sexta-feira, 6 de abril de 2012

A CIDADE POSSÍVEL


Laura, minha professora de espanhol, nos pediu para escrever um texto sobre uma cidade. Mas ela queria um texto lírico, poético. Afinal estamos em nível avançado. Não temos desculpas. Passamos uma unidade inteira remexendo palavras, visitando autores, principalmente poetas. De Dámaso Alonso a Ángel González. E, é claro, nos encontramos com Lorca. Com eles, percorremos  ruas de diferentes cidades. Segundo Laura, aprendemos. E agora é hora de produzir.

Um texto sobre uma cidade... Lírico... Quase poesia... (Pero no se olviden de las cosas que estudiamos...  Las palabras... Los pronombres... Los participios...).

Laura me pediu para escrever um texto sobre uma cidade. Não tenho vontade de escrevê-lo. Nenhuma vontade.

De que cidade posso eu falar? Rio de Janeiro? Talvez fosse mais fácil. Vivemos aqui, a conhecemos, com seus contrastes e ilusões. Tão maravilhosamente cruel. Tão cruelmente bela. Não. O Rio não. Já muitos falaram sobre o Rio.

Talvez Caracas? Mas tenho falado tanto da cidade nas aulas. Caracas e sua mágica montanha onde guardei tesouros feitos de surpresas e muita felicidade. Não... Caracas também não me servirá.

E, de repente, me vejo cruzando umas ruas estreitas com calçadas de pedra. Estou agora em Roma. E, pouco a pouco, o meu silêncio de turista solitária se perde no burburinho da cidade. Roma é minha cidade. Aberta. Imensa. Com suas ruas e praças que se diluem na História. Roma é feita de monumentos e gente e tráfego e saudade. Fundada por uma loba, tem a alma selvagem.

E depois uma janela. E é através dela que vejo a neblina lá fora. Onde estou? Estou em Londres? Que nada, é Liverpool com seu cais e seu comércio. A cidade de que me falava o meu pai e onde revejo agora meu avô caminhando entre os pássaros. Há um forte cheiro de mofo e de scones recém assados.

Continuo a caminhar até chegar a uma colina. De seu topo posso ver um rio, o mar, outras terras, outros tempos. Estou agora em Lisboa. Em seu Castelo construído pelo vento. Cidade desenhada por poetas, líricos navegantes épicos com bússolas e mapas entre os dedos.

Cruzo, então, o Atlântico e me entrego a novas terras. Estou agora na Bahia, em Salvador, e observo os seus solares encurralados pelo tempo. Tombam como frutos podres que a ninguém interessam.

Caminho um pouco mais adiante e em Cartagena de las Indias, em sua cidade amuralhada, me liberto. Me perco em um monte de cores, suas frutas, suas preciosas pedras. Tenho um brevíssimo encontro com Gabu. Tomamos um trago e falamos de romances e novelas.

Que outras terras posso visitar? Outras cidades com seus bairros e sua gente. Não sei. No entanto, percebo agora que nesta viagem feita em palavras, as lembranças, as memórias se converteram em cimento e construíram um lugar. Com suas casas e ruas, com suas fontes e parques. Com seus jardins e suas pontes.

Esta é a minha Cidade Possível onde às vezes me aconchego. Como um mágico tapete é tecido com fios frágeis e sutis: minhas recordações, algumas fotos, muitas saudades e muitas histórias.

Esta é minha Cidade Possível. O meu porto de chegada. Minha morada e lugar.

(Será que convence a professora? Não era bem isso que ela queria! Não se preocupem, entreguei o texto em espanhol. Fico imaginando que nota vou tirar.)

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

2 comentários:

Eulalia disse...

Poderia haver uma nota para uma cidade Patrícia?
Patrícia de pátria, pátria mundo que você criou para nós. Ela agora existe, através de você.
Acho que vai ser muito difícil ela dar uma nota para o texto...
beijinhos

Celina disse...

Ok, agora você vai emocionar também em Espanhol!
Essa cidade possível é tão linda, primoca! Como é bom tê-la dentro da gente! Também tenho cá minha cidade.
beijo
PS(pega leve! é capaz da sala inteira soluçar)