quinta-feira, 21 de maio de 2009

PALAVRAS


Depois de mais de dois anos vivendo em Caracas, ainda não atingi a fluência desejada em espanhol. É claro que posso me comunicar e, principalmente, leio e entendo o que me dizem muito bem (para quem é do ramo, os meus receptive skills são o máximo!!!), mas na hora de produzir, os meus verbos e, em especial, meus pronomes são bastante questionáveis. Em uma avaliação bem imparcial estou em um nivel intermedio. Neste estágio, enfrento uma luta diária com coisas como “!Cómpremelo!” ou “Él me lo dió.”. Fala sério, “me lo dió” para mim é nome de bolero.
Como (ex?) professora de inglês me observo agora como a aluna esforçada que encara com destemor as armadilhas lingüísticas de uma língua estrangeira e tendo a confirmar que Michael Lewis estava certo em muitas de suas idéias. Calma! Explico quem é este tal de Mr. Lewis e que idéias são estas. Lewis é um lingüista que no inicio da década de 90 lançou uma abordagem para o ensino de línguas em que o léxico, isto é, as palavras são mais importantes para a comunicação do que aspectos gramaticais. Ufa!!! Isto está ficando muito enrolado. Vamos resumir, segundo Lewis, se você for para um país estrangeiro, para se comunicar, é melhor levar um dicionário que uma gramática. Apesar de polêmica, esta abordagem está funcionando comigo em meu aprendizado em espanhol. Por exemplo, se penso no que vou dizer, se penso na ordem certinha que me informa a gramática, me perco totalmente em um emaranhado de pronomes, mas se lembro do menino chorando no supermercado com o monstrinho nas mãos, implorando que sua mãe o comprasse, tudo vira uma palavra, um grito de súplica: “cómpremelo”. Não esqueci nunca mais. Foi como aprender um novo vocábulo. E é assim que estou lidando com os pronomes. Fico prestando atenção aos falantes nativos, no rádio, na TV, em todos os lugares. Fico buscando estes blocos de língua, estas palavras mágicas, que a gramática organiza em padrões e tabelinhas.

Palavras! A introdução saiu longa demais!

A intenção do texto é contar a Venezuela através de suas palavras. Me explico novamente. Se perguntarmos a qualquer turista que tenha visitado o Rio de Janeiro o que ele lembra da cidade, nove entre dez gringos vão listar: O Corcovado, as praias (com tudo que nelas há!), caipirinha e ... “Obrigado” e “Tudo bem!” Estes são (lanço agora a teoria!!!!) os nossos pontos turísticos lingüísticos. Palavras ou blocos de palavras que estão intrinsecamente ligados ao lugar.

E para a Venezuela? Que palavras devemos percorrer em nosso sightseeing lingüístico?

Para mim, a primeira, que é como um Cristo Redentor, é chévere. (Chévere adj Andes, CAm, Carib, Méx fam ótimo (ma)). A definição do Larouse deixa muito a desejar, pois chévere é muito mais que ótimo. Chévere é legal, tudo de bom, OK, maravilha!, combinado, tudo bem, e muito mais. Sempre acho que quando eles não têm nada que dizer, dizem chévere. E como são hiperbólicos, latinos, hispânicos e dramáticos, usam com freqüência !!!cheveríssimo!!!, para apimentar mais as emoções. Esta surgindo agora uma corruptela da palavra criada pelos engenheiros gaúchos do projeto: tri-chevere, mas ainda não foi registrada em dicionário. Chévere... Foi minha primeira palavra por aqui. Eu não sabia falar nada, mas me achava um luxo quando usava como resposta a tudo que me diziam: “Chévere”.

A segunda é vaina, que se pronuncia bâina e que sempre está em um bloco de língua, um daqueles do Michael Lewis. “!Qué vaina!”ou “!Esa vaina no se hace!” ou “Esta vaina no me gusta.” (Vaina f-1.[funda] bainha f-2. BOT[envoltura] vagem f-3. fam Col, Peru, Ven [contratiempo]: ! qué ~! que saco!). Novamente o Larouse deixou a desejar, pois vaina serve para substituir qualquer palavra. É como coisa para a gente. Só que mais forte. Sinto inclusive conotações sexuais. Ainda não me apropriei desta palavra. Nunca a uso, o que reforça que tenho um longo caminho a percorrer se quero soar como nativa. E aí me frustro, me irrito: !!!Qué vaina!!!!

E chegamos então ao terceiro ponto turístico lingüístico. Aquele que talvez seja o marco mais importante, a pedra de toque. Se ouvi-lo em algum lugar, tenha certeza de que há um venezuelano por perto. E, antes de apresentá-lo, não resisto citar Isabel Allende em seu magistral La Suma de los Dias, quando descreve sua nora venezuelana e relembra seus tempos felizes em Caracas. (Tenho, pelo menos, algo em comum com esta escritora que é um de meus ídolos: Buenos recuerdos).

“... pero esta misma noche nos hizo reír con esos chistes subidos de tono que no oíamos desde los tiempos relajados de Venezuela donde, menos mal, no existe el concepto de lo ‘politicamente correcto’ y uno puede burlarse de lo que le dé na gana ...”

Sim. Às vezes eles podem ser arrogantes e grosseiros e é então que entra em cena... !!!Coño!!! Tive dúvidas se incluiria no texto a definição do Larouse por ser por demais chula, mas para manter o padrão de referencia aí vai: (Coño vulg <> m -1. [genital] buceta f-2. [para enfatizar] porra f.<> interj [enfado] caralho!; [asombro] merda!) E o Larouse desta vez acertou. É tudo isso mesmo. É forte. É rude. É grosseira. E como se ouve! E há que se ver com que entonação é dita. Mastigam cada letra e cospem a palavra com ódio, indignação ou mesmo alegria e entusiasmo. Tive uma passadeira que para cada três palavras, uma delas era ... !!!!coño!!!!, principalmente quando falava de política. Por sorte não me apropriei da palavra. Desde o inicio tinha uma suspeita de que era algo pesado. Mas é parte intrínseca da topografia lingüística do lugar, como o Ávila.
Usam muito a palavra, mas, como nós que tendemos a amenizar alguns termos com palavras como PÔ! ou SIFU! ou CARACA!, eles também têm suas estratégias e nos levam ao último ponto turístico lingüístico de nosso passeio: !!!Cónchale!!! , o !!!Coño!!! que se pode usar em família. A palavra é tão venezuelana que não a encontrei no Larouse. !!!Cónchale!!!, mais leve, quase feminina. Ela se pode usar.

Espero que o passeio tenha sido bom. É sempre gostoso visitar novas paragens. Se gostaram do texto ... !Chévere! Caso contrario, !!!cónchale!!!, só espero que não gritem enfurecidos: “Que perda de tempo!! ??Qué vaina es esta?? !!!Coño!!”


(in à vista del ávila.Todas as referências retiradas do Dicionário Larousse – Espanhol / Português . Português / Espanhol – Avançado, São Paulo, 2006)


6 comentários:

monica disse...

Muito, mas muito bom mesmo!
Mônica

Eulalia disse...

Cheveríssimo!

Alzira Willcox disse...

Definitivamente as palavras a seduzem. E também a mim. Conhecer um lugar e não entender a língua falada me faz pensar que não conheci verdadeiramente tal lugar. Portanto, adorei o passeio turístico que você nos ofereceu através de palavras...

VERA disse...

Pat querida,como gaúcha que sou só posso dizer "tricheveri"
Beijos

VERA disse...

Corrigindo,,,,:tri chévere"

Celina disse...

adoreeeeeeeeeeeeei!!!