sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O ROSTO DO ROSTO

 
 
Cheguei sã e salva. Há um mês atrás estava em Nova York, depois Houston... Mas o Sandy não me pegou. Viajar para os Estados Unidos em época de furacão é sempre uma aventura... Mas cheguei sã e salva.
 
E na chegada, a surpresa. Cheguei na varanda e descobri que Lourdinha já era avó. Lourdinha Carnaval, a amiga bromélia, com quem dividi tantas tardes e emoções. Minha amiga que feneceu me deixando filhotes... Já é avó.
 
O broto ainda bebê me olhou desconfiado. Era a primeira vez que me via. Eu não. Reconheci em seu rosto, o rosto da amiga. Da amiga jovem, quando chegou aqui em casa, pronta para cair na farra. Cair no samba. Às vésperas do carnaval. As mesmas pontinhas ainda verdes. O mesmo amarelo solar. É um broto menina, disso tenho certeza, mas ainda não sei o seu nome. Acho que vai ser Nicholeta. Isso. Nicholeta com ch.
 
O rosto do rosto... Reflexo com alma e suas próprias paixões...
 
Não me pareço fisicamente com minha mãe. Às vezes, quando me olho no espelho, num de repente, num por acaso, consigo revê-la em meus pequenos gestos. Um olhar de soslaio, um riso de canto de boca, um revirar de cabeça. Tento abraçar esses momentos, rápidos, difusos, mas eles se diluem no ar.
 
Como não tive filhos, meu rosto não está destinado a mágicos mimetismos. Nunca vai se descobrir em outros rostos. Não tenho espelhos que me sirvam de par. Nem côncavos, nem convexos. Minha imagem, um dia, partirá comigo para algum lugar. Posso deixar algumas pegadas e alguma sombra, dessas que se alongam em por de sol praieiro, mas meu rosto seguirá comigo.
 
No futuro... Talvez seja algumas fotografias. Talvez.
 
Às vezes sofro de abstinência de continuidade.
 
Por isso fiquei feliz, muito feliz, quando cheguei na varanda e encontrei no rosto de Nicholeta, o rosto de minha amiga, refeita menina, com pontinhas ainda verdes e com seu amarelo solar.
 
Saboreei com cuidado esse bocadinho de eternidade e sorri com esperança... Será que Nicholeta, como sua avó, vai saber sambar?
 
 
 
 
(Lourdinha Carnaval ensaiando os seus passos para desfilar na Avenida)
 
Nota: Outros textos que podem interessar: LOURDINHA CARNAVAL , UMA FÁBULA e FILHOTES DE BROMÉLIAS

 
 
(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

Um comentário:

Eulalia disse...

É... entendo sua abstinência. Mas a gente não permanece apenas (ou principalmente)pela "descendência".

Há a descendência da alma na geração nova de sua família, você bem sabe, e com que riqueza isto acontece!

Adorei a riqueza do "rosto"

beijos