sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

UN GUAYOYO GRANDE


Logo que cheguei a Caracas tive muita dificuldade para me adaptar ao café daqui. Eu que sou louca por um pretinho básico simplesmente não conseguia tomá-lo. Achava a bebida forte demais, amarga demais. Era como se seus grãos fossem muito queimados ou pior, fossem torrados ainda verdes. Como tomo café cowboy, isto é, puro e sem açúcar, fico exposta a todas as suas nuances, seus detalhes e sutilezas. Resultado, fiquei abstemia por quase seis meses. Mãos trêmulas, delírios e muita saudade de um bom café passadinho na hora.



Os venezuelanos tomam muito café. Ao final de uma refeição em um restaurante te oferecem: un expreso ou un capuccino ou un negro (que pode ser grande y fuerte ou pequeño) ou un marron ou con leche ou un guayoyo. Não me adaptei a nenhum dos tipos conhecidos e de inicio não quis arriscar experimentar os desconhecidos (mas o que seria un guayoyo?). Em casa, trocava de marcas e tentava me entender com a cafeteira que Silvio tinha me dado. Uma do tipo italiano, mas que aqui chamam de griega (!?!). Nada. A bebida continuava amarga e com um gosto esquisito (no sentido brasileiro da palavra).


Até que um dia, em desespero, arrisquei novos sabores. Mesonero, un guayoyo, por favor. Grande? Me respondeu o garçom e eu por precaução arrisquei. No, no. Pequeño.


E foi então que descobri que o guayoyo é o nosso carioca. Mais fraco que o expresso e se bem feito tem gosto de passadinho na hora. É bem verdade que nos restaurantes, se você pede um guayoyo, estará exposto às mais variadas gradações, desde um carioca perfeito a um regular coffee bem americano. O nosso chafé. Mas não fazia mal, o sabor me agradava e tinha aprendido a pedir um tipo de café que não me deixava enjoada.


Em casa, com o passar do tempo fui buscando a quantidade certa de pó para fazer un guayoyo em minha griega. E funcionou! Posso fazer meu próprio guayoito, ou mehor ainda, quando Beatriz chega às terças e quintas, tem como primeira tarefa do dia preparar minha tasa de café. Ela faz um guayoyo perfeito.






Um mês fora de casa. Rio de Janeiro (calor!), São Paulo (calor!), Porto Alegre (calor!), Rio de Janeiro novamente (calor!!!) e depois de novo Porto Alegre para o final de semana final. CA-LOR!!!! Vôo rápido a Guarulhos e longa viagem até Maiquetia. Subida com cola até Caracas. E finalmente minha casa.


Foi bom estar com a família e os amigos. Foi bom mesmo. Mas chega uma hora em que você quer a sua cama, as suas coisas, a sua casa.






Cheguei a uma Caracas em polvorosa. Desvalorização do Bolívar Fuerte. Manchetes de jornal, entrevistas. Guarda Nacional a postos para impedir remarcação de preços. Lojas sendo fechadas. A sensação era de um triste déjà vie. Plano Cruzado, fiscais do Sarney. Só que aqui os caraquenhos não compraram bem a idéia ou não lhes venderam bem a idéia e entrou mesmo em cena a Guarda Nacional e outro tipo de fiscais.


Não cheguei a ver a corrida às lojas de eletrodomésticos e eletrônicos (Todos buscando um preço antes de possíveis reajustes), mas fui direto ao supermercado para ver se havia desabastecimento. Para minha alegria, não. Fiz minhas compras do mês. Ou como os gaúchos dizem, o meu rancho.


Havia ainda o fantasma do racionamento... de água e de luz. Mas quando começaria? Não tinha nenhuma informação. Ninguém tinha.






Fiz o meu rancho e quando cheguei em casa tive a resposta que eu tanto buscava: quando começaria o racionamento de luz? Bingo! Justamente na hora em que eu tinha uma tonelada de compras para levar ao oitavo andar.


Eu sabia que oficialmente estava planejado para haver um corte de quatro horas. Será que um frango estraga em quatro horas? E um salmão? Manteiga? Queijo? Leite é longa vida, não estraga. Ufa! Mas e as salsichas?


Tomada por uma força estranha, fui selecionando o que me parecia mais perecível e parti... Escadas acima. !Ocho pisos!


Os primeiro três andares foram bem, mas o que se seguiu foi como escalar o Ávila à unha. Os dois kilos de frango iniciais me pareciam dez no sexto andar e confesso que quando abri a porta de casa tinha certeza de que tinha comprado mais de uma tonelada da pobre ave. Pensei em abandonar as salsichas no sétimo andar, mas perseverei. Afinal, ainda havia o salmão. Por que diabos eu fui inventar de comprar salmão?!!


Em estado de choque, cheguei ao apartamento. Deixei as coisas no hall de entrada e corri para molhar as mãos que àquela altura estavam intumescidas. Vermelhas como camarões. (Ainda bem que não tive a idéia de comprar o crustáceo!). E então, surpresa! Abri a torneira e ouvi aquele som rouco e distante. Uma tosse tuberculosa. Diante de mim a Dama das Camélias em metal. Cof! Cof! Cof! Faltava água também.


Sou uma otimista incurável. Diante do caos pensei: oficialmente o racionamento é de quatro horas. Só faltam agora três horas e meia. Coloquei as coisas no congelador. Sabia que o frio resistiria ao tempo previsto e decidi esperar. Eu não podia fazer mesmo nada, pois tudo meu é elétrico, inclusive o fogão. Comi um resto de sopa de abóbora fria, liguei o rádio de pilha e esperei.


Exatamente quatro horas depois, a luz e a água voltaram. O dia estava lindo! O Ávila bem limpinho. Como primeira providência fiz um café e de caneca em punho fui para o balcón ver a tarde cair.






Ventinho. Cheirinho de café passado na hora. Céu azuuullll. Como é bom estar em casa! Quase tão bom quanto o sabor delicioso do primeiro gole em un guayoyo grande.

Nota: À noite, o presidente avisou que o racionamento de luz em Caracas estava suspenso, pelo menos até nova ordem. Vamos aguardar.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

4 comentários:

Eulalia disse...

Adorei. Me senti em casa, com cheirinhos e tudo!

Celina disse...

Café passado na hora, compras de supermercado e racionamento. Só você para juntar tudo isso e sair um texto lindo! queria muito ter essa sensação quando voltar para casa, mas...eu acho que não moro mais lá..
besitos

Anônimo disse...

Se você morasse em Pendotiba não iria estranhar a falta de luz. Por estas plagas, semana sim e outra também a Ampla dá um jeito de deixar a gente à luz de velas!!!!!
bjs
Marilia

monica disse...

Oi Patricia,
sei que foi uma situação tensa, essa de subir as escadas carregada de compras, mas ri muito da forma que você a descreveu.
Aaamo café,deu vontade de beber esse preparado na volta a Caracas.
Bjs,
Mônica