segunda-feira, 1 de junho de 2009

O QUE VOCÊ ESTAVA FAZENDO QUANDO AQUILO ACONTECEU?

Tinha seis anos quando Kennedy foi assassinado, no entanto, consigo lembrar com detalhes do momento em que recebemos a noticia. Era de tarde e mamãe, Maria José (minha babá) e eu estávamos passeando perto do Campo de São Bento quando Noêmia, prima de mamãe, nos encontrou e nos disse o que tinha acontecido. Lembro das duas conversando compungidas, do choro convulso de Maria José (será que ela sabia quem era Kennedy?) e de meu observar a cena. A tarde. O calor. O olhar das pessoas. A comoção.
Não sei bem se isso acontece só comigo ou se todo mundo tem essa memória fotográfica para momentos históricos. E não é necessariamente o momento, o fato histórico, mas o que você estava fazendo quando aquilo aconteceu.
Depois foi 1964 e os militares. Era de manhã cedo e estávamos na cozinha do apartamento da Moreira César. Papai, mamãe, Maria José, vovô Cláudio e eu. Na mesa escamoteável, o café da manhã e no alto da geladeira, junto ao pingüim (nós tínhamos um pingüim), o radinho de pilha, aos berros, resfolegava as últimas noticias. Lembro de papai criando estratégias. Ele iria tentar encher o tanque da lambreta, nosso meio de transporte na época, e mamãe e Maria José iriam para a fila do supermercado. Lembro de Maria José em prantos (será que ela sabia o que estava acontecendo?) e do olhar de meu avô, general reformado. Um olhar triste e distante.
Outros eventos se seguiram, como a chegada do homem a lua, a queda do elevado Paulo de Frontin e, muitos anos depois, o anúncio da morte de Tancredo Neves. Imagens e sensações tatuadas em mim.

No Brasil pouco se ouve falar das FARC. Sabemos muito mais sobre o Hamas e a Al Quaeda do que sobre o que é considerado o último movimento guerrilheiro ainda vivo na América do Sul.

Quando cheguei à Venezuela foi que a sigla começou a fazer sentido e parte da minha rotina. Seqüestros, negociações, políticos e militares em cativeiro, lutas na fronteira. Era um momento importante, pois havia muita pressão internacional para que Ingrid Betancourt fosse libertada, bem como os três americanos que permaneciam em cativeiro na selva colombiana há mais de cinco anos. Quanto mais o tempo passava, mais o assunto virava uma novela e, aos poucos, novos personagens iam surgindo. Heróis e bandidos, súbitas reviravoltas.
No inicio de 2008, a libertação de Consuelo González e, principalmente, de Clara Rojas com o seu reencontro com filho nascido na selva e mantido escondido em um orfanato fez da trama uma novela perfeita. Mas faltava o principal, a libertação de Ingrid Betancourt. Todos os dias a imprensa trazia novas informações. Na última prova de vida apresentada pelos guerrilheiros, Ingrid era uma mulher que parecia muito doente, muito distante da política jovem e aguerrida.

Foi nesta época que visitei Cartagena e, além da beleza natural e histórica da cidade, experimentei também a emoção de ver nas portas da cidade amuralhada (centro histórico) estandartes imensos com fotos de Ingrid Betancourt e as palavras: !Liberenla por Humanidad! !Liberenla!

Era julho e estávamos em plena estação das chuvas aqui em Caracas. Soraya me ligou para irmos almoçar no Mocambo e depois fazermos umas compras. Chovia muito! Depois do almoço, foi batendo uma preguiça... Enfrentar a chuva forte, ir a Chacaito para comprar o que mesmo?... Será que valia a pena? Soraya na direção, o rádio como sempre sintonizado na 99.1, Frecuencia Mágica. Íamos filosofando se não era melhor voltar para casa e ver um bom filme. E quando estávamos subindo a Avenida Principal de Las Mercedes, entra o plantão de noticias e chega diretamente de Bogotá a informação de que a Operaçión Jaque tinha sido um sucesso e que alguns reféns, entre eles os americanos e a senadora Ingrid Betancourt haviam sido resgatados. Já era tal o nosso grau de exposição aos fatos que nos emocionamos como se fossemos colombianas. A decisão estava tomada. Nada de compras. Fomos direto para casa e ficamos imersas nos acontecimentos por muitos dias.

Por que trago o assunto agora, um ano depois de ter acontecido? Porque Nancy acaba de me emprestar três livros que foram lançados sobre os seqüestros e a libertação dos reféns. Estou, neste momento, em plena selva da Colômbia, novamente observando os fatos, só que desta vez pelos olhos de diferentes seqüestrados. E como os olhares podem ser diferentes. Heróis viram bandidos e bandidos... bem, acho que eles continuam fazendo o papel de malvados na história.

Acho que este tem sido um maravilhoso efeito colateral de minha vinda para cá. Sou testemunha de fatos históricos que, certamente, não seriam relevantes para mim caso estivesse no Brasil, mas que sei são de suma importância para a história da América Latina e, conseqüentemente, para nós brasileiros, embora tantas vezes nos esqueçamos de que também fazemos parte desta região. Mágico continente, cenário surreal das histórias de Gabriel Garcia Marques e ... das novelas de Janete Clair.

PS: A libertação de Ingrid Betancourt não foi o último capítulo desta novela. Há ainda centenas de pessoas em cativeiro. Que em breve sejam libertadas. !Liberenlas por Humanidad! !Liberenlas!

(in à vista del ávila. Nancy, como siempre te digo, muchas gracias por tu ayuda y amistad.)

4 comentários:

Unknown disse...

Realmente estes fatos que vivemos juntas marcarão nossas vidas para sempre. Hoje podemos dizer que somos cidadãs da América Latina. Pudera todo brasileiro voltar seus olhos, ouvidos e coração para os países hispânicos vizinhos. Todos ganharíamos. Continuemos trilhando novas aventuras, novas emoções, novas sensações...
Besitos
Soraya
Soraya

Bia Veiga disse...

Patrícia,
não sei bem porque, mas sempre me preocupei muito com a nossa América Latina. Acompanhei a campanha política da Ingrid e do seqüestro dela. Ficava preocupada. Ainda lembro da entrevista que ela deu para um jornal, só não lembro se O Globo ou Jornal do Brasil, onde ela dizia que ao assumir o governo, ela negociaria com uma das guerrilhas, mas não com as FARC. Até hoje penso muito nos nossos vizinhos e acompanho toda a movimentação. E como admiro essa cultura tão rica desses vizinhos. Compartilho com vocês o desejo de que todo brasileiro pudesse perceber mais nossos vizinhos, como isso seria enriquecedor...
Beijos
Bia

Lúcia disse...

Querida Pat, lembro que conversei muito com a Bia, na época, e antes, da libertação da Ingrid Betancourt. Acompanhávamos juntas as notícias. Mas vc tem razão, os fatos referentes à América Latina não interessam tanto quanto o que acontece mundo afora. Será que negamos nossa origem? Será que nos achamos melhores e mais desenvolvidos? Algumas vezes vejo as pessoas torcendo contra argentinos, uruguaios, em campeonatos esportivos. Não, nada disso! Sempre torço pelos sulamericanos, são vizinhos e irmãos, somos nós.
Belas aventuras, profundas emoções, vc tem vivido. Isso só pode fazer de vc uma pessoas ainda melhor e mais sensível.
grande abraço,
Lúcia

Elza Martins disse...

Que delícia ver que você, Pat, também, se faz presente na vida de minha amiga Bia e de minha irmã Lúcia, pessoas a quem respeito como artistas e gosto demais!
Vivamos com orgulho tudo o que diz respeito a nossa origem.Somos sulamericanos com muito orgulho!
Acredito que todos somos, de alguma forma, impactados por vários desses acontecimentos que fizeram nossa história. Agora tornar isso um texto gostoso de ler e que traga doces lembranças, isso só os artistas fazem. Parabéns, amiga.