segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

CAMBIE DE ESTACIÓN AHORA!!!

Toda a venezuelana é coquetta. Não conheço nenhuma que não tenha uma forte preocupação com sua aparência. Passear pelos shoppings de Caracas é esbarrar em uma sucessão de peluquerias, centros de estética, spas de mãos, unhas postiças, brilhos em jeans, bolsas, travessas para os cabelos, anéis, pulseiras. Muitos peitos de silicone, sandálias bem altas, maquiagem... Costumo dizer que elas são peruas, mas, na maioria das vezes, sabem quando parar. No limite máximo, mas sabem quando parar.
Dizem que aos quinze anos, ou a menina escolhe uma viagem para a Disney ou sua primeira cirurgia plástica. Não sei se é verdade, mas dizem.
É uma questão cultural. Querem ser bonitas, gostam de ser bonitas. Custe o que custar. Tanto em bolívares, quanto em esforço.

Minhas experiências estéticas nunca foram muito bem sucedidas. E com o avançar dos anos, vão se agravando cada vez mais. Por exemplo, hoje em dia só consigo me maquiar em Braille. Perdi 10 kilos depois da operação de vesícula e com o apoio de um endocrinologista de São Paulo maravilhoso... mas, já achei os kilos perdidos, depois de uma viagem ao Havaí. Tenho uma esteira em casa que, como toda esteira, é um excelente cabide.

Quando cheguei a Caracas, achei que ia mudar de hábitos. Tinha tempo para mim e logo encontrei um grupo de mulheres que adoravam caminhar. Elas, certamente, iriam me motivar. Eram alegres, vivazes, cheias de disposição. O máximo! Só que em pouco tempo descobri que todos os dias caminhavam uma média de 9 kilometros! Caminhavam é força de expressão, subiam e desciam colinas e mais colinas. Colinas é força de expressão. Pensem em uma mistura sádica de ladeiras de São Paulo e Barbacena e aí verão as colinas de Caracas.
Tenho amigas aqui que juram que não gostam de fazer exercícios, mas são chegadas a uma colininha. Uma delas um dia me convidou para irmos a um lugar chamado FIGURAS, uma espécie de ginásio onde se faz tudo em 30 minutos. Eu já conhecia o conceito do Brasil. Na verdade, este tipo de academia foi um de meus papers no MBA. Em teoria, eu sabia tudo do lugar.
A idéia é a seguinte: a) só mulheres podem entrar; b) busca-se além do exercício físico, a confraternização do grupo; c) a aluna passa por um circuito de 7 estações, entre máquinas e uns patamares pequenos, onde são feitos os exercícios mais aeróbicos. Tudo em 30 minutos e de 3 a 5 vezes por semana. O circuito é feito de forma sistemática e com uma música bem alta e de ritmo muito forte. De tempos em tempos, a aluna ouve uma voz que indica que ela deve mudar de aparelho. Decidi experimentar.

Minha amiga me disse que o melhor horário era por volta de 3 horas, quando não tinha ninguém e a instrutora ficaria como uma personal trainer da gente. Achei ótimo. Chegamos e realmente éramos só nós e uma instrutora, típica professora de ginástica: alegre, vivaz, cheia de disposição. Expliquei logo que sofria de pressão alta e que tudo devia ser bem devagar. Ela solidarizou-se. O primeiro dia foi moleza. A única coisa estranha era a voz, que robótica e levemente rouca, de tempos em tempos, como em um filme de ficção cientifica nos indicava: “Cambie de estación ahora”. Aquilo me fazia sentir como uma astronauta, saindo de uma estação lunar e indo para outra perto de Cripton.

Estar em uma academia me faz refletir muito sobre a vida... Cada experiência vivida lá é como uma viagem a uma nova estação interplanetária.


Estación 1:

Por que os espelhos das academias me lembram os da sala de espelhos de um circo? Côncavos ou convexos, grandes ou pequenos, sempre nos refletem de forma estranha, inesperada. Mexem definitivamente com a nossa auto-estima.

Estación 2:

Por alguma razão desconhecida, minha amiga nunca mais fez aulas, pelo menos não comigo. Teria ela sido abduzida? Ou a minha total falta de coordenação motora era por demais ridícula?

Estación 3:

Troquei de horário. Faço aulas agora de manhã. A instrutora da tarde era dócil e solidária. Agora, além da voz do robô, a instrutora também fala. Vai me dando ordens em espanhol. Rápidas e incisivas. Estala os dedos junto com as ordens. E eu não entendo nada. Fica uma mistura de descontrole motor com deficiência lingüística. Acho que a instrutora da manhã não gosta muito de mim.

Estación 4:

Voltei ao horário da tarde. Um dia cheguei e era eu e Deus fazendo o circuito. A instrutora dócil, estava bem dócil, tanto que nem ficou na sala. E lá estava eu, solta, entre aparelhos e tabladinhos (Não olho para os espelhos!) Até que chegou uma menina que não tinha mais que 17 anos. Chegou da escola. Não sei se era delírio meu, mas acho que ela ainda estava de uniforme. Começou a fazer o circuito. Não suava. E eu lá, roxa e me dissolvendo. Ela não olhava para mim. Eu fingia que não olhava para ela. Em um momento, ela me sorriu e eu resfoleguei: “Tengo 51 anos.” Ela me sorriu novamente. Nem todos os adolescentes são cruéis.

Estación 5:

De tarde tem sempre menos gente. Fico sozinha às vezes. Deus desistiu do circuito. Acho que a instrutora dócil desistiu de mim. Eu estava lá. Solita. O modelito era simples. Bermuda, uma camiseta grande e larga com o emblema do Liverpool, rabo de cavalo, roxa, suando. E elas chegaram. Sabem aqueles filmes de cowboy em que na rua vazia e poeirenta um grupo de renegados vem andando para enfrentar o xerife. Era assim. Como que em câmera lenta. Chegaram. Eram duas. Uma mais chique que a outra. Tinha uma com um top de oncinha! Ouvi ao longe aquela musiquinha assobiada do filme The Good, The Bad and The Ugly. E dava para ver perfeitamente quem era good, quem era bad e quem era ugly! Decidi mudar de horário. Voltei para o horário da manhã.

Estación 6:

A instrutora sorriu para mim. Acho que não tem nada a ver com a minha performance. Acho que tem a ver com o resultado das eleições. Ela me convidou para a confraternização natalina que vai haver no dia 29. Fico pensando como se pode confraternizar fazendo o circuito. Imagino que seja assim. A cada vez que o robô rouco diz “cambie de estación ahora” a gente troca presentes... come um tequeno ... saúda a companheira. Será que as renegadas vão participar?

Estación 7:

Apesar de tudo. Por incrível que pareça, adoro ir para a academia. Um dia, tenho certeza, chegarei à Enterprise e me encontrarei definitivamente com Doctor Spock!

(com carinho para Sonia e Elziane)


12 comentários:

Lúcia disse...

Querida Pat

AMEI seu texto de hoje! Devo ter queimado algumas calorias de tanto que ri...muito obrigada!
Sua descrição das estações está genial. Incrível como conseguimos (alguns mais e muito melhor do que outros, como é o seu caso) fazer humor, rindo de nós mesmas, depois de algo assim. Mais do que incrível, é saudável! Parabens pelo texto e pelo bom humor.
Grande abraço

Lúcia
www.fazemosdeconta.com

Sonia disse...

Querida Patricia,
Eu não fui abduzida, não. Acabei de chegar da academia. Também tenho ido quase todos os dias, mas não estamos conseguindo nos encontrar, mas tenho encontrado sempre aquelas adolescentes magrelas que fazem os exercícios como um passo de danca...Hoje, quando não conseguia seguir o ritmo muito rápido justifiquei: mas eu tenho 50 anos! E a treinadora (nem tão simpática): e daí? Mas o mais importante de tudo é saber que estamos conseguindo frequentar, não? Bjs. Sonia.

Elza Martins disse...

Querida Pat:
Você já faz parte da minha família. Hoje conversávamos, Lucia e eu, tentando arrumar uma forma de levar a mamãe a se exercitar (sugestão do médico). Falei, então, do "Curves" que abriu pertinho dela. Foi aí que a Lúcia mandou que eu desligasse o telefone e fosse, imediatamente, ler o seu blog!
ADOREI. Poucas vezes vi um descrição tão bem humorada e verdadeira do que passamos numa academia quando não estamos mais (ou ainda) em plena forma.
Muitos beijos saudosos.

Elzinha

Fernando disse...

Olá, Patrícia
Sem dúvida 'solidariedade' é a palavra do dia. Me identifiquei totalmente com suas impressões e sentimentos em relação à academia. Me arrisco a dizer que os homens tendem a ser ainda mais cruéis neste ambiente. Sempre que (re)começo a malhar me torturo imaginando o que se passa por trás dos risinhos dos marombados ao revezar aparelhos comigo. Deve ser algo como: "Esse peso é de quem faz fisioterapia, né?". rs rs
Além disso, há o incômodo de troca de roupa, suor e falta de comunicação do cérebro com os músculos. De qualquer forma, resolução para 2009: Voltar a malhar... ai ai
Bjs e saudades

Alzira Willcox disse...

Acho que rir de si mesmo é uma grande vitória. É quando nos aceitamos plenamente. Adoro as suas narrativas bem-humoradas. Eu caminho 7km todos os dias. Subo o "morrinho" da Boa Viagem quando o joelho me permite. Vou com minhã irmã, o que torna a caminhada muito agradável. O médico já nos recomendou malhar. E a coragem? Depois do seu relato, sinto-me definitivamente inibida nos meus 64 anos.Mas persevere!Bjs

César disse...

hahahaha... Isso dava uma crônica... Aliás, já é uma crônica!! :)

Uns tempos atrás, minha mãe também andou puxando umas barras na academia... a pedido (eufemismo para "convite peremptório") da terapeuta de RPG dela. Foi, ficou uns meses, e agora... pegou um ponto de venda de sorvetes em São Gonçalo, e com essa deliciosa desculpa, afastou-se temporariamente das atividades físicas. Muito a contragosto meu, mas se ela quis... :P

Beijos!!

Bia Veiga disse...

Patrícia,
Já fiz ginástica no "Curves", a nossa versão do "Troque de estação agora", rs... Como me diverti ao ler suas descrições! Claro, me teletransportei para o troca, troca e ri mais ainda.
Mais um texto super, super dez e muito gostoso de ler.
Bjs
Bia Veiga

Celina disse...

Ticha querida,
Me acabei, chorei de tanto rir! Principalmente porque eu e Carolina fizemos juntas essa academia. E meu espírito critico (pra não dizer debochado), não me deixava achar que aquilo era normal...Ríamos loucamente a cada troca de estação.A falta de coordenação motora é de família.
De qualquer forma, é melhor do que aqules aparelhos de academia de bombados...acho que foram criados para tortura em Auchivitz...
Me lembrei de nossa aula de yoga, quando éramos adolescentes...Continuamos as mesmas!

Unknown disse...

Pat,

Faz tempo que não vou à academia; tenho caminhado na praia.
Curves que fez lembrar do MBA... Senti até saudades, lembra? Foi um tempo bom aquele.
Saudades de vc também.
Bjs.

M.

monica disse...

Oi Patricia,
já havia um tempo que queria te ler no blog, mas só agora consegui o endereço com Mabel.
Beijos,
Mônica Parreiras

Unknown disse...

PATRICIA
sou testemunha de todas as desculpas que inventastes para não fazer atividades físicas. Sou testemunha, tb, dos progressos que tens conquistado. Adorei o texto. Ri até ñ poder mais. Qd fores visitar Spok, quero ir junto.

Eulalia disse...

Simplesmente fantástico. Adorei, Aliás, adoramos, Spock e eu (sorriso)
lali