sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

UM CERTO MOMENTO


Final de verão. Tarde de calor úmido e abafado. Já meados de fevereiro. O dia não tinha sido dos melhores: óculos quebrados pela manhã, NET fora do ar sem previsão de volta (Por que cismei de fazer esse tal de combo?), compras por fazer. E, marcada para o final da jornada, uma missa de 7o dia.

Na verdade, eu não precisava ir. A minha ausência não seria notada por ninguém. Não seria eu que diminuiria ou compartilharia a dor do momento. [Já vi este filme. Há dores tão particulares, tão pessoais que parecem que se entranham em nossas veias e músculos. Acompanham o ritmo de nossa respiração. A dor da saudade é dor matreira, como uma doença crônica. Quando se pensa que ela acabou, surge um novo surto, uma febre alta... mal estar...].

Não precisava ir, mas me senti na obrigação de estar lá.

Cheguei no horário e encontrei alguns amigos. Tinha uma sensação estranha de não pertencer. De estar por estar. O pensamento voava de um canto a outro: Ali, a igreja, as pessoas. Amanhã, que eu tenho que fazer? Agora, será que vai chover?

Havia uma comoção controlada, mas uma enorme comoção. Era claro que a maioria das pessoas que ali estavam, estavam por ela, pela amiga... Eu não a conheci, mas se podia perceber que ali as pessoas sentiam uma enorme saudade da amiga. Fosse ela, amiga-amiga, amiga-esposa, amiga-mãe, amiga-tia, amiga-vizinha... amiga.

A missa começou solene, mas não formal. Havia uma intimidade de todos com ela. Não era missa encomendada, para constar. Era um momento único. Uma oportunidade de estarem por um pouco mais de tempo junto a ela. De chorarem...por e com ela. E de esboçarem sorrisos, quando uma lembrança qualquer lhes passava pela cabeça.

O padre, ainda jovem, com uma voz firme e forte que sustentava a missa cantada em cadência gregoriana, não falou de morte. Ele sabia que ela estava bem. Era claro que havia convivido com ela. Era claro que tinha algumas vezes tocado sua mão em momentos de dor. O padre não falou de morte, falou de saudade e pediu a Deus que ajudasse aos vivos a suportá-la, que saudade é peso grande para se levar sozinho nas costas do coração.

A missa seguia e, aos poucos, o que era só dor, foi ficando mais leve, entre cantos, palavras e silêncios. Havia uma quase alegria no ar. Ela está bem... Vai estar com sua familia e amigos, só que de outra forma. Continuamos juntos ...

Eu não a conheci... Gostaria de ter tido a oportunidade. Deve ter sido alegre... Deve ter sido amiga... Deve ter sido vaidosa. Devia ter um bom papo e acreditar na vida. 

A missa acabou. Não tive oportunidade de conhecê-la. A morte impossibilitou o convivio...

A morte...

A morte... Todas as vezes que penso nela, quando bate a saudade dos meus e a garganta aperta e o ar não sai (como grito, suspiro, reclamo ou palavrão!), acho que a morte é só mais um ângulo, um detalhe de uma foto chamada vida, uma foto qualquer, como essas bonitas e anônimas, emolduradas em quartos de hotéis. A morte ... é um pedaço da foto, Não devia doer.

O que dói é a saudade... Essa mania dos vivos.




(in pblower-avistadelvila.blogspot.com) 

3 comentários:

Alzira Willcox disse...

Bonito texto, Patrícia. Tocou-me profundamente, emocionou-me. Você fala da saudade, certo, dói. Mas eu penso também que cada morte de uma pessoa querida que fez parte da nossa vida leva um pouco da nossa história. Quem a contará um dia? Quem falará daquele momento particular, alegre ou triste tão marcante em nossa vida? A história da nossa vida, da nossa família. Essa é minha dor particular.E recentemente tem doído muito.

Eulalia disse...

Querida,
Acho que até a morte se comoveria se tivesse olhos para ler seu texto... (!!!)
beijos

Celina disse...

Ai ticha, que susto e que saudades, dos meus, dos nossos. Tenho saudades também dos vivos que não tenho mais, por motivos bem mais banais que a morte. Mas até uma tarde dessas, você faz virar poesia... algo para se ler com o coração até o final.
bezitos madrilenhos!