sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

HILDEGARD!


O telefone tocou tarde. Muito tarde. Tarde demais para ser boa notícia.

A cuidadora me avisou: Patricia, liga para os seus primos. Sua tia está no hospital. Parece que está mal... 

Liguei uma, duas e, só na terceira vez, meu primo atendeu. Não fez rodeios. Não havia razão par fazer rodeios... Patricia, mamãe acaba de falecer. O enfarte foi fulminante.

Tarde demais...

Como ela podia fazer isso comigo, se no dia seguinte a gente tinha marcado de almoçar juntas? Jogar conversa fora... Rir muito... Tia Helena também iria, então, uma ia ficar implicando com a outra. E eu lá só olhando... E rindo... E me aconchegando como criança pequena no colo da oportunidade de ter as duas tias juntas.

Há anos, todos os dias, eu ligava para ela e iniciava a conversa com a nossa saudação secreta: Hildergard! Uma brincadeira de minha  adolescência. Um dia decidi que iria chamá-la de Hildegard e ela gostou e virou o nosso mote e segredo. 

Hildegard! Aqui é sua sobrinha mais querida. E ela me contava o que tinha feito. Me falava das aulas que tinha planejado para a creche onde era voluntária. Reclamava da vida. Me dizia que estava com dor no joelho.

Hildegard! Aqui é sua sobrinha mais querida. Tenho que dar uma palestra. Reza por mim. Tenho que fazer uma prova. Reza por mim. 

Hildegard! Aqui é sua sobrinha mais querida. Estou no aeroporto embarcando agora... Para a Bahia. Para São Paulo. Para Londres. Para Roma. Para o mundo. E ela extasiada com a rapidez das viagens. Você está no celular? Incrível! Parece que você está bem pertinho de mim.

Hildegard! Aqui é a sua sobrinha mais querida. Já cheguei de viagem... Então vem a Niterói. Faz tempo que a gente não se vê.

Tempo... Como o tempo passa rápido! Como o tempo passa sem pudor. 

Já fazia dez anos que eu não passava o Natal com ela. Este ano, almoçamos juntas. E teve bolo de amendoim. Receita dela! E ela me deu uma lembrancinha. E ela parecia feliz. E ela parecia tão cansada...

A última vez que a vi, foi na semana passada. Dei um pulinho na casa dela. Um pulinho... Estava sem tempo...

Tempo... Tarde demais...

Alô! Hildegard! Cê pode me ouvir? Cê ainda pode me ouvir? Hildegard! Aqui é a sua sobrinha mais querida. Reza por mim. Que a saudade é grande. E saudade é mais difícil que qualquer defesa de mestrado. Que saudade é morrer as avessas... Hildegard! Reza por mim. E, se ainda houver tempo, sussurra no meu ouvido aquela frase que você falava alto e sorrindo... Juízo! Juízo!

Tempo... Tempo... Tarde demais ... Saudade... 

Ai tia, se você me visse agora. Tão doída. Tão doída. Tenho certeza, você ia dizer: Reza pro Espírito Santo que ele vai te iluminar. Reza pra ele e juízo.

Tempo... Tempo... Tarde demais... Saudade.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

5 comentários:

Celina disse...

... eu sei como dói... como é estar doída assim. mas só o tempo serve como analgésico, mesmo assim às vezes dói.
beijo

monica disse...

Muitas lembranças bacanas de uma pessoa divertida com ótimas tiradas e presença marcante por onde passava.
Bjs

Eulalia disse...

Não,querida, não é tarde.

Você velou com carinhos, cuidados, atenções, amor sincero e puro, cada passo dessa caminhada. Não deixou para depois, não deixou para mais tarde.

Não é que seja tarde.

É que eu acho que as pessoas, quando nascem, já começam a fazer crescer suas asas. Elas vão crescendo devagar, tão devagar que nem dá para notar.

Elas vão tomando vulto de modo quase invisível, no seu compassado caminhar pelo mundo.

Um dia... elas chegam ao tamanho certo e estão tão grandes que a pessoa não consegue mais andar direito, pois elas se arrastam no chão, ficam pesadas tropeçando no solo, pedindo para voar.

Foi isso que aconteceu. E ela voou. Não cabia mais aqui, com suas plumas de algodão.

Unknown disse...

Patricia, teu amor por ela é tão grande que nos contagiou, nos envolveu e nos fez sent ir sua partida profundamente. É uma tristeza que corrói de forma silenciosa e nos faz salamentar não ter tido oportunidade de conhecê-la mais. Sinta-se abraçada, amiga. O tempo será teu aliado para aliviar essa dor.

Anônimo disse...

Que texto comovente! Saudade dói. O tempo implacável e vida que segue. Doida e doída a vida! Bjs Patrícia. Sinto muito.