Roma, um tanto de descanso porque já era hora de voltar.


O carro veio nos buscar às quatro da manhã. O voo para Frankfurt saiu no horário e o de Frankfurt para Caracas também. Atravessamos o Atlântico e andamos seis horas e meia para trás. Chegamos em casa ainda dia, mas, para nós, já passava da meia noite.


E foi por causa do jetleg e da loucura do fuso horário que acordei no dia seguinte de madrugada. Amanhecia em Caracas e a minha frente, como a me saudar, lá estava o Ávila, se espreguiçando entre núvens e o nascer do sol.

(in pblower-vistadelvila)

4 comentários:

Bia Veiga disse...

Oiii,
há algum tempo não tenho passeado por aqui e lido seus textos tão gostosos, suas histórias hilárias...
Vou conhecer sua viagem de trás para frente. Estou começando com essa parte da Toscana e Capri.
Como sempre, é muito agradável acompanhar suas aventuras, parece que estou aí pertinho ouvindo você contando todos os detalhes. Muito incrível!
bjs

Alzira Willcox disse...

O seu jeito de escrever narrativas é tão vívido que nos transporta. Se já conhecemos o lugar onde se passam os eventos, imediatamente os identificamos.
Florença borbulhante de gente. Eu vi esse filme há nove anos atrás e não era setembro. Era julho.
Mas fiquei emocionada, comovida mesmo lendo o seu diálogo com a Patrícia jovem, na Gruta de Capri. Lindo. Fruto de grande sensibilidade. Encantou-me.Valeu!

Celina disse...

Minha primoca querida! Sempre converso com aquela Celina, prima daquela Patrícia. E aquela Patrícia sempre está presente. Sonhos que não se realizaram? Eu nem dou bola pra eles. Ser feliz é estar distraída...
Amei!!!

monica disse...

Oi,
tremenda obra-prima,você conversando com você, muito maneiro.
Mônica