sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

TRANCAS DE BICICLETA E GARGALHEIRAS


Tempos difíceis estes que estamos vivendo. Agora me informam que há uma tendência ao linchamento. Resultado de quê? Descrença nas instituições? Raiva incontida? Desespero? Perversão? Desesperança? 

Olho por olho... Ambos cegos de razão.

Dente por dente... Ambos guardados em bocas que não sabem mais falar.

E o ser humano, inventivo, recria instrumentos... Usa a tranca da bicicleta roubada para prender o pescoço do ladrão. 

A tranca da bicicleta virou a gargalheira dos tempos da escravidão!


Muitos linchamentos... Em vários cantos do país. 

E, novamente, um poema antigo chega para me visitar. (Começo a acreditar que o tempo passou, mas as coisas não mudaram muito.) 

Escrevi este poema em 1978... 1978? 1978! Foi também uma época de muitos linchamentos...


PASSOS II

O homem
preso na amarra
nem homem é
é pedaço de poste
resto de "pega ladrão"

O sem olho
  sem boca 
  sem dente
de seu inútil rosto marcado
se transformam
impunemente
em peso de carne mais caro
em aluguel atrasado
em patrão
em Maria que fugiu com João
em João que ganhou mais um filho
em tudo de mau
        de agouro

Suas mãos
seu rosto
seu medo
sem forma
    cor
    ou tamanho
moldam o grito tremendo
Lincha o filho da mãe!

E tudo é sábado de aleluia
Aleluia!

Golpe
soco
pontapé
rompem aos poucos as entranhas
a cusparada
o insulto
a paulada seca e certeira
vingam a angústia de muitos
aliviam um tanto o desespero

E no domingo de páscoa
Páscoa? 
entre manchetes e debates
os outros e a gente do povo
buscam em voz alta os culpados

A culpa está no acaso
             nas avenidas
             nos bares
A culpa é dessa doce mentira
a vida dura obrigada
a sexta-feira santa da vida
que de santa não tem nada.
(Niterói, 1978)

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Somos os Judas e os Cristos na via sacra do medo. E, como pós-modernos Pilatos, lavamos as nossas mãos.

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Ah... E por falar em linchamentos... Ao povo venezuelano o meu carinho, a minha solidariedade e o meu desejo de que, em breve, a sua terra esteja plena de muitas cores... Como em seu pabellón...  Amarillo (riqueza natural y nobleza de su gente)... Azul (La lealdad y la justicia) ... Rojo (valentía).

O branco... É o que mais desejo a vocês... Muita paz... Muita paz!

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)  

Um comentário:

Eulalia disse...

É, querida, como nós, grito sufocado na garganta, que nos tranca a voz...

Lindo texto. Ótimo rever seu poema!