sexta-feira, 15 de outubro de 2010

MUITOS RESGATES


Quando viajei para o México, tinha muitos planos de passeios. Afinal, já é quase uma tradição de há séculos, enquanto Silvio trabalha, eu tiro os dias para descobrir lugares. Desta vez não seria diferente.

Por causa das outras vindas à Cidade do México, já conheço bastante de suas colonias, calles, plazas y parques. Já conheço muito de seus pueblos vizinhos, mas, com imaginação, sempre dá para ver novas coisas. Ou rever outras que sempre serão bem vindas ao olhar. 

Mas... como se diz por aí, "o homem põe e Deus dispõe". E foi isso que aconteceu.

Até domingo de manhã as coisas estavam bem, mas de tarde, Silvio começou a sentir dores fortes nas pernas. Tivemos uma noite, daquelas que a gente quer por tudo esquecer, mas, na segunda feira, ele, todo engravatado, me avisou que iria trabalhar. Nem discuti, também já tive meus dias de workaholic, e sei que quando a gente cisma com uma coisa, não há Cristo que nos faça mudar de idéia. Mas...'" o homem põe e Deus dispõe."

De tarde, ele me ligou dizendo que ia ao médico, não estava aguentando a dor. (Esta é a única coisa ruim de se estar fora de nosso país, ficar doente. Dá uma angustiante sensação de abandono...)

Quando chegou em "casa", trazia muitos remédios e um diagnóstico: inflamação do nervo ciático. (Pode????)

Os remédios lhe deram uma noite mais tranquila, mas de manhã, não houve vicio que o fizesse se engravatar novamente e ir trabalhar. Podia ficar de pé, podia se deitar, mas sentar... bem, nem com almofadinha ergométrica.

O que lhe restava era ficar deitado (e eu ao lado dele, por amor e solidariedade) e ver televisão.

Na CNN, o assunto do dia era o resgate dos 33 mineros chilenos previsto para durar em torno de dois dias. Portanto, tinhamos programação para as muitas próximas horas.

No anseio de desmentir Chico Buarque ("a dor da gente não sai no jornal"), a CNN e outros canais de televisão, esmiuçavam o passado de cada mineiro e de seus familiares, descreviam em detalhes (ainda que os mais sórdidos) o seu presente e especulavam, como mágicos oráculos, o seu futuro.

Nada passava desapercebido, ainda que os câmeras tivessem que se engalfinhar pelo ângulo mais preciso. Da progressiva exaustão do presidente, às lágrimas e sorrisos angustiados dos familiares. 

E começou o resgate. O primeiro resgatista desceu, lentamente, até o refúgio. Com sua chegada, apresentada ao vivo e a cores, graças ao advento das fibras óticas,  os mineiros choraram, eu chorei e o mundo se comoveu em edição extraordinária.

E subiu o primeiro mineiro, lentamente. A tensão era grande. Por quase vinte minutos, esperamos até que a sirene tocasse, indicando a chegada à superficie do primeiro herói. E ele chegou, trazendo palmas, cânticos, abraços e beijos e também enevitáveis comentários dos jornalistas. É um novo nascimento!!!! A mãe terra parindo seus filhos/heróis. O drama épico ao vivo e a cores.

E assim foi se passando o tempo. Às vezes, já era novamente hora de Silvio tomar remédio.

Um a um, os mineiros iam chegando com seus óculos escuros e sua força  e coragem. Sem dúvida, foram, são heróis. Sobreviveram a dezessete dias perdidos e sem comunicação. Sobreviveram à espera de que uma sonda chegasse a seu refúgio. Sobreviveram à escuridão e a fome. Sobreviveram às promessas de que jamais outro acidente como este acontecerá. Sobreviveram às mazelas da pele e dos dentes. Sobreviveram à claustrofóbica subida pelas entranhas da terra. Sobreviveram.

Enquanto Silvio dormia e eu assistia ao resgate, terceiro evento mais visto em toda a história da televisão, eu ficava pensando no Day After. Temi pela sobrevivencia dos trinta e três ao assédio enlouquecido da mídia, à barganha pelo melhor contrato para a filmagem do evento, para o best-seller, para a propaganda dos óculos escuros, dos macacões térmicos. E tudo tendo que ser feito com a maior rapidez, porque o ser humano está ficando com a memória cada vez mais fraca e, se já passou uma semana, já é página virada. Quem? Mineiros? Chile? Onde?

Quem, agora, poderá resgatá-los de seu destino inexorável? Serão eles capazes de sobreviver a essa nova mina? ... Que dizem ser de ouro?

É... continuo concordando com Chico Buarque... "a dor da gente não sai no jornal". (E nem na CNN, apesar de todos os esforços de reportagem).

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)


6 comentários:

Alzira Willcox disse...

Acho que o mundo deu uma pausa para acompanhar a saga do resgate. E pensei como você sobre os dias subsequentes, sobre a exploração do drama dos mineiros. Já tinha até diretor de cinema lá, in loco, para acompanhar de perto "as cenas do próximo filme".
E a conclusão a que já tinha chegado faz tempo, muito tempo - a nossa dor é só nossa, mesmo que saia nos jornais, mesmo que pessoas queridas compartilhem conosco.

monica disse...

Notícia boa é aquela que vende jornal, deixa de ser em muito pouco tempo. Talvez se os mineiros ficassem mais semana embaixo da terra as pessoas se 'cansassem' e fossem procurar outra coisa com que se preocupar. Mas ELES estariam lá de qualquer forma e a gente por aqui já distraídas com outra notícia.
Acho muito emocionante, mesmo com todo circo armado pro show do salvamento.
Bjs

Eulalia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Eulalia disse...

Acompanhei como você, querida, e também fiquei mobilizada com o a posteriori de cada um, vasculhado em sua vida particular ao mais alto nível de agressividade em sua privacidade. Que ouro será esse...

E me comovi e me comovo com Silvio, este irmão do coração, esperando que ele logo se restabeleça, como nossos heróis, dessa dor, nas entranhas mexicanas.

beijinhos

Celina disse...

Bem, os mineiros estão com a agenda cheia! E agora que o final feliz chegou, vão até para a Grécia, cheios de dólares. Mas o final feliz, que mais me interessa, foi o de Sylvio, meu primo cósmico. E viva Germolene! (Eu sabia que um dia ia ser útil, hehehe!) 1000 beijocas!

Anônimo disse...

Amiga querida,
nervo ciático? acupuntura nele. Dá certo - pode crer!
beijos,
Marilia