quarta-feira, 1 de abril de 2009

WHAT'S IN A NAME?


Ainda sob o impacto da montagem de Hamlet e ainda em terras brasileiras, reencontro Patricia Blower. Não, não se espantem, não há nada de esquizofrênico em tal declaração. A história é outra, bem mais simples que qualquer tragédia de Shakespeare.




Por muitos e muitos anos fui mais que Patricia, fui Patricia Blower. Quando comecei a trabalhar dando aulas de inglês, eu era Miss Blower. Depois o sobrenome pegou e virou nome de guerra no trabalho. Quando lancei meu primeiro livro, lá pelo final da década de 70, lembro do dono da editora, Moacir C. Lopes, me perguntando que nome eu usaria e ele mesmo me sugerindo “Patricia Blower. É forte, tem impacto”. Então virei Patricia Blower também em território literário. Vivenciei variações carinhosas, entre elas a mais famosa “Amiga Pat Blower...”, mas nada que fugisse por demais do padrão. Assim fui forjando minha identidade.

E um dia fui viver em Caracas.

Na Venezuela, para tudo que você compre, de uma caixa de fósforos a um aparelho de jantar, de um lençol a toda mobília do quarto, terá que dar ao vendedor muitas de suas informações pessoais para que ele possa fazer la factura. Isso se deve a um controle estatal e, portanto, depois da compra de, por exemplo, um lápis, se faz necessário informar seu nome e endereço completíssimos e o número da cédula (carteira de identidade) ou, no meu caso, o número do passaporte.
Logo que cheguei, temia que qualquer erro em tais informações poderia levar o pobre infrator à prisão. Assim, levava um tempo enorme em meu processo de identificação. Cambaleava na pronúncia do endereço e enfrentava bravamente o desafio de dizer corretamente o número de meu passaporte, que, diga-se de passagem, por começar com 20, levei algum tempo para entender que não era nem vinte nem binte, palavras ininteligíveis para os caixas, e sim beinte. O meu sobrenome, no entanto, era sempre o mais desafiador. Dizia Blower e o caixa me olhava ou com um olhar inquisidor ou admitidamente ignorante. ‘?Como señora?” E, aí, era o clímax do desespero, quando eu tinha que soletrar o meu apellido. E lá ia eu: “bê alta; ele; o; doble bê, e, errrrrrre”. Eu saia da loja com o meu lápis e totalmente estressada. Nunca pensei sofrer de estafa por comprar pequenos objetos.
Mas fui me aclimatando à cidade e aos poucos comprovava que para toda regra muito rígida, há sempre uma forma de burlá-la. Eram os próprios logistas que simplificavam as coisas. Pediam-me só o município onde eu morava e o meu primeiro e último nomes. Fui entendendo que não havia nenhum grande computador detector de mentiras que cruzava todos os dados e depois apresentava a lista dos faltosos. Nada disso. Eram só espaços em um papel que deveriam ser preenchidos, fosse com a informação que fosse. Então, passei a brincar. Mudava os bairros onde eu morava e o meu próprio nome, até que cheguei a um modelo super simples: Maria Costa, que é o nome dentro de meu nome. Patricia Maria Costa Blower. A fórmula teria dado certo se eu não me esquecesse que eu também era Sra Maria Costa e, muitas vezes, respondi a ligações telefônicas ansiosamente esperadas, dizendo que era número equivocado, pois não havia nenhuma Maria Costa no local.
Com o passar do tempo entendi que eu precisava ser Patricia, mas que me era impossível ser Blower. Usei então o modelo hispânico, que considera como sobrenome principal, o sobrenome materno. Por fim havia chegado ao estado da arte. Patricia Costa. É assim que sou conhecida por lá.

Tenho um amigo que diz que quando pensa em mim hoje em dia, pensa em duas pessoas diferentes: uma que está por aqui e que ele conhece e outra distante, alguém que mora em outro país e com quem ele não tem muita intimidade. Não sei bem o porquê de ele sentir ou pensar assim, mas acho que isto se deve a sua dificuldade de me imaginar em Caracas. Ele não tem nenhuma referencia, nem da cidade, nem da minha casa e nem mesmo de minha rotina por lá. Viro outra. Virei outra?

Há alguns indícios interessantes de uma certa mudança. O cabelo está maior e os saltos bem mais baixos. Os terninhos foram substituídos por jeans. Se possível sem maquiagem. E aprendi a cozinhar. Caminho por uma hora, todos os dias. Acordo mais tarde. Durmo melhor. Hoje, tenho tempo para errar e refazer coisas. Experimentar e retroceder. Ceder, quando necessário, sem me sentir perdendo algo. Não quero mais mudar os outros, mas sei que posso ousar mudanças a cada dia. Quando quero, me reinvento e quando não quero, fico bem quietinha vendo a vida e as nuvens no Ávila passarem. Tenho aprendido coisas que já havia esquecido e esquecido outras que tive obrigação de aprender. Não é que a vida esteja melhor, é que eu quero fazer de cada momento meu algo mais tranqüilo. Voltei a ter o prazer de escrever.
Preservei, no entanto, a minha curiosidade e a disponibilidade para aprender a cada dia. Tenho orgulho de minha indignação. Falo bem menos, mas continuo querendo contar muitas histórias. Me pego cometendo muitos dos mesmos erros que fazia e continuo a me irritar com isso. Continuo precisando emagrecer. Sinto sempre prazer em estar com gente querida e em conhecer gente nova. Continuo gostando de ler, comer, ouvir musica e viajar. O que mudou agora é que tenho tempo para fazer tudo isto.


Um dia Shakespeare escreveu: What’s in a name? That which we call a rose by any other word would smell as sweet.

Shakespeare escreveu, mas quem disse a fala foi Julieta, uma quase menina. O que ela não sabia em seus quatorze anos vida é que os nomes ficam impregnados das coisas e das pessoas. E se dizemos rosa, não importa se vermelha, branca ou amarela, mas a palavra, o som vem sempre seguido da possibilidade do perfume. Essência original.
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Não sou Patricia Blower. Não sou Patricia Costa. Sou Patricia, que por costume ou por essência, como boa leonina, permanece aberta à vida e disponível à alegria como se todo dia trouxesse consigo a possibilidade de um dia de sol.




(in à vista del ávila / a foto é o resultado de uma festa inesquecivel)

2 comentários:

Bia Veiga disse...

Patrícia,
hoje a Elza me ligou avisando que tinha te encontrado, mas logo de cara não entendi de quem ela estava falando. Lá pelas tantas, quando ela falou que você ainda estava aqui, e que tinha texto novo, entendi que era você, rsrs. E que interessante surpresa tive ao ler esse texto, entendi o que ela tinha falado, ela deve ter falado de Patrícia Blower, e por isso não entendi.
Que gostosura ler suas palavras nos escrevendo de seus encontros, de seus reencontros, de suas conquistas, de suas observações...
Fico feliz de te conhecer.
Beijos
Bia

Alzira Willcox disse...

Patrícia Blower, Patrícia Costa, simplesmente Patrícia...
Continue compartilhando conosco a sua curiosidade, a sua gana de viver intensamente todos os momentos.Bj