quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

HOW TO BE AN INTERNATIONAL VAGABOND


Em Salvador, costumava brincar que quando me aposentasse iria morar na Praia do Forte e passaria os dias sentada em um banco que fica bem em frente à igrejinha da vila. Quando desse vontade de trabalhar, eu mudava de posição até a vontade passar.



Comecei a trabalhar aos dezoito anos e, desde então, minha vida foi uma mistura de trabalho e estudo.
Para não abrir mão do trabalho, vivi mais de dez anos com Silvio, ele morando em uma cidade e eu noutra. Portanto, se há algum tempo atrás alguém me dissesse que eu iria parar de trabalhar aos quarenta e nove anos incompletos para ir morar em Caracas, seria algo tão insólito como me dizer que eu seria abduzida por uma nave espacial e levada a Marte. Mas foi exatamente isso que aconteceu, quero dizer, fui para a Venezuela, a principio quase um outro planeta para mim.
Lembro-me do susto das pessoas quando eu comecei a falar que ia sair do emprego para acompanhar Silvio. Trocadilhos à parte, muitos me respondiam com um prolongado “CA-RA-CA!!!!”. E as perguntas que se seguiam eram: “O que você vai fazer lá? Já tem trabalho em vista?”
Para as duas perguntas eu tinha uma única resposta: “Não”. Eu não tinha idéia do que eu ia fazer.
Confesso que eu tinha uma certa preocupação, bastante explorada em meus encontros com minha analista. Como seria? Morar, pela primeira vez, na mesma casa com Silvio. Parar de trabalhar. Viver em um país sobre o qual eu tinha muito poucas referencias. Como seria?
Por instinto, decidi me apoiar em coisas que eu conhecia. Iria fazer contato com as pessoas do Conselho Britânico em Caracas. Iria buscar fazer alguns cursos de língua inglesa ou metodologia de ensino. Quem sabe funcionaria.
E, um dia, chegou uma 2ª feira em que eu não mais precisava acordar cedo, engarrafar na ponte e começar um dia de trabalho. Eu era, finalmente, uma desempregada.
Lembro perfeitamente, eu tomando banho e pensando que não tinha que ir trabalhar. O que eu esperava que acontecesse, tipo entrar em depressão, pânico, sentir uma tristeza profunda, nem de longe se passou. Lembro de um profundo alívio. Enorme. Só naquele momento eu me dei conta do quão saturada eu estava. Eu estava em um “piloto automático” já há muito tempo. Não acreditava mais no que eu fazia. Não acreditava que eu ainda tivesse algo a contribuir. Estava cansada de dar murros em pontas de facas afiadíssimas. Estava cansada daquele mundo. O único que eu conhecia. Estava cansada.
Como eu vivia correndo, cheguei a minha nova vida e, inconscientemente, mantive o mesmo ritmo. Tinha urgência de ir ao British Council. Tinha urgência de organizar as coisas. Tinha urgência.
Até que chegou um dia, depois de algumas tentativas frustradas de resolver tudo, pois eu estava sem carro, em uma cidade que eu não conhecia e no meio de inúmeras manifestações estudantis pelo fechamento da Radio Caracas de Televisão, que eu entendi que o ritmo era outro. As coisas iriam acontecer, mas no tempo delas. Afinal, além de tudo, eu estava no Caribe, que tem um timing bem mais aprimorado que o da Bahia. Fui aprendendo a respirar mais devagar e ... respirei melhor.



Quando cheguei a Caracas, Silvio já havia arranjado uma faxineira e uma passadeira, mas cozinhar dependia da gente e, como eu não tinha idéia de como fazer comidinhas, era ele que, depois de chegar do trabalho, preparava o jantar que eu também comia no almoço do dia seguinte. A principio este arranjo me pareceu aceitável, mas depois comecei a achar exploração e assim começaram minhas aventuras culinárias. Queimei muita comida porque me envolvia com um livro ou um CD novo e quando ia ver, lá se tinha carbonizado o jantar. Mas fui aprendendo.
Minhas tentativas de manter e aprimorar meu inglês foram substituídas por deliciosas aulas de espanhol.
Quando chegou o carro, fui aprendendo a dirigir nesta cidade que parece caótica, e às vezes é mesmo.
Fui aprendendo a caminhar todas as manhãs, principalmente pelo prazer de caminhar.
E um dia, em um acidente estúpido, de uma tacada, perdi a faxineira e a passadeira. E fui aprendendo a dar um jeito na casa e a passar. As camisas sociais são um caso a parte. Passei dias de minha vida tentando entender como elas podem ser passadas de um lado, sem amarrotar o outro. É uma tarefa taoista. Uma aula avançada de Tai-chi. Um ser normal pode ficar um dia inteiro passando uma camisa, na busca da perfeição. (Inatingível!). Mas fui aprendendo a passá-las. No inicio, Silvio não podia tirar o paletó, porque bem passados só estavam mesmo a gola e os punhos. Atualmente Beatriz toma conta das coisas, mas de vez em quando passo uma camisa, só para não perder a mão.
Aos poucos, fui descobrindo a cidade e todas as nuances do Ávila. Fui descobrindo uma nova música, uma nova literatura. Descobri o prazer de ir ao Trasnocho Cultural para assistir a um bom filme.
Aos poucos, estou realizando meu projeto maior que é o de viajar muito, sempre que possível, para conhecer novos lugares ou rever outros.



No inicio do projeto éramos poucos casais e na revista da Odebrecht uma matéria intitulada “Os Pioneiros” começava assim: Um grupo de sete executivos brasileiros laçou-se este ano ao desafio de concretizar o primeiro projeto de construção internacional da Brasken. (...) A maioria desses executivos fez o caminho inverso ao dos pais com filhos adultos. Em vez de vê-los saindo de casa, foram eles que partiram rumo à maior investida de suas carreiras.” Com o passar do tempo, o grupo foi aumentando e as amizades se estreitando. Somos um grupo de mulheres adultas, experientes, inteligentes e curiosas. De diferentes regiões do Brasil, apesar da maior incidência de gaúchas e baianas. Donas de casa, psicólogas, médicas, professoras, empresárias. Cada uma com seu talento especial. Todas optaram por viver uns anos sabáticos. Temos uma solidariedade silenciosa. Sabemos que contamos umas com as outras. Nos apoiamos sempre que necessário. E como pode ser necessário! Quando a saudade bate as nossas portas, principalmente quando filhotes visitantes vão embora.

Antes, eu pensava que somente na Praia do Forte eu encontraria a pracinha perfeita para me deixar levar pela vida. Hoje, eu sei que há muitas praças por aí e as mais tranqüilas são as que são encontradas por acaso, sem premeditações. Praças invisíveis e aconchegantes, como um pôr de sol aqui em casa. Um amanhecer, bem cedinho, com o Ávila se mostrando por inteiro para mim e tudo envolto em um cheirinho de café fresco. Praças feitas de silêncio e descobertas. Praças dentro de mim.
Passei grande parte de minha vida sendo aluna e professora. Agora, acho que virei aprendiz.

Um dia, no Rio, Bob Lewis me perguntou o que eu andava fazendo na Venezuela. Eu dei uma risadinha e respondi: “I’m an International Vagabond!”.


(in à vista Del Ávila)


8 comentários:

Unknown disse...

Sempre serei grata ao teu apoio e a tua amizada. Estou adorando ter seguido os teus passos e ñ me arrependo de ter trocado o meu trabalho na Universidade para me tornar I.V. Esra nova carreira já provou ter futuro.

Eta vida difícil....

VERA disse...

Muito bom Pat,cada dia melhor.
beijos
Vera

Celina disse...

querida,
tendo participado de cada etapa rumo ao MBA em International Vagabond Extension, fico loucamente feliz de te ver...feliz. Eu, como sua discípula, já estou me formando com louvor! Mas há que ter vocação e isso, nós temos! Yes! Nós temos!

Anônimo disse...

Pat querida,
seu texto é uma delicia como só você saberia escrever. Sò repetindo CA-RA-CA!!!!!
Caracas, me aguarde!
Marilia

Elza Martins disse...

Querida Pat, aguardo, ansiosamente, o dia da minha formatura em I.V.. Já estou fazendo residência no assunto e acho que mais um ou dois anos eu concluo minha formação, como diz sua outra amiga , com louvor.
Beijos muitos.

Bia Veiga disse...

Patrícia,
que delícia de texto. Como ainda estou completamente na ativa, penso que vou ter que providenciar logo o início do curso. Ainda não sei bem onde fazer a formação, mas vou pedir uma ajudinha a Elzinha, ela com certeza pode dar uma força.
bjs
Bia

Valéria disse...

Pat,
Quem é que disse que "blondes have more fun"? Eles erraram - eram "International vagabonds have more fun"!
Mil beijos, adorei a "poesia narrativa" da minha amiga - mas eu sim sinto falta daqueles engarrafamentos - nada como uma boa ponte para colocar a vida em dia, não é? Valéria

Eulalia disse...

Muito muito muito lindo! Mesmo.
Você.
lali