sexta-feira, 1 de outubro de 2010

ANTIGOS PAPÉIS


Casa nova, vida nova. Assim diz o ditado. E casa muito nova... novinha, pelo menos aqui no Rio de Janeiro, significa uma casa, como direi, compacta. Há piscina, sauna, espaço gourmet, brinquedoteca, área zen e muito mais... Mas espaço que é bom para colocar tudo que a gente tem... Bem, aí são outros 500 metros quadrados.

Então, cá estou eu em plena cápsula, mais uma vez tentando abrir espaços... e caminhos para uma mudança que já saiu da Venezuela e que ameaça chegar em meu moderno e compacto "3 quartos" sem que eu tenha tido tempo de me desfazer de tudo que ainda preciso descartar. (O que me apavora mais são as coisas de Silvio. Uma papelada amorfa e caótica que deve ser preservada por razões metafísicas.)

De minha parte, estou fazendo o melhor que posso. Enquanto lidava com louças e móveis, a coisa foi fluindo bem, mas agora entrei em território delicado e perigoso... meus livros e meus papéis... meus escritos. Tudo no original. Muita folha paltata coberta por uma letra corrida, às vezes tímida, às vezes arrogante. Letra de menina que começa a contar sua história, letra de jovem que vai mudar o mundo no grito. A maioria das coisas escrita a lápis, que foi assim que eu sempre gostei de me escrever. Tres, quatro versões de um mesmo texto. A busca pela palavra exata. Risco, rabiscos, imprecisões.

Em uma folha de fichario encontro o original de Oráculo, meu primeiro great hit. O título original era "Nostradamus no Fantástico", a data 1974. Eu tinha dezesseis anos e, apocalíptica, anunciava: Somos os dos últimos tempos...

Fiquei olhando o papel e me revisitando. O meu rosto e minha alma iam mudando em frações de segundos. Da menina que naquela noite escreveu o poema até aquela mulher, que há uns sete anos atrás, disse pela última vez o mesmo texto para uma platéia de adolescentes como ela um dia havia sido. No final da palestra, uma menina de seus dezesseis anos foi falar comigo e me disse: Gostei muito daquele poema... Aquele... Somos os dos últimos tempos... E eu sorri e agradeci orgulhosa. O texto continuava vivo.

E agora aquele original em minha mão... Rasgo ou não rasgo? Quem vai se interessar por este papel amarelado? O poema já foi publicado. O registro já foi feito e afinal... outras gerações vieram. Não éramos os dos últimos tempos, mesmo que não se pueda volver a los diesisiete. Sempre haverá outras meninas e outros textos apocalipticos.

Virava e revirava o texto em minhas mãos. Vai Patricia, pára com isso. Rasga e pronto. Há que abrir espaços para outras coisas. Rasga.

Rasguei outros originais. E cópias feitas a mimiógrafo e xerox. Papéis antigos, amarguradamente amarelos. Outros textos. Outras histórias. Outros momentos de mim. Às vezes, eu era capaz de me lembrar do momento exato em que havia escrito um determinado poema, outras... ficava olhando para a folha, as letras rabiscadas e não lembrava mais. Tinha ficado só o texto como que descolado de mim.

Esbarrei novamente com a folha de fichario... Somos os dos últimos tempos...

Vai, Patricia. Rasga. O mundo não vai parar se você rasgar esta folha de papel. Não há para quem legar garatujas e folhas amareladas... Rasga.

Não importa se rasguei ou não o papel, mas o que sei é que há pastas que devem ser queimadas sem serem abertas... Queimadas vivas... Como se fazia com as bruxas medievais.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)





4 comentários:

Ana Schwarc disse...

Oi, Patricia. Julia me falou de seu blog, e, ai, eu tinha visto através do facebook que havia um, seu. Vou lê-lo. Para te conhecer. Porém, há uma segunda intenção nessa minha curiosidade, além, é claro de te decifrar...Criei, tb, um blog. Está iniciado, porém, não consigo ir a diante. Ainda, não sei como funciona. Gostei muito, iniciamente, dessa auto programação de sempre às terças feiras, escrever algum texto. Não tinha pensado, ainda, asssim. Enfim, vou pegar vc emprestada para ver se consigo escrever, tb, meu blog. Gostaria muito de conseguir ter a sua desenvoltura. Já comecei a ler alguma coisa, salteada. Mas, iniciarei pelo começo, redundante isso, heim! A confecção desse mesmo comentário é o começo do aprendizado. Não, sei, mesmo, como ele será postado, ai, no seu blog. Peço licença e desculpe caso essa minha intromissão afete o seu blog. E para finalizar. Estou gostando do seu modo de escrever, e, a propósito, meu blog tem o nome de "Vontade das idéias" bjs

Celina disse...

Ah! Oráculo! Festival de Poesia, e sim! nós iámos mudar o mundo. Tá bom, não fomos exatamente nós, mas, sim, o mundo mudou e aqueles eram os últimos tempos... sem tantas coisas que temos hoje para nos expressar. Não rasgaria o original desse big hit, eterno e sempre vivo. Mas há sim que abrir espaço, quem sabe, para mais originais, escritos a lápis. Que saudades dos nossos teens moments!!!

pblower disse...

Ana,

Fico feliz de vc visitar meu blog para ter inspiração... idéias. Sinta-se a vontade para isso. Welcome!! patricia

Eulalia disse...

Ué... eu tinha escrito um comentário! Cadê?
Cheguei a lê-lo! Sumiu!
Bem, eu tinha dito que não sabia se você tinha rasgado o original... mas tinha certeza de que ele estaria sempre inteiro em seu coração.
Ademais, estaremos sempre nos últimos tempos, querida... sempre! (sorriso)
beijos