sexta-feira, 26 de março de 2010

AULAS, PROFESSORES E ALUNOS

Esta semana decidi passar um dia visitando alguns museus da Vila Borghese. Primeiro a Galeria de Arte, com direito a seguir todo o protocolo: hora marcada para a visita, bolsas revisadas e guardadas em lockers, e a delicia de passar duas horas entre quadros e esculturas. Se sò hovesse na Galeria as esculturas de Bernini, jà valia a visita e os oito euros e cinquenta da entrada. Gente das mais diferentes nacionalidades, em silencio respeitoso, disfrutavam da arte. Fico pensando o quanto de belo que o ser humano pode produzir e como ele é capaz de gastar tanto tempo criando holocaustos e hecatombes. (Pobres de nòs, pobres mortais.)
Visita feita, decidi seguir meu caminho rumo ao Museu de Arte Moderna e ao Museu Etrusco. As placas iam indicando a direçao que eu seguia atentamente. Com o passar do tempo comecei a me preocupar. Chegar aos museus, eu chegaria, mas o problema seria voltar, pois todo o caminho era uma descida, o que significava que a volta seria subir a ladeira. Se minhas pernas jà estavam se ressentindo da ida, para a volta eu ia ter de encontrar um plano B, talvez encontrar a parada de uns dos muitos onibus que tem me ajudado a ver a cidade.
Queria começar pelo Museu Etrusco, mas o que primeiro se apresentou foi o de Arte Moderna e nao me fiz de rogada... entrei.
Depois de passar pelos tramites de segurança, adentrei o seculo XIX, entre esculturas e quadros. De repente um burburinho e um SHIIIIII aflito e rouco,  tipico de professora quando jà nao sabe o que fazer para conter a turma.  De repente me vi cercada de grupos de adolescentes e de seus professores. Formavam grupinhos diante das obras e, enquanto os guias explicavam o engenho e a arte de pintores e escultores, os alunos adolesciam. Alguns de olhos vagos e distantes se escorriam pelos poucos assentos das salas. Outros, mais afoitos se belisavam, cochichavam, riam baixinho. Tinha o grupo dos Ipodistas. Enfado e musica alta. Havia tambem duas moçoilas perdidamente apaixonadas pelo professor jovem e de gola role. Um casalzinho iniciava um romance. Os guias tentavam transformar o evento em algo memoravel e inesquecivel (isso me lembra algo), mas nao havia nenhum botaozinho nas obras, nenhum joy stick, nada que possibilitasse àqueles seres qualquer interaçao com o evento artistico. Entre as obras e os alunos, em um espaço menor que tres metros, seculos de gap. Um dos guias até que era bom. Falava, perguntava, mas as respostas normalmente eram monossilabicas e equivocadas (para desepero dos professores que juravam de pé junto que jà tinham dado esta materia).
Fiquei olhando e me distraindo com a cena. Afinal, para meu bem, eu nao era nem guia, nem professora, nem aluna. Era apenas uma mera observadora. Afinal, aquilo nao deixava de ser arte, em todos os sentidos.
Passei ao segundo andar e ao seculo XX. E foi là, em uma das salas, que vi, espalhadas pelo chao, um grupo de crianças de seus seis ou sete anos desenhando. Reproduziam seus quadros favoritos. (Quantas vezes fiz isso em minhas aulas! Mas acho que a tecnica ainda funciona). Fiquei surpresa de ver como Mirò faz sucesso entre esta faixa etària. Por que serà?
Fui me esgueirando entre aqueles corpinhos em pleno processo de criaçao.
Jà saindo, tendo voltado ao primeiro andar e ao seculo XIX, reeencontrei os adolescentes, os guias e um SHIIIII seguido de uma professora exausta.
Sorri.
De repente meu olho bateu em uma menina de seus treze anos. Estava em um canto sala. Nao fazia parte do grupo das "muito boas alunas" que ficam no gargarejo para mostrar serviço. Nao. Quietinha, no fundo do grupo. Seu olho olhava e via e ela copiava e acompanhava o dedo do guia em seu voo entre esculturas e quadros. Sem a necessidade de botoes e joy sticks inter-agia.
Sorri e, plena de vida, segui para o Museu Etrusco.

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sexta-feira, 19 de março de 2010

MEDOS

Hà muito tempo atràs, escrevi em um poema... o poema que nao foi feito/por medo do abismo/por medo do medo...
Sim. Sempre tive medo de ter medo e isto deu muito pano pra manga em meus encontros com minha analista.
Tenho uma imaginaçao um tanto feérica e sou capaz de amplificar situaçoes de perigo ou, no minimo, de desconforto. Sofro do que chamo da sindrome do E se...? E se acontecer isto? E se acontecer aquilo? E ai vou criando filmes de terror.
Foi exatamente por isso que quando estive em Roma pela primeira vez, hà mais de trinta anos, nao visitei as catacumbas. Cheguei a ir a Via Appia, mas quando estavamos nos preparando para descer, o infeliz do guia fez o seguinte comentario: Se alguem sofrer de claustrofobia, nao deve entrar. Foi o suficiente para eu panicar. Nao estava com medo dos possiveis fantasmas de vetustos cristaos, tinha medo de meus medos. E se eu sofrer de claustrofobia e nao souber? Criei a cena perfeita. Eu tendo um treco no meio das tumbas e todos me atendendo. A falta de ar... O desespero. Nao desci. Ficamos eu e Timo, o motorista do onibus, esperando os turistas nao claustrofobicos voltarem do passeio.
A vida é assim. Foram precisos mais de trinta anos para que eu decidisse voltar às catacumbas e melhor que tudo, entrar terra a dentro. Nao vou negar que no momento exato em que ia pisar o primeiro degrau, as maos gelaram, mas o casal espanhol que estava atras de mim me sorriu e eu olhei para o ceu que estava de um azul perfeito. Respirei fundo e entrei.
A visita foi tranquila e, ao sair da terra, nao resisti e sussurrei um YES!, sò para mim.
Catacumbas vencidas, resolvi visitar uma igreja que fica na Via Veneto e que me haviam dito que tinha a cripta feita com os ossos dos padres enterrados là. Um tanto macabro, mas achei que valia a pena.
A igreja em si é normal, com uma linda Nossa Senhora da Conceiçao pintada no altar e enfeitada com coroa, brincos e pulseras de ouro. Rezei... que eu rezo sempre e fui para a area que eles chamam de cemiterio. Entrei. Uma senhorinha sorridente me informou que nao poderia tirar fotos por respeito e que eu deveria fazer um oferta de no minimo um euro. Me disse tambem que o caminho de ida era o mesmo de volta (achei simbolico). Deixei minha oferta e entrei. Uma cripta toda caiada de branco e toda ornamentada de ossos. Girlandas, esculturas, flores, simbolos religiosos. Tudo feito de ossos e tudo guardado por muitos esqueletos vestidos de frades. Confesso que nao me deu medo, era ate esteticamente bonito e quando sai sussurrei outro YES!, sò para mim.
Engraçado... realmente nao sei se foi resultado das visitas um tanto estranhas a que me dediquei durante esta semana ou se o jantar de ontem estava um pouco mais pesado, mas o fato é que, durante a noite, tive um dos piores pesadelos que ja tive em minha vida, com direito a acordar Silvio, acender todas as luzes e ligar a televisao para ver se passava o medo. E ainda tive de ouvir de Silvio: Voce é maluca. Quem manda ficar visitando esqueletos.
O medo do medo...
... e de fantasmas tambem.

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sexta-feira, 12 de março de 2010

63,116,175,119,71...

Há algum tempo atrás, eu escrevi um texto sobre os onibus que fizeram parte de minha vida. Acho que este texto é a sua continuação.
Esta semana decidi ver a cidade usando transporte público. Começou de forma organizada, comprando o bilhete para todo o dia e pedindo informações sobre trajetos e linhas. Descobri, entao o 63, o onibus que pode resolver a maioria dos problemas dos turistas, pois passa pelos points mais desejados. Mas foi ai que o vicio começou...
Como uma boa adicta, comecei com o light 63, e buscando novas emoçoes, me entreguei ao 116, que, para falar a verdade, é uma versao ainda mais leve do 63. Um micro onibus elétrico que tambem perambula pelos sights turisticos. Alias todos estes onibus da linha 11... sao assim. Pequeninos, vao se embrenhando por vielas e Roma vai surgindo... inesperada. Hoje tomei o 119 e cai na Piazza dei Popoli, de repente. O vicio està instalado e busco agora o tuimmmm do 115, ainda um mistério para mim.
O 175 jà foi uma outra experincia. Fui andando pela Via dei Fori, ruinas romanas de um lado e do outro, e acabei chegando ao Coliseo. Veio entao a pergunta, que onibus pode me levar daqui ate a Via Veneto? Levei um tempo perscrutando as placas com as indicaçoes até que descobri o 175. Decidi espera-lo. Mas passava tudo que era onibus, menos o dito cujo. Quando ia desistindo, pensei na fantastica oportunidade de poder ficar em frente ao Coliseo esperando um onibus. Tinha ainda um solzinho morno que jogava uns raios fraquinhos entre os arcos do monumento. Decidi esperar, o quanto tivesse que esperar. Eu as vezes pensava, Ei Patricia, é isso mesmo. Voce esta parada em frente ao Coliseo esperando um onibus. E sem urgencias. E sem horas marcadas. Curte.. muito. Por essas e por outras é que o vicio foi se instalando. Literalmente, viagens inesqueciveis.
Cada vez mais confiante em minhas very good trips, decidi tomar o 63 e ir até o final da linha, Largo Pugliese. Era uma manha ensolarada e la fui eu. Aos poucos, os pontos conhecidos foram desaparecendo e, na janela do onibus, começou a surgir uma outra Roma, feita de largos e suburbios. As pessoas tambem mudaram um pouco. Mais simples, menos turisticas. Um burburinho de falas ao celular. Eles falam muito ao celular. Em todas as partes. Andei por mais de uma hora ate o ponto final. E ai a decisao foi inevitavel... ir de volta ate o outro fim da linha. Ja podia sentir o vicio instalado em minhas veias. E a volta me levou à beira do Tibre. Bem proximo à ponte que leva a Isola Tiberina e ao bairro judeo, outro lugar por onde perambulei, entre restaurantes de comida Koshe e muitas lojinhas que vendem de tudo.
E, como viciado sempre quer mais, quando Silvio me disse que tinha que comprar um microfone para Ricardo na Via Tiburtina e que nòs iriamos là no sàbado, eu nao pensei duas vezes e decidi ir antes, e de onibus. Foi na Piazza Barberini que descobri o 71 que poderia me levar a Stazzione Tiburtina. E là fui eu, mas ai a trip foi um pouco bad. O onibus foi passando por uns lugares estranhos e seu ponto final era debaixo de uns viadutos. Tudo bem feiozinho. Ainda tentei descobrir onde ficava a loja, mas como me informaram que eu tinha que atravessar uma ponte (por sinal bem feiozinha), decidi retornar.
Voltei a meu velho vicio, o 63. E foi ele que me levou até a exposiçao dos impressionistas que està na Piazza Venezia. Linda!!!!! Ia vendo os quadros e me lembrando de tanta gente que eu queria que estivesse comigo ali. Me bateu uma saudade... morninha.
Bem... Posso dizer que a vida mudou. Com o vicio totalmente instalado, agora nao consigo mais passar por uma parada de onibus sem que tenha a incontrolavel compulsao de entrar no primeiro que vier e seguir... seguir ate o ponto final. Esse é o jogo... ate o ponto final... (mas sempre tendo no bolso [do colete], a passagem de volta). Que hà que se voltar, nem que seja para escrever mais um texto no blog e passar a vida a limpo, como diria Drummond.


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sexta-feira, 5 de março de 2010

TOUS LES HOMMES SONT MORTELS

Quando eu era adolescente li um romance de Simone de Beauvoir que me impressionou muito. O livro chamava-se Tous les hommes sont mortels (1946) e contava a historia de uma especie de alquimista que conseguiu tornar-se imortal. A narrativa era séria e angustiante, pois, a medida que o tempo passava, ele desejava cada vez mais morrer e, assim,  começa a fazer coisas como ficar sessenta anos sem respirar para ver se morria. Angustias muito a parte, tenho lembrado desse homem enquanto perambulo pelas ruas de Roma.
Tenho todo o tempo que necessito para fazer o que necessito e o que eu necessito é ver, descobrir, aprender, ver mais, redescobrir e olhar novos olhares.
Posso ficar uma hora e meia esperando um onibus que eu pensava que me levaria para um lugar e enquanto esperava... via. 
A cidade, apesar de ainda fria(zinha), assumiu seu estado primaveril e percebo com alegria que a luz branca do outono carioca tambem està por aqui neste inicio de primavera.
Tenho tantas historias para contar... mas, por agora, là fora faz um sol maravilhoso e a vontade é de cair no mundo.
Sei que todos os homens sao mortais, mas tenho certeza que hà em todos nòs um grau de imortalidade que se manifesta em plenitude nos momentos felizes.
Que possamos exercer a nossa precaria imortalidade a cada dia... em um sorriso, um olhar ou apenas esperando um onibus que a gente pensa que nos levarà ao lugar desejado.

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