quarta-feira, 22 de abril de 2009

ONDE ESTÁ O TEXTO?

Marília e Louise estiveram por aqui. É sempre uma delicia matar saudades e mostrar aos amigos um pouquinho desta terra e de minha vida em Caracas. Outra coisa que adoro é ver com olhos de turista recém chegado paisagens que de alguma forma já se tornaram rotineiras para mim.

O Ávila, a principio, se fez de rogado. Nada de aparecer. Até que Silvio deu um ultimato e, no sábado, ao invés de almoçarmos, subimos a montanha. Como sempre, Silvio estava certo. A paisagem foi se abrindo aos poucos e lá do alto pudemos passar uma tarde maravilhosa com direito a ida a Galipan para comer sanduíche de pernil e beber jugo de fresa e de mora. Conheci paisagens novas por lá. Também subimos e descemos caminhos íngremes, que para Lou e Silvio pareciam tranqüilos, mas que para Marilia e eu cresciam e se alongavam cruelmente. Sobrevivemos, apesar da falta de fôlego.

No dia seguinte, Colônia Tovar. Escolhemos ir por La Victoria, para fugir dos engarrafamentos de El Junquito. A opção foi mais que certa, pois a estrada é boa e com paisagens de tirar o fôlego! (desta vez, no bom sentido).

Segunda-feira foi dia de descanso e ficamos mesmo por Caracas e, na terça, seguimos a tradição, fomos visitar El Hatillo. Vimos artesanías e comemos um Levanta Muertos (caldo de galinha com batatas), bem gostosinho, apesar do cilantro (coentro). Os venezuelanos, como os baianos, gostam muito de coentro. Tudo acompanhado de muito queso guayano, o grande hit gastronômico escolhido tanto por Marilia quanto por Louise.

Quarta-feira, elas já se preparando para viajar, e mais um pouquinho de Caracas, com direito a cachapas e mais queso guayano. Eu não tomo jeito mesmo e levo as pessoas para o mau caminho, isto é, restaurantes e comidinhas, digamos assim, “engordativas”.

Enquanto passeávamos, eu não conseguia esquecer que havia um texto a ser escrito. Com a chegada das meninas, eu não tinha tido tempo de preparar o texto que entraria no blog esta semana e aproveitei para buscar entre nossas aventuras algo que me desse o mote para eu escrever. Mas ... nada acontecia.

Para eu escrever algo tem que haver como que uma paixão a primeira vista ou uma súbita simpatia. Tenho que sentir vontade de rir ou chorar ou só uma vontade grande de dividir com o outro um pouco do meu vivido. Por mais que eu queira, não sou eu que controlo, é o texto que se impõe. Às vezes sorrateiro, às vezes em avalanche incontrolável. Mas nem as paisagens, nem o bem estar de estar com gente que eu muito amo, nem o clima, que se fez perfeito ... nada ... o texto não se apresentava.

Perscrutei nas coisas mais simples, como o vaso de flores azuis em Galipán ou o menino brincando com os cavalos lá no alto da montanha. Poeira levantada pelos cascos e pelos pés pequenos do menino levado. Nada. Busquei na imensidão da Cordilheira da Costa, enquanto a serpenteávamos até chegar à Colônia Tovar. Uma montanha atrás da outra fazendo um maciço de vales, céu, vegetação e muito vento. Nada. O texto ... onde estaria?

Foi só na madrugada de terça para quarta que ele se fez presente. E lá pelas três horas da manhã foi me sussurrando “Lembra do segundo vale. O segundo vale”. Era isso. E tinha acontecido no sábado, logo no primeiro dia de passeios.

A subida do Ávila por teleférico tem dois momentos. Não é que o bondinho pare, mas como se está subindo uma cordilheira, não se sobe uma montanha e sim várias. As elevações vão se desdobrando na subida. Mas há dois momentos mais marcantes. Subida reta (como um primeiro vale), topo, outro vaaaaaale, topo e chegada. Lá estava o texto, neste segundo vale, que Silvio insiste em afirmar que é o primeiro e único. Não importa, era naquele vaaaaaale que estava o texto. Em um cair de tarde que se esforçava por se fazer o mais belo possível apesar do céu ainda acinzentado. Em um silêncio que só existe ali, porque é silêncio feito de vento e de um cantar de passarinhos bem ao longe. Em sua altura descomunal que a gente finge que não vê, disfarçando e olhando uma mata fechada que cobre toda a região. Dali, não se vê Caracas. É como se o tempo, o céu, o lugar, tudo tomasse novas perspectivas, um novo ângulo. E se a gente está atenta e se cala e só olha e respira, a gente também entra nesta nesga de espaço, neste viés de tempo.
Não sei quantos minutos dura a sua travessia, mas por mais que eu esteja cercada de pessoas, algumas inclusive um tanto assustadas pela altura e imensidão, sempre consigo me abstrair e ter a mesma sensação da primeira vez que subi. Não é voar, é um não pertencer. É estar a salvo ...

Que eu nunca me esqueça, onde quer que eu esteja, que há a possibilidade deste segundo vale, onde moram o silêncio e um pedacinho da eternidade.

E que eu esteja sempre atenta, onde quer que eu esteja, aos textos sorrateiros que chegam pela madrugada, sussurrando seus mágicos motes ... meus momentos mais inesquecíveis.

(in à vista del ávila)

2 comentários:

Anônimo disse...

Pat querida,
estar em seu texto, é ser imortalizada! Sua descrição me levou de volta a Caracas, aos lugares visitados como numa lembrança agradável. Vejo o segundo vale como um lugar de refrigério, e se me permite citar o rei Davi:

"Bem-aventurado o homem em cujo coração se encontram os caminhos aplanados, o qual, passando pelo vale árido, faz dele um manancial; de bênçãos o cobre a primeira chuva".
É você, amiga que com sua generosidade sabe fazer dos vales áridos mananciais de alegria para todos os que convivem com você.
beijos a você e ao Silvio
marilia

Elza Martins disse...

Quanta inveja branca, como diria Vilma. Vontade de fazer a viagem que fizeram Louise e Marilia, vontade de viajar com as três, coisa que já fiz em outros carnavais, e, finalmente a vontade maior de escrever como Patricia que transforma vales em manaciais, segundo a poetisa Marilia. Me sinto tão bem de me saber parte dessa confraria de mulheres fenomenais que não deixam que a distância geográfica se torne um empecilho para o afagar, o pretigiar enfim, o demonstrar amor. Eu amo vocês e agradeço sempre o bem que vocês me trouxeram.