quinta-feira, 13 de maio de 2010

UMA RUA CHAMADA MOREIRA CÉSAR

Malas feitas, começo minha viagem de volta para Caracas. O caminho não será simples como um singelo vôo direto Galeão/ Maiquetia. Não. A viagem começa amanhã cedo no Santos Dumont, passa por três dias em Porto Alegre, onde me encontro com Silvio, continua por mais uns quatro dias em São Paulo, até que, espero, no dia 19 à noite, sigamos para a Venezuela.

Já estamos em maio e, até agora, não fiquei muito tempo em minha casa. Uns vinte dias em janeiro, uma semana em abril e mais nada. Este ano tenho sido uma viajante compulsiva, mas confesso, começo a sentir saudades de meu cantinho.



Meu cantinho... Há algum tempo atrás se alguém me perguntasse onde era o meu cantinho, eu não titubeava e respondia: Niterói.



Niterói... Sou nascida no Rio (por acaso), mas minha terra é Nikity (como a cidade é chamada pela galera). Fui criada entre Icaraí e Itacoatiara e tenho que admitir que nos últimos tempos, vendo as noticias pela TV, me sentia muito triste ao ver o nome da cidade transformado em sinônimo de desabamentos, morte e dor. Uma pena. A cidade levou tantos anos buscando sua identidade, seu rosto feito de praia e por de sol, para terminar na mídia internacional de forma tão trágica. Talvez por isso, tenha sido bom ter voltado a Niterói desta vez.

Rever família e amigos e me surpreender, com um quase olhar estrangeiro, ao ver o entardecer nas praias de Icaraí e São Francisco.



Como este ano não fiz meu check-up em apenas um dia como faço todo ano, tive de perambular por Icaraí por várias tardes, de médico em médico, de laboratório em laboratório. A peregrinação teve um efeito colateral bastante positivo, me reencontrei com a Moreira César.

Quem é de Niterói é iniciado e entende do que estou falando. A Moreira César não é uma rua, é uma entidade mística. Lá, todos se encontram (por acaso), numa efusão de Ois e Tudobens. Entre pequenos shoppings, entre inúmeras lojas, entre moda e grifes e padarias, esbarramos com amigos, conhecidos, antigos colegas de escola, amigos de nossos pais... E quanto mais a gente vê gente, mais se reencontra... com a gente mesmo. Com o que somos. Com o que fomos. Com o que um dia sonhamos ser e não deu certo. Com o que deu certo, apesar de tudo.

E como foram muitas tardes... E como eu não perambulava pela Moreira César desde o inicio de 2000, quando fui trabalhar no Rio... Foram muitos os encontros com amigos e um enorme reencontro comigo mesma.



Me vi menina, de mãos dadas com Guiomar, minha babá, para ir a casa de vovô Cláudio. Tarde de verão e sol a pino, porque por alguma razão misteriosa a prefeitura sempre podava os Oitis que sombreavam as calçadas em pleno janeiro. Depois era eu de novo, de uniforme e pasta de couro (pesaaada!), indo para o colégio Pio XI. Ao longo de meu primário e ginásio fui vendo a rua se modificando. As casas virando canteiros de obras. As obras virando prédios (com salão de festas e playground). Só muito mais tarde os prédios foram virando fortalezas gradeadas com porteiros eletrônicos e câmeras de segurança.

Quando eu era criança, da Moreira César dava para se ouvir o mar, principalmente em tempo de ressaca. Hoje... como o trânsito piorou!

Depois, como num salto, me vejo, já adolescente, em matinés no Cinema 1 e em discussões literárias na livraria Passárgada. (Está bem, a Passárgada era na Pereira de Silva, mas eu passava pela Moreira para ir lá).

E tinha (e continua tendo) a livraria Gutenberg, onde lancei O Vôo de Vidro, meu último livro.



Foram muitas tardes... Foram muitos encontros... Com Clarice, Rose e Patricia. Com Mônica. Com Josélia... Foram muitas recordações. Inclusive uma que eu deixei para o final, e que conta um pouco do que é a rua para mim.



ESTILHAÇOS



Os cinqüenta anos

As três gerações

Não fazem a tua história

Nem

O firme alicerce

O telhado antigo

O terraço

A copa

A sala de televisão

(a varanda talvez...)

Não... nem ela faz a tua história



Os retratos amarelados

Os encardidos documentos

Os casos de ontem e anteontem

Não servem também para dizer como foi

Nem os vizinhos antigos que nas peripécias da vida

Se mudaram

Alugaram as casas

Legaram para os filhos

Ou simplesmente deixaram de existir



Não

Não são nomes que pintam a tua história

Nem diluídas feições



O que conta a tua história

Com voz e colo de avô em tarde de verão

São os estilhaços da gente

Risos

Zangas

Discursos

Canções

Parabéns pra você!!!!

For he’s a jolly good fellow!!!

O Pai Nosso e a Ave Maria do almoço de Natal

É vovô sentado na mesma cadeira

Regina entre panelas e temperos

Bisa secando o cabelo ao sol

Vovó com os jornais na varanda

A fala malandra de André

Os filhos e filhas

As noras e genros

O rema-rema

(que nem sei onde anda)

A chegada de tio Tommy

De tio Benny

A espera por tio Dick

Os debates acirrados em fim de tarde no domingo

As festas de São João

O teatro

O som

A discoteca

E a secreta árvore de Natal



O que marca a tua história

É o que de nós as tuas paredes suam

O que de nós a tua porta escancarada fala

É o que de nós

(na derrubada)

vai implodir contigo

E marcar

Com força de ferro

E calor de brasa

Que lá

Para sempre

É a casa dos Blowers

Moreira César 380

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

4 comentários:

Alzira Willcox disse...

Fiquei muito comovida ao ler o seu texto, o poema principalmente.
Hoje passei pela Cinco de Julho, 317, hoje 313. Nem o número existe mais. Estava com minha neta e contei pra ela que ali eu tinha vivido durante muuuuitos anos. E fiquei emocionada. Lembranças me vieram à mente de um tempo de risos, música, brincadeiras e alguns momentos tristes. A minha história. Obrigada pela poesia, pelo prazer que vc me proporciona com seus textos. Bjs

Eulalia disse...

Um dos poemas que mais gosto. E que não me canso de ler!

Sem falar que, mesmo sendo do Rio, perambulo um bocado pela Moreira (sorriso)
Parabéns, querida! Lindo!

Elza Martins disse...

Querida Pat, estou semi afastada de quase tudo pois vendi um e comprei,derrubei e recontrui outro apartamento.
Fiquei envolvida, por quatro meses, nestas funções que me deram um novo lar. Tomara que meus sobrinhos e meus sobrinhos netos tenham estórias lindas, como as suas, para contar dos tempos passados na casa da Tia Elzinha.
Amei os dois texto e poema. Saudades de você.

Anônimo disse...

que saudade que deu da Moreira César, das minhas estórias, tão iguais às tantas que aconteceram ali (e acontecem ainda). Da minha vó, de vcs todas, minhas porfessoras, minhas amigas, as pessoas todas... daquela sensação de aconchego que a gente tem ao chegar em Niterói. Como é bom vir ler seus textos e poemas de vez em quando!!!