sexta-feira, 16 de março de 2012

O QUE COUBER AÍ É PEQUENO


Para começar, é importante alertar ao leitor duas coisas: a) Roubei o título do texto de um dos capítulos do livro A Máquina de Fazer Espanhóis, de Valter Hugo Mãe e b) Não tenho a menor ideia se vou conseguir escrever realmente o que desejo esta semana. (Mas, se eu não conseguir, não faz mal. Vou continuar tentando, que o tema me instiga.)

O assunto veio me cercando desde o início da semana. Primeiro foi Bragança que me enviou um link com uma palestra de Jane Fonda sobre "O Terceiro Ato da Vida". Depois foi a leitura de A Máquina de Fazer Espanhóis, um livro sobre um velho em um asilo. E culminou com o encontrar, bem no meio de livros antigos, de um artigo de Affonso Romano de Sant´Anna, na verdade, um de seus discursos a formandos de Letras, em que ele abre sua fala citando Roland Barthes: "Há uma idade em que se ensina o que se sabe, mas em seguida vem outra idade em que se ensina o que não se sabe."

Enfim, entre livros, textos, filosofias, links, discursos, idades... Todos envelhecemos. O tempo passa, como dizem, inexoravelmente, e nós lá, dentro ou fora desse trem, seguimos rumo ao... Infinito?

Nos últimos tempos tenho repetido muito: Tô ficando velhinha... Falo isso com frequência. De brincadeira. Justificando coisas. Ou como mera constatação... O tempo não pára. Não, não pára não!

Outro dia, primeiro dia de aula de espanhol, eu de jeans, camiseta e tênis, tinha até uma mochilinha e a minha colega de turma nem titubeou, "Se a senhora quiser, nós...". Se a senhora quiser! Me reconheci nela. Eu que tantas vezes disse... Se a senhora... A senhora... Nunca me incomodei em ser tratada de senhora, mas naquele contexto, eu aluna novamente(!), fui pega de surpresa. Não resisti e dei uma risadinha. Sim. A senhora era eu.

Depois foi no médico. Mas, afinal, por que me deu isso? ... Ah, Patricia, os músculos ficam mais flácidos com o tempo. Dessa vez nem deu para sorrir, o diafragma molengo era o meu!

Tenho me sentido, às vezes, só às vezes, como uma caixinha, dessas em que a gente guarda bobagens. Pequenas recordações... Alfinetes, palitos, fotos em conezinhos de plástico colorido, figurinhas não trocadas, um lacinho de fita qualquer, um bilhetinho, um anel (que nem cabe mais no dedo), uma medalha de escola, um santinho de quermesse. Uma caixinha de guardar guardados... Quando me sinto assim, envelheço. Tartamudeio e claudico.

Mas a aula começou. A aula, aquela de espanhol, e a mocinha e eu fizemos um super trabalho em grupo. Eu, com minhas histórias já vividas e ela com muitas ainda por contar. Criamos e recriamos caminhos. Atentas e atemporais. Ela me ensinou novas palavras e eu reaprendi a aprender. Com uma grande vantagem... Sem medo de errar. E isso não se ensina, se aprende com os erros vividos.

Sei lá, mas acho que mais do que o de dentro da caixinha, aquela caixinha que me sinto às vezes, o que vale mesmo é o que está de fora, o que está ainda por se guardar. Pedacinhos multicoloridos de vida. Muitos. Infinitos. Todo dia. A cada dia. O que há de novo, porque veio com novos amanheceres. Com um novo despertar.

O tempo não para, mas ainda há muito tempo pra passar.

Na palestra, Jane Fonda, pragmática, nos convidava à preparação para a longevidade. Sem culpas. Seremos longevos. Já somos longevos.

No discurso do Affonso Romano, ele fazia o convite ao "desaprendizado do aprendido e à astúcia do silêncio".

No livro de Valter Hugo, ele intitulava um outro capítulo: precisava deste resto de solidão para aprender sobre este resto de companhia.

Então, vou seguindo olhando pela janela do trem, aquele trem que ruma para o infinito.

Envelheço e rejuvenesço a cada dia. Aprendo, apreendo, ensino, reviso, resgato. Eu, gato, com minhas sete vidas.

No mais... É com o poeta Cazuza: O tempo não para. Não para não. Não para.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

3 comentários:

Celina disse...

UAU! Me pego tantas vezes assim, pensando nesse momento: A Senhora. ...? Sim, somos nós! Olho no espelho e sim , sou uma Senhora. Aquele futuro chegou. Me libertei de tantas bobagens, mas ganhei além de rugas, gordura abdominal, e uma ifinidade adereços da idade, uma deliciosa convivência comigo mesma. E quer saber? Estou gostando da minha caixinha.
Texto épico, primoca!

Eulalia disse...

Mais do que lindo. De uma delicadeza sem deslizes. Ler você é mesmo uma delícia.

O resto, é deixar que o tempo tome conta... é isso que tenho feito, querida...e... quer saber? Nâo torcaria nem pelos meus quarenta! :)

Alzira Willcox disse...

Maravilhoso, Patrícia. Você descreve com perfeição o sentimento que me assoma ante a idade avançando. Tudo misturado, certo cansaço, um pouco de sabedoria, desilusão e esperança - cabe tudo na cixinha? Adorei!