terça-feira, 22 de setembro de 2009

ROMA, CIDADE ABERTA

A viagem foi bastante longa, afinal começou no Rio de Janeiro, onde eu pretendia ficar até 7 de setembro, passou por São Paulo com o jantar das primas que estava marcado há mais de quatro meses, seguiu até Caracas onde me encontrei com Silvio, fez uma escala em Frankfurt e, finalmente, Italia! Uma caminhada de 4a feira a domingo, com muitas emoções, diferentes fusos horários e a deliciosa expectativa de reencontrar uma das cidades que mais amo: Roma, minha cidade aberta! (Como diria Roberto Rosselini).

Enquanto o avião aterrissava, a ficha caiu, já se haviam passado trinta anos desde a primeira vez que pisei em solo italiano. Era a minha primeira viagem à Europa, com direito a se ter vinte e um anos e uma incontrolável curiosodade de viajante.

Da primeira vez que fui, apenas visitei, como turista jovem e sem muita grana, a Via Veneto, desta vez, a rua foi meu endereço. Há pros e contras no passar do tempo: os hotéis ficam mais chiques, mas a gente tem mais rugas e mais ... corpo! Se é que me entendem.

Eu sabia que na primeira semana eu ia ficar por minha conta, já que Silvio tinha uma agenda de trabalho longa e certamente bem cansativa. Resultado: por uma semana a cidade era minha para eu fazer o que quisesse, do jeito a na hora que eu quisesse.

A cidade fervia. Por ser pleno verão, além dos muitos turistas (em especial brasileiros, russos e australianos), o calor era intenso, o sol implacável e o céu de um azul arrogante. Depois da primeira manhã de passeios, em plena Fontana di Trevi, cercada de uma multidão, comprei um chapéu de palha e filtro solar, meus fieis e únicos companheiros de aventuras.

Há uma atmosfera especial quando se está só. Você tem tempo para ver os lugares, mas também para ver detalhes que passam desapercebidos quando se está acompanhado. O silencio propicia observações especiais. O olhar fica mais atento e surgem novos e inesperados ângulos.

Comecei tomando um daqueles ônibus de dois andares que fazem sightseeing. Foi minha estratégia para me reencontrar com os lugares. De câmera em punho, ia fotografando ao acaso. O céu era tão azul que, de vez em quando, a lente subia e registrava uma quina de telhado e o céu, uma estátua e o céu, uma escadaria e o céu. O ônibus ia seguindo e aquele rosado amarelecido pelo tempo e pela poluição que faz de Roma, Roma, ia se impregnando em mim. O meu reencontro com a cor da cidade. Às vezes, não um, mas muitos sinos tocavam em conjunto, anunciando as meias e as horas inteiras.

O Coliseu, o Forum, o Capitolio, a Boca da Verdade, Santa Maria Maior, Piazza de la Republica, o Tibre, o Vaticano, fontes, estátuas, igrejas, esquinas. Ruínas, ruelas e o rumor da cidade. Viva. Cheia. Tórrida.


Os dias que se seguiram serviram para eu refinar o olhar e as visitas.


Passei um dia entre o Coliseu e o Forum, e foi quando descobri que os australianos, russos e brasileiros haviam invadido a cidade. A própria invasão dos bárbaros. Os australianos, esportivos e alegres, querendo ver. Os brasileiros, sempre descontraidos e em sua maioria mulheres, querendo fotografar e comprar lembrancinhas para a familia e os amigos e os russos, ricos e opulentos, querendo COMPRAR e mostrar a todos que podem COMPRAR MUIIIITO. Eles, ou atléticos e com acompanhantes lindas e chiquérrimas ou velhuscos e com acompanhantes lindíssimas e chiquerésimas. (Acho que as esposas russas ficam guardadas na Sibéria por uns tantos meses do ano).

No outro dia perambulei pela Fontana di Trevi, Piazza di Spagna e a Via Veneto. Joguei minha moedinha na fonte e pensei em me atirar na água com ela, por estar a um passo de uma insolação. Afinal, se uma moeda faz a gente voltar, imagina o corpo inteiro, deve resultar em dupla cidadania.
Teve o dia da Piazza di Popolo e seus arredores, onde me diverti vendo a paquera de um garçom romano (bem bonitinho, por sinal) e uma americana. Fico encantada com esta dança entre machos e fêmeas de todas as raças. Ele falava alto, sorria, gesticulava e ela se fazendo de distante, mas sempre com uma pergunta quase sussurrada e um sorriso que todas as mulheres sabem dar ... quando querem dar. (Opa! Escorreguei!)

Mais um dia e fui ver o Capitólio e fiquei deslumbrada com o seu museu. Toda a região é linda. E foi onde pude explorar ruínas, estando protegida por um forte ar condicionado. Mas também subi e desci muita escada e aproveitei para me perder na Piazza Venezia. Escadas, estátuas, jardins e sorvete!


No dia destinado ao Vaticano, eu ia só dar uma passadinha na Catedral de São Pedro para matar saudades da imagem de São Longuinho, que fica bem perto do altar mor, mas no tumulto dos muitos visitantes, escutei uma voz, um trimilicar de sininhos ... Fui chegando mais perto e eu, que cada vez mais me sinto distante da Igreja, me ajoelhei e assisti à missa em uma das capelas lateriais. Missa com direito a comunhão e a me comover silenciosamente. Rezei por todos que amo. Senhor, escutai a minha prece! Dali, depois de uma caminhada a sol a pino, fui ao museu e, seguindo o instinto e as setas, cheguei à Capela Sistina. Uma vez estive lá com Silvio e ficamos sentados olhando o teto, aquele teto. Desta vez, com a capela invadida por milhares de turistas que me seguiam fosse eu aonde fosse, arranjei um cantinho entre um australiano e uma russa e fiquei olhando. Tomei da câmera e fotografei uma das imagens mais fotografadas do mundo: Deus e Adão... mas esta era a minha foto, só minha.


E assim, a semana foi escorrendo entre os dedos, até que, na 6a feira, decidi passar o dia na Villa Borghese. Fui ao museu. Passeie de trenzinho. Comi pizza e tomei sorvete. Fui até ao zoológico, mas fiquei pouco tempo. Achei ridículo ficar olhando elefantes em plena cidade de Roma. Se ainda fossem aqueles usados nas Guerras Púnicas... Um solo de jazz me chamou à aléia principal. Um saxofonista e uma menininha. Ela, deitada em seu colchãozinho e chupando o dedo. Ele, com CDs caseiros e um sax suave, gostoso de ouvir. Sentei em um banco e fiquei ouvindo e vendo as pessoas passar. A menina ensaiou dançar ao som da música. Desistiu e voltou a chupar o dedo. Não sei se o bailado fazia parte do espetáculo, mas não aconteceu. A minha frente, em outro banco, uma senhora, com cara de inglesa e com um chapéu de palha maior que o meu, ouvia também o concerto. Às vezes, sorria para a menina. Às vezes, só sorria, como se lembrasse de algo muito bom, mas que ficou distante, perdido no tempo. Me lembrei de um antigo poema estudado nas aulas de inglês: When I am an old woman I shall wear purple/ With a red hat which doesn't go/ and doesn't suit me. / And I shall spend my pension on brandy and summer gloves/ And satin sandals, and say we've no money for butter. (by Jenny Joseph)



Todas as tardes, eu ia até o Sweet Life, um desses bares/restaurante que fica na Via Veneto. Pedia um cappuccino ou um vinho ou um campari e ficava olhando as pessoas. Ficava imaginando como teria sido aquela rua quando Fellini fez La Dolce Vita (Sweet Life). Ficava ... Alessandro, o garçom, às vezes puxava conversa. Me contou que já tinha estado em Foz do Iguaçu. Falávamos uma mistura de português, espanhol e italiano. Numa dessas tardes, um passarinho decidiu visitar minha mesa. Ficamos ele e eu ali, vendo os carros passar.

E de repente a semana havia passado. Houve sempre bons jantares, onde se falava de negócios e se discutia os contratos e se tomava bons vinhos. E assim chegou a 6a feira, os contratos assinados e a missão cumprida.


Na semana seguinte, alguns dias de férias. Silvio e eu. Que planos teria a Itália para nós dois?

in pblower-vistadelvila)

3 comentários:

monica disse...

Oi Patricia,
Fotos lindas e o texto faz a gente dar um belo passeio por Roma, refiz vários caminhos por onde passei na cidade cor de sépia. Uma tia diz que voltarei a Roma para tomar um espresso e sorvete, não o fiz !!?? quando estive lá.
Bjs,
Mônica

Alzira Willcox disse...

Ah, Patrícia não me canso de ler os seus relatos, sua narrativa sempre cativante. Essa teve sabor especial - eu tenho um amor imenso por Roma. E, além do mais, recheada de belas fotos. Encheu-me de prazer e alegria. Estava com saudades. Bj

Celina disse...

ticha querida,

tirando o calor, que aqueceu seus relatos, toda a paisagem e sabor da sua semana, me fizeram sentir cheiros, visualizar pequenos momentos. Esse momento a sós, é quase sempre revelador...Só entende quem namora! bjs
Celina