
Tinha uma idéia já acertada para o texto desta semana, iria falar sobre international vagabonds, mas foram tantas coisas acontecendo ao longo dos últimos dias que decidi me entregar ao acaso e escrever ... fragmentos, estilhaços ...
Perambulando por Chacao
Meus primos chegaram de Cuba na 4ª feira. Como eles mesmos definiram, estavam tendo uma lua-de-mel bolivariana e decidiram fechar o passeio com uma visita rápida a Caracas. O que mostrar a visitantes nesta cidade em menos de dois dias???? Subir o Ávila é a principal opção, mas como montanha cheia de melindres há que permitir-nos a visita a seu topo. Às vezes se enfada e fecha suas alturas. Resultado, nada de teleférico. El Hatillo é opção certa, independente do clima, mas só este pueblito não preencheria os dois dias. Claudia matou a charada e deu a solução: perambular por Chacao, um bairro tradicional, aos pés do Ávila e com os pés na década de 50.
O tempo inclemente não dava trégua. Caminhando, fomos esbarrando em muita gente e episódios de chuva forte. Andar pela Francisco de Miranda é como passear pela Rio Branco, no Rio, em dia de semana. Carros, gente, vendedores, buzinas, e aqui com o adendo de passeatas contra e a favor à reeleição indefinida.
Carlos Eduardo fotografando tudo, até os saquinhos de tajadas, banana da terra frita, que são vendidos nas bancas de jornal.
Na Praça Bolívar, encontramos a mais bela estátua do herói. Igrejinha. Praça Francia, em Altamira. Até que de repente Claudia indicou, entrem aí, e caímos em um mundo paralelo: Centro de Arte La Estancia. Todo o tumulto ficou para trás. Jardins, recantinhos. Uma chuvinha fina ia caindo e fazia de tudo muito mais verde. Cheiro forte de flor. Silêncio. E uma deslumbrante exposição das pinturas de Espinoza, um pintor contemporâneo venezuelano.
Fomos à Torre Plaza em Altamira, lembrem, em cada urbanización de Caracas há um centro comercial. E foi lá que comprei El Genio Del Idioma, de Alex Grijelmo, um livro super interessante sobre a língua espanhola. Em uma tienda de CDs, encontramos um vendedor, já bem entrado em anos, que, com paixão, me apresentou a minha mais nova descoberta musical: Recoveco, um grupo que mistura música clássica com canções tradicionais venezuelanas. Mistura violino e cuatro. Lindo!
Almoço em Tarzilandia (isto mesmo, terra de Tarzan!!!). O restaurante é muito melhor que seu nome, bem no sopé da montanha, cercado de verdes, tucanos e papagaios. Comemos assados maravilhosos e tequeños de entrada.
Fechamos o dia conhecendo Sabas Nieves, uma das entradas para quem quer subir o Ávila a pé. Um túnel de mosaico, samambaiais e avencas, uma escada que leva ao infinito ...
Fiquei só na entrada, admirando os mosaicos.
Uma carta de Cuba
Os primos trouxeram de Cuba muitas fotos, experiências e reflexões político-existenciais, CDs de grupos cubanos, um ron añejo blanco maravilhoso de regalito para mim, charutos e... uma carta de uma mãe cubana para seu filho que mora aqui na Venezuela. A senhora era uma das cantoras de um grupo musical de Havana Vieja e quando soube que eles vinham a Caracas pediu o favor. A carta vinha em um envelope feito à mão, isto é, uma folha de papel branco embrulhava o texto, as pontas do suposto envelope grampeadas e em sua frente um endereço.
Tenho que explicar que esse negócio de correio e carta por aqui é complicado. Os endereços na Venezuela são, como posso dizer ... difusos. Não há números nas casas, há muitas ruas com o mesmo nome. Como não houve tempo de encontrarmos uma agência dos correios enquanto eles estavam aqui, fiquei com a missão de enviar a carta na 2ª feira.
Comprei o envelope, transcrevi o endereço que tinha uma indicação “Ocumare y Yare”. Minha impressão era a de que o rapaz morava em uma estrada entre estes dois lugares. O que parece óbvio e simples para nós no Brasil foi se transformando em uma experiência (uma odisséia?). O atendente começou o interrogatório: Ocumare de onde? Existem dois Ocumares, de Tuy e de la Costa. E não satisfeito com isto, complementou: Yare também. Tem o San Francisco de Yare e... confesso que eu já estava tão atordoada que não lembro o nome do outro Yare.
A minha primeira reação foi de desistir e esquecer a carta, mas aí comecei a pensar naquela mãe cubana, sem contato com seu filho há muito tempo. Sua ansiedade e angustia escrevendo a carta, contando de sua vida, querendo saber do seu menino. Quanto de saudade não estaria naquele envelope feito à mão e grampeado nas pontas?
Insisti com o atendente. Havia o nome de uma urbanización: “El Ave Maria”. Pesquisamos na Internet e, depois de algum tempo, decidimos que era em Ocumare de Tuy. Próxima pergunta: O telefone de contato da pessoa que vai receber a carta? Quando eu disse que não sabia, voltamos à estaca zero. A carta não poderia ir. Depois de muita conversa, consegui convencer ao atendente que eu me responsabilizaria pela não entrega do envelope.
E lá se foi a carta, para Ocumare de Tuy. A carta de uma mãe cubana a seu filho exilado aqui na Venezuela. Espero que o envelope chegue a seu destino na urbanización El Ave Maria... coincidência ou ironia do destino?
Olhos de câmera
Fui ver o filme do Brad Pitt, The Curious Case of Benjamin Button. Agora vou ao cinema às 2as feiras. Adoro ir ao cinema de tarde e sozinha. Sempre fui assim, desde a minha época de faculdade: matinés solitárias. Na verdade, acho que estou resgatando aqueles tempos maravilhosos em que eu ainda sonhava em escrever roteiros.
O filme é estranho, me pareceu um Forest Gump do realismo fantástico. Mas gostei de ter ido.
Saí do cinema meio atordoada. Ainda não me acostumei a terminar a sessão e ouvir aquele burburinho que se faz, gente se levantando, avaliando o filme, só que em espanhol.
Quando fui pegar o carro me deparei com um âgulo novo do Ávila. A montanha envolta em neblina e sol me comoveu por alguma razão.
Indo para a casa, levemente engarrafada e ouvindo o CD do Recoveco, vi uma imagem simples e delicada. Em um sobrado, uma mulher pendurava roupas no varal. No cair da tarde, era uma figura acinzentada em contraste com um céu grís. Parecia uma cena de curta experimental. A música, os gestos da mulher, lentos e ritmados, a roupa resfolegando ao vento. Tudo cinza sobre cinza.
Muitas vezes faço olho de câmera cinematográfica. Brinco que meu olho filma cenas ao comando de uma canção.
É tão bonito ...
Lua cheia
Cheguei em casa pensando no que ia fazer para o jantar. Silvio insiste em jantar, já que o almoço em Sabana Grande é sempre ruim e muito caro. Abri a porta da sala e lá estava ela, dependurada em minha varanda. Lua cheia, cheíssima. A foto saiu tremida, talvez por deslumbramento.
Cada vez mais gosto de estar por aqui...
(in à vista del ávila)
5 comentários:
Nunca espero até terça-feira. Não gosto de adiar prazeres.
"Brinco que meu olho filma cenas ao comando de uma canção.
É tão bonito ..." - fui capturada por esta frase.
Eu também costumo observar à minha volta e, como digo a mim mesma, "fazer filminhos". Nem sempre ao comando de uma canção...Achei lindo!
Patricia,
A foto registrou sua emoção e sensibilidade. A lua foi mera coadjuvante.
Outro texto muito gostoso de ler. Você descreve as situações e os passeios de forma tão envolvente que acompanho você em cada um deles.
Grande abraço,
Lúcia
ps: já visitou meu blog de pinturas?
http://luciamrusso.blogspot.com
Patrícia
Leia a obra original do Fitzgerald, que vem livre da sanha moderna dos cineastas de inserirem realidade em suas tramas, e o realismo fantástico de Benjamin Button se torna gostos, retrato irônico de sua época e até ousado em alguns pontos, como o retrato da escravidão. É um comentário mais mordaz à época em que o Fitzgerald escreveu. Tudo isso se perdeu no filme, em nome do "racionalismo" científico. É um bom filmes, poderia ser inesquecível.
Abraço
Fábio e Carla
Hoje,terça de madrugada, ainda cansada de um dia duro de trabalho, cada vez mais raros nos dias de hoje, resolvi que antes de dormir iria me encontrar com você e seus relatos. Foi bom demais. O cansaço passou e a leitura me agradou muito. Amanhã tenho outro dia desses ( Graças a Deus) mas, estarei mais plena de idéias e de sentimentos, graças à minha visita ao seu blog. Beijos.
Primoca querida,
Amei o texo. Viajar na vida, é a melhor forma de viver. A frase que mais amei? "Cada vez mais gosto de estar por aqui." Isso é estar feliz.
Postar um comentário