sexta-feira, 18 de março de 2011

OS JARDINEIROS DO OCASO


Sou de uma geração estranha. Adolescemos em plena Guerra Fria e por anos tememos uma guerra nuclear. A BOMBA! A década já era a de 60/70, mas 45 ainda estava muito vivo entre nós. Éramos só modernos. A pós-modernidade, com sua falta de história e sua globalização, nem passava por nossas cabeças. E nem pesava sobre elas. Nossos inimigos tinham nome e sobrenome. Ainda acreditávamos em heróis.

Mas o tempo foi passando cada vez mais rápido, levando com ele o mundo e, a reboque, nossas vidas. A BOMBA! foi ficando cada vez menor e, de repente, virou quase estalinho. Os muros cairam. Agora todos se congraçavam em grandes negócios. E um dia, na década de 80, aconteceu Chernobil. Foi quando tememos, não mais o gesto belicoso, mas o acaso. O acidente. A incontrolável fatalidade. E voltamos a ter medo, apesar das inúmeras e assertivas afirmações de que a energia nuclear é limpa, ecológica, e a mais segura de todas. Podemos controlá-la... A não ser... Quando ela se torna in-con-tro-lá-vel. (Um terremoto gigantesco! Um tsunami colossal! ... Quem poderia imaginar?) 

Tinha medo... Tenho medo...

Quando aconteceu Chernobil, escrevi um poema... Quero relê-lo agora.

OS JARDINEIROS DO OCASO

(pelas vítimas de chernobil.
pelas vítimas de tokaimura.
por todos nós.)


jogaram sementes em terras de agosto
e não brotaram orquídeas
nem margaridas
nem parasitas –
brotou foi o chão

semearam assim
em meio ao firmamento
um óvulo a mais
no ovário da manhã
e não brotaram os frutos
nem a polpa
nem sementes –
brotou foi o chão
.........................................................

os jardineiros do ocaso
com seus dedos em estilete
plantejam sua erva daninha
ao acaso
em desvario
pelos pontos cardeais
atóis desertos estepes
rios ruas capitais
servem de solo perfeito
são seus surrados quintais

com seus rostos magnéticos
encobertos por crachás
tecem as patéticas rosas
nipônicas rosas de agosto
em nome da vida e da paz

antes
só se temia os botões
destas flores acromáticas
inodoras e assépticas
passíveis de florescer
possíveis porque reais


era o medo encubado
entre as estufas de urânio
era o medo encubado
entre o estrôncio e o caos
era o medo encubado
encubado e indizível
entre a fórmula e o fato
entre o feto e sua mãe


mas agora incontroláveis
florescem os rubros jardins
suspensos na atmosfera
a regarem com a sua seiva
a nossa seiva
o nosso sangue
a adentrarem as vísceras
a polinizarem de espasmo e espanto
nossas flores ancestrais

pobres pasmos jardineiros
sem respostas
sem razão
(a fórmula é fato
o fato está feito)
em seu medo de teóricos
com seus impotentes crachás
tentam colher os estragos
com plúmbeas luvas nas mãos

nem gardênias
nem ciprestes
nem um cravo –
brotou foi o chão

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

3 comentários:

Eulalia disse...

Patrícia!
Esse eu não conhecia!

Sim, querida, participo dessa geração, vi-me retratda nela através de você, em cada linha!

Seu texto não traduz apenas... interpreta nosso percurso, traduz a perplexidade escondida de nossas almas!
Obrigada por você ter sido tão pontual, tão imensamente intensa!
beijos

Celina disse...

É primoca, fomos e somos testemunhas dessas maluquices que parecem terem sido feitas por crianças;eu nem sabia que o Japão tinha usina nuclear! Pode, um país que vive tremendo ter um troço perigoso desses???

monica disse...

Tô zonza, bonito e doído (sem acento tb serve).
Bjs