sexta-feira, 1 de julho de 2011

DUAS MULHERES E TRES GATOS


Vendi a casa de Itaipú. O ótimo inquilino de muitos anos voltou para São Paulo e a perspectiva de não encontrar outro da mesma estirpe me apavorou. Então, decidi vendê-la.

Aproveitando a onda da  Copa do Mundo e das Olimpíadas, inventei de aplicar o dinheiro comprando um apartamento na Zona Sul do Rio. Pensei, pensei e decidi me aventurar na compra de um conjugado. Imaginei que seria fácil de alugar e mais barato para comprar. (Os preços de imóveis no Rio ficaram malucos!)

Foi aí que descobri uma experiência nova na vida. Quase um evento turístico. Visitar conjugados acompanhada de corretores sorridentes.

Eu já tinha comprado outros imóveis, mas conjugados era a primeira vez. Fui apresentada a uma sucessão de pequenos apartamentos, alguns em obras, outros muitos caidinhos. Alguns em prédios assustadores, outros bem legais, mais caaaaros...

Foi no sábado de manhã que Eduardo, o corretor, me ligou dizendo que tinha um ótimo conjugado para me mostrar. Prédio bom e localização excelente.

Nos encontramos em frente ao edifício e a primeira impressão foi bem positiva. Subimos.

Em um corredor muito longo e claro (ponto a favor do imóvel!), me esperava o meu possível futuro conjugado. Por trás de uma daquelas muitas portas, estava a minha oportunidade de negócio.

Eduardo tocou a campanhia apenas uma vez e uma voz bem jovem abriu uma frestinha de porta e nos perguntou... Alguém tem alergia a gatos? Diante de nossa resposta negativa, a porta se entreabriu pressurosa e nos esgueiramos entre batente e maçaneta. Cuidado com os gatos que eles podem fugir.

Fomos recebidos no primeiro estágio do imóvel, a cozinha, por uma moça que não tinha mais que 18 anos, e três gatos grandes e gordos. Atrás deles, uma mulher surgiu no segundo estágio, a parede onde se poderia colocar uma despensa embutida. Era jovem também. Bem jovem. Quantos anos teria? Entre gatos, corretor e caixas (Já estamos empacotando a mudança...), eu avaliava a idade das duas e sua possível relação. Se pareciam. Ambas alouradas, cabelo liso puxado em rabo de cavalo. Olhos castanhos claros. A mais jovem, bem magrinha, a outra, gorducha. Seriam irmãs? Amigas de outra cidade? Primas? Um casal?

A mais moça interrompeu minhas elucubrações... Esta infiltração aqui já está seca. Antes de sairmos, vamos pintar a parede.

Um gato pulou na cama de casal. Agora já estávamos no terceiro, e último, estágio do apartamento, o quarto e seu satélite, um banheirinho diminuto, com algumas calcinhas penduradas em um nano-varal.

A mais jovem levava a conversa, dava as informações. Séria e compenetrada, fazia o negócio. A outra a olhava com atenção e respeito.  A outra?, me perguntava. Quem seria a outra?

A resposta veio quando tropecei no gato malhado. Mamãe já falou com um carpinteiro e ele também pode consertar o armário. Se a senhora quiser o contato dele...

Mamãe... Então, eram mãe e filha. Mas como podia ser? A outra era também muito jovem. A outra era jovem e nutria uma clara dependência pela negociadora. A outra... Seu olhar era quase vazio. Sem brilho.

A senhora gosta de gatos?, ela arriscou me interrogar. Gosto, até pensei em ter um, mas como viajo muito...

Seu olhar ganhou vida. Adotamos estes três. Já vêm castrados. Se a senhora quiser o endereço...

O corretor interrompeu o rumo da prosa. Ainda queria me mostrar mais dois imóveis.

A menina tentou retomar o negócio. Podemos parcelar, se a senhora quiser... Aceitamos também uma contra-proposta. Era claro que precisavam do dinheiro. Precisavam de dinheiro.

A ansiedade do corretor e o tamanho diminuto do apartamento me empurraram porta a fora. O gato cinzento tentou fugir...

Quem eram aquelas duas mulheres perdidas entre as tantas janelas daquele prédio/parede? Daquele edificio/muralha, tão comum nas grandes cidades.

Certamente tinham uma história que contar, mas, que perdida em um livro fechado nas quatro paredes daquele conjugado, ninguém queria ler.

Tinham seus silêncios e seus tesouros... Três gatos castrados e uma nesga de vista do Cristo.

Duas mulheres... Uma, com a sua impotência e seu olhar vazio... Mais uma das tantas figurantes desta cidade. A outra, jovem, magrinha, assertiva e responsável, com o desafio enorme de trazer pela mão, a vida, três gatos e sua mãe. Tive vontade de abraçá-las, de colocá-las no colo. Vontade de comprar o apartamento, só para resolver seu problema...

A voz do corretor me devolveu à manhã ensolarada daquele sábado... O próximo apartamento fica no Flamengo...

Sabe... Mudei de idéia...  Eu lhe falei, enquanto caminhávamos pela calçada de pedrinhas portuguesas. Será que o senhor não tem pra me mostrar um quarto e sala, se possível com garagem?



Nota: Foto, Jornal O GLOBO, retirada do Google.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

5 comentários:

Anônimo disse...

Pat, cá estou eu indo trabaalhar vidrada e emocionada com esta história. Deus abençoe seu jeito mágico de escrever. Tb quero comprar este conjugado pra ajudar... sugiro vc voltar lá para nos contar a real história dessas mulheres e seus gatos. bjs Simone

Celina disse...

É primoca, depois de visitar alguns com você, posso dizer que cabem mais estórias num conjugado do que supõe a vâ imaginação. Pelo menos a minha, pois a sua imaginação e perspicácia, preencheram esta micro visita ao nano apartamento, de poesia.
bjs

Eulalia disse...

Adorei o texto... mas... principalmente o final, pois sugere algo bem sutil de sua parte.

acho que saí de lá, contaminada com a mesma sensação que você insinua ao mudar "o rumo de sua prosa" com o corretor.

É, Pat, uma delícia ler você... sempre.

Alzira Willcox disse...

Morar em cidades e/ou bairros com muitos edifícios me faz, sempre que vou à janela, imaginar que pessoas moram em determinados apartamentos ou, se conheço alguém de vista, com quem será que mora, como vive. Às vezes acordo muito cedo, ainda escuro, e vejo uma luzinha ou outra já acesa também. Gente que acorda cedo como eu, por quê?
Você esteve num apartamento e as condições de vida daquelas pessoas a afetaram a ponto de fazê-la desistir de ser locatária de um espaço tão exíguo e desolador.
Nunca saberemos a história daquelas mulheres, mas você pelo menos descobriu o que não quer. Um ganho.
Como sempre sua narrativa é envolvente.

monica disse...

Tô estatelada! Super texto hein?
Bjs