sexta-feira, 26 de novembro de 2010

NASCENTES E POENTES


Final de semana passado, estivemos em Valle de Bravo. Este pueblo fica a umas duas horas da Cidade do México. Uma represa linda e, à volta do lago, casas de tirar o fôlego. Tudo de bom para andar de barco, perambular pelas ruelas antigas, ver e comprar artesanias, descansar muito e experimentar um deslumbrante pôr de sol.

Ao cair da tarde, Silvio e eu nos sentamos na varanda de nosso quarto e ficamos ali, só olhando o sol performar.

Há muitos anos atrás, fui a Salvador com papai e mamãe. Íamos com frequencia à Bahia de carro, pois Dona Thereza sempre teve pavor de avião. Viagem longa, de três dias. Íamos parando e descobrindo a região. Aprendi com meus pais a viajar e a aproveitar cada momento dos passeios.

Daquela vez, estávamos em Porto Seguro. Não a cidade de agora, mas uma Porto Seguro de mais de trinta anos atrás. Poucas pousadas, um ou dois hotéis. Ficamos no Vela Branca , um hotel que ficava no alto de uma colina e que tinha como uma de suas principais atrações o seu amanhecer. Quando fomos levados ao chalé onde ficaríamos, o rapaz nos apontou um canto do gramado que dava para o mar e nos informou que era ali que devíamos ficar para ver o sol nascer.

Mamãe empolgou-se, Não vou perder o espetáculo! (Dona Thereza era assim. Ariana passional! Vibrava com as coisas e se enfurecia na mesma medida, mas nunca guardava rancores. Ariana... Muito ariana).




Silvio e eu, ali, quietinhos. De vez em quando, nos levantávamos e faziamos uma foto. Ele queria que eu filmasse tudo. Eu só queria fotografar. Ao longe, uma música vinda do restaurante Los Pericos que fica no embacadero ia emoldurando a cena.

Mamãe acordou cedinho. Quando vi, ela estava enrolada em um cobertor e pronta para ver o amanhacer. Era julho e fazia frio. Era muito cedo. Lá fora, o dia começava a amanhecer.

Vamos! Está na hora. O sol está nascendo! Joe, acorda! Tá na hora! E papai nada. Thereeeeza... é cedo... Patricia, vem comigo. o sol está nascendo. O moço disse que é lindo! E eu nada. Mãããe... tá frio...

Ela tentou de tudo, mas não ousou sair sozinha. Teve medo. (Tinha medo de fantasmas... Ainda estava escuro). Se encarapitou na cama e passou o resto do dia sem falar com a gente. Perdeu o amanhecer.

Desde aquela manhã, já tive o privilégio de ver muitos nascentes e muitos poentes em diferetes lugares deste planeta Terra. (O Ávila, por exemplo, sempre me presenteou com espetáculos inesquecíveis). E todas as vezes em que estou, assim, diante do sol, me lembro de Dona Thereza e daquela manhã em Porto Seguro. Aquele amanhecer para mim é uma eterna dívida. Não me custava nada ter me levantado e ido com ela ver o sol chegar. Ela queria tanto... Não me custava aquele carinho. Mas não fui. Não fiz. (Filhos, melhor não tê-los!) Não dá para me redimir. Então, a cada nascente e poente que vejo, penso muito nela, tentando trazê-la para junto de mim. Tentando...

Minha mãe me ensinou muito pelo oposto. Acho que ela deixou de fazer muitas coisas por medo... (Ela e seus fantasmas!) Então, quando quero fazer algo, faço um esforço enorme para vencer os meus. Se ninguém quiser ir comigo, tento abrir o caminho sozinha. (Às vezes, me amedronto, mas, pelo menos tento.) Faço isso por mim e também por ela. Como uma homenagem. E, diante de meus nascentes e poentes (reais e metafóricos), sempre dou uma paradinha e digo, como se entrelaçasse as suas mãos com as minhas: E aí Dona Thereza? Tá gostando?


 


Nota inesperada: Quando tinha acabado de publicar este texto, algo bateu no vidro da varanda. Fui olhar e encontrei no chão do balcón um passarinho meu tonto. Tinha voado de encontro ao vidro. Tentei pegá-lo, mas ele me olhou assustado e se foi... Coincidencia?

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

4 comentários:

Eulalia disse...

Dizem que o acaso é uma coincidência divina... (sorriso)

Lindo texto, querida!
Me faz reviver tantas facetas de Patrícia...

o texto é um presente.

As fotos, o vídeio... a redenção, tudo!
beijinhos

anaschwarc disse...

Patricia, esses sentimentos que nos vem, com relação aos nossos pais, que, já, se foram, são muito bonitos. Muitas das vezes me pego pensando, tb, se minhas filhas os terão quando, eu, tb, não estiver, aqui. Não adianta, é assim mesmo. Estamos aqui de passagem, somente, para aprender. Muito bonito seu texto! Belo poente! É, o que mais gosto! O nascente, ainda, estou com muito sono! bjs

Celina disse...

Ai que saudades de nossas viagens, de Kombi ou de Veraneio. Acho que minha alma viajante também começou por aí. Saudades de Tia Thereza, e tio Joe. Eram meus ídolos! E que nossa sucessão de nascente e poentes seja sempre de deslumbres. Beber cada momento como se fosse champagne. Lágrimas nos olhos!

Alzira Willcox disse...

Esse seu post me emocionou. Vc tocou num ponto que mexe comigo ou melhor começou a mexer quando meu pai morreu - a finitude, a impossibilidade de resgatar qualquer momento diante da morte. Eu adiava tanto em relação a meu pai...É isso.
Vc escreve bem e tem uma sensibilidade que é difícil não tocar as pessoas. Um prazer ler os seus posts.