quinta-feira, 25 de julho de 2013

DEUS É BRASILEIRO




Acordou da sesta mais cedo que de costume. Senhor, Senhor, avisou Pedro. Estão dizendo que o avião vai aterrissar antes do esperado.

Ainda meio estremunhado, agradeceu ao amigo e, entre carinhoso e sisudo, ponderou: É a primeira viagem internacional. Vamos ver como ele se sai. Foi bom essa coisa de ser na América Latina que é terra conhecida. Já imaginou se ele tivesse de começar pela Palestina?

De repente, Pedro indicou um pontinho no céu. Olha ele chegando!

Que nada, este não é avião de carreira. Este é o do povo oficial. Vai ter toda aquela parafernália de cornetas e saudações e só depois é que ele chega. Vamos esperar por aqui. Assim falou o Senhor.

E ficaram ali, os dois, olhando lá do alto.

Olha lá, Pedro... Agora é ele. Está vendo as bandeirinhas?

É verdade! O povo está se remexendo todo. Tem banda e coral. É ele sim. Tomara que corra tudo bem! Respondeu Pedro, um tanto ansioso.

E ficaram ali, os dois, olhando lá do alto.

E o avião aterrissou. E houve todos aqueles salamaleques. E foram chegando os carros oficiais... Tudo grandão, preto e de chapa branca... Mas, ele pegou um carrinho prateado, tipo aqueles que a gente aluga pela Localiza. Acho até que tinha placa de Curitiba. E seguiu o seu caminho.

Pedro, gostei. Mostrou firmeza. Simplicidade. Gostei. Será que o povo vai entender?

Senhor, acho que sim. Todo mundo já conhece o estilo dele. Gostei do carrinho.

E ficaram ali, os dois, olhando lá do alto.

A comitiva foi seguindo sem problemas e foi adentrando a cidade do Rio de Janeiro.

Pedro, sei não... É hora do rush... Olha lá a Candelária. Esta eu conheço... Presidente Vargas na hora do rush... Sei não...

Fique tranquilo, Senhor. Foi montado um esquema especial. Deram até ponto facultativo. Está tudo planejado há muito tempo. Afinal, todos já sabem desse evento há mais de um ano.

Pedro, sei não... Olha o montão de ônibus ali na frente. Por onde o carrinho vai passar?

Tenha fé, Senhor...

Quê?... Olha o respeito!

Desculpe, Senhor... Vai funcionar.

E ficaram ali, os dois, olhando lá do alto.

Não demorou muito e Pedro gritou: Senhor! O carrinho entalou! Caiu no engarrafamento!

Eu não disse... Isso é coisa daquele lá debaixo! Bradou o Senhor.

Aquele não, Senhor. Agora é aquela... Pedro tentou explicar.

Não! Não! Tô falando daquele de mais de lá debaixo. Ele está querendo estragar a festa! Você não disse que as autoridades tinham planejado? 

Não sei o que aconteceu... Pedro desculpou-se. Mas Senhor, olha a prova de que o povo o ama com fervor. Olha a quantidade de gente cercando o carrinho.

Silêncio! Vamos ouvir o que estão falando. Estou começando a ficar preocupado.

E, lá de cima, se puseram a ouvir os daqui de baixo. 

Seu Papa, Seu Papa... Vai de biscoitinho Globo? Tá fresquinho. O pacote é dois real. Como o senhor é Papa, posso fazer por um e cinquenta, mas o senhor sabe, né? Essa inflação...

Raquete pra matar mosquito! Olha a raquete! Pra matar o mosquito da dengue! Leva uma, Seu Papa, que eu tenho filho pra criar. 

Pano de chão e flanela! Dois por dez! Leva, Seu Papa. Faço três por dez.

Os seguranças tentavam intervir, mas controlar ambulantes em pleno engarrafamento, nem por milagre.

Seu Papa, Seu Papa, olha ali. É a minha família inteira, gritou o rapaz com a camiseta do flamengo.  O Papa entendeu o pedido e olhou pelo vidro da frente, quase que por instinto. Olhou e viu uma mulher magrinha que tinha um menino em cada coxa e cada menino esmirrado equilibrava uma menina menor, e as duas se abraçavam lá bem no alto e seguravam um bebezinho de colo. Viu, Seu Papa. É malabarismo! É de circo! Eu chamo de pirâmide familiar! Vale um trocadinho, não vale?

Quando o Papa ia responder, alguém empurrou um dos seguranças que gritou: Cadê o meu ponto de comunicação da orelha?!... Perdeu, perdeu, perdeu, segredou o meliante, e continuou... E você aí de branco, vai me passando este anel... Quando o Papa entregou o anel, o malandro perdeu a compostura. Qualé, mermão? Esse anel num tá cum nada! Compro dois desse ali no Saara e nem tenho de me arriscar. Quero coisa mais fina! O Papa não se fez de rogado e apontou para a cruz do cardeal sentado a seu lado.

Foi nessa hora que ele lá de cima decidiu intervir. Pedro! Faz o bebe real nascer! 

Pedro não entendeu nada. Bebe real? Do que o Senhor está falando?... E o Senhor falou, como se fossem palavras da salvação... O bebe do príncipe lá da Inglaterra! Aí a noticia sai em edição extraordinária na CNN e esta cena aqui de baixo não passa para o resto do mundo em cadeia mundial.

Pedro saiu pressuroso para fazer o bebe nascer e Ele ficou ali em cima. Olhando e ouvindo... Seu Papa, quer uma água gelada? A garrafa tá um real e ainda te dou um saco de pipoca doce... E, em um ônibus que estava bem grudadinho ao carrinho do Papa, duas mulheres trocavam ideia.  Não aguento mais esses engarrafamentos. Todo dia é isso! E a outra: É... E hoje, até que o engarrafamento não está dos piores. Isso só pode ser milagre do Papa.

Ô meu! Ô meu!... Senhor!... Diga Paulo, falou o Senhor olhando de lado para o santo. Queria mesmo era ver o que estava acontecendo lá embaixo... Então Senhor, Pedro pediu pra te avisar que o bebe já nasceu. Ô meu! Ôrra! Que engarrafameinto, hein?! É por isso que eu digo que o Papa tinha de ter ido lá pra Sampa. Ô meu! De engarrafameinto a gente enteinde. A gente criava um Papacóptero e tava tudo resolvido... E o Senhor falou, Paulo, menos. Para com essa sua mania de grandeza e vai trabalhar!

Pedro voltou pressuroso. E aí? Conseguiu sair do engarrafamento?... Que nada. Agora tem um flanelinha do lado do carro. Ouve só que maluquice!... Seu Papa? Seu Papa? Se quiser, pode deixar o carro aqui. Pode deixar na minha mão em confiança. Tão fazendo um evento aqui no centro e tá difícil de encontrar vaga. Se quiser, eu tomo conta. Como o carrinho é pequeno, eu faço um precinho legal. Cem real na mão e é só deixar o carro solto, tá?

Ao mesmo tempo, um segurança lutava com um outro rapaz que queria por tudo lavar os vidros do carro e gritava, Seu Papa! Eu podia estar roubando, matando, mas estou aqui só querendo fazer meu trabalho honestamente! Enquanto, do outro lado, outro segurança devolvia aos vendedores os saquinhos de bala presos no retrovisor.

Pedro! Pedro! Bradou o Senhor. Chama agora Moisés aqui! Ele que abriu os mares, vai achar um jeito de abrir os caminhos pro Papa passar!

Mas Moisés nem precisou vir. Como em um milagre, de repente, a comitiva do Papa conseguiu abrir caminho e seguir em frente e foi nesta hora que o primeiro carro bateu em um carro da guarda municipal.

Senhor, agora pegou! Proclamou, Pedro.

Seus documentos, por favor. O motorista nem ousou falar nada, enquanto os seguranças tentavam explicar a situação... Quebra essa, é o Papa! Olha como ele acena para a multidão... Meu amigo, tá pensando que eu sou corrupto. Não vem não com essa pegadinha do Fantástico! Tô achando que o motorista bebeu. Vamos checar com o bafômetro... Bebeu não. Só comungou, explicou o segurança. 

E foi aí que Deus se rebelou. Fez um gesto grande lá de cima e os caminhos se abriram para o Papa até a Catedral.

Senhor! O Senhor é o máximo! É por isso que dizem que Deus é brasileiro!, exclamou Pedro em louvor.

É Pedro... Eu posso até ser brasileiro, mas sabe, tô cansado dessa improvisação, dessa maquiagem só pra inglês ver. Me diz uma coisa aqui, meu amigo. Você que é a base de tudo. Será que pegava muito mal se eu pedisse asilo na embaixada do Uruguai? Será que eles me aceitavam por lá? Pelo menos a gente tentava uma dupla cidadania, e só voltava por aqui em feriados e dias santos. Que tal?

Nota: Foto retirada do Google images

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

2 comentários:

O Sili disse...

Amei, Patricia!

Eulalia disse...

Tem jeito não... Deus continua sendo brasileiro... e com a dupla Brasil - Argentina, agora... espero que o jeitinho desses dois países juntos revelem para o mundo a maravilha que tenho visto por esses dias por aqui!!! Estou totalmente surpreendida e encantada, mesmo não tendo religião!

Adorei o conto, querida, você surpreende, a cada vez. Me diverti muito!

beijos!!!