segunda-feira, 3 de novembro de 2008

AMIGO É CASA


Cida me deu o DVD quando estive no Rio. Depois, Carla e Elza me enviaram email com a entrevista de Simone e Zélia no Jô Soares. Tudo sobre o novo trabalho das duas cantoras. Algo tão distante e tendo tanto a ver com a vida aqui bem pertinho da cordilheira del Ávila.


Logo que cheguei a Caracas, recebi um email de Sueli em que ela falava da experiência de se viver fora de seu país de origem. Acho que ela não vai ficar zangada se eu transcrever parte do email:


"Oi Pat!Escrevo meio no impulso, depois de ler seu e-mail. Me lembrou mt o início da minha estada na Alemanha, mtas novidades, descobertas, sensações. Os cheiros são diferentes, os hábitos, as comidas, os mercados. É uma fase maravilhosa, não é? Às vezes é bom a gente se sentir um pouco como criança de novo, sabendo q há tanto a descobrir."


Sueli é sábia. Eu me sentia uma criança, com um brinquedo novo... MINHA VIDA!!! Mas e quando bate a saudade...


VIDRAÇAS

(Caracas/Rio de Janeiro, outubro de 2008)


Quando vim para a Venezuela, sabia que ficaria muito sozinha. Sabia que o trabalho de Silvio seria intenso, com poucas folgas, muito poucas férias. Era eu comigo mesma, e Deus, que não faz mal a companhia.

Cheguei, ainda sem carro, falando nada de espanhol e morando em uma região mais afastada. Para fazer qualquer coisa, de supermercado a ir ao cinema, de fazer as mãos a casos de emergência hospitalar, eu precisava encontrar estratégias.

Importante frisar que em Caracas não se toma táxi como se faz no Rio ou São Paulo, ou Porto Alegre, ou... Há táxis de cooperativas, mas não há endereços, números nas casas. Ligar para uma cooperativa e pedir um táxi dando apenas o endereço é algo quase risível, além do fato de que eles desligam antes de você terminar seu pedido de socorro. O que se deve fazer é dizer o nome do local onde você está. Por exemplo: ?Senor, puede buscarme en Torre Plaza? E se o motorista não souber onde fica o edifício, você começa um teste oral de espanhol de nível intermediário para cima. Só um dado, eu moro em um edifício chamado BEL-VE-DE-RE, e quem fala espanhol, não distingue os sons de B e V. Devo confessar que me babei várias vezes tentando dizer onde morava.

Cheguei também no momento em que a RCTV foi fechada e havia muitas manifestações nas ruas. Então, todos me aconselhavam a não sair de casa. !Era muy peligroso!

E assim fui ficando. Nunca pensei que pudesse desejar um carro com tanta intensidade. Qualquer carro. Ah... uma Romizeta...

Foi justamente neste momento em que começaram a surgir pessoas, venezuelanos, que passaram a me ajudar. Assim, sem mais nem menos. Inesperadamente.

Encontrei motoristas de táxi que, literalmente, me ajudavam a fazer as compras. Sugeriam temperos, questionavam o preço com os vendedores, reclamavam quando, por exemplo, eu não comprava tomates.

Encontrei Yanette e Lucy, minha conserje e minha passadeira que foram preenchendo minhas tardes e me ensinando coisas da cidade e muito espanhol. Yanette e Lucy, uma história à parte.

Encontrei Senhora Paulina, minha massagista, com quem eu conversava desde política a receitas típicas da Venezuela. Senhora Paulina, outra história à parte.

Encontrei Nancy e René, meus anjos da guarda.

Encontrei Senhor Nelson e Senhora Olga, meus vizinhos, que sempre me dão de aniversário, uma apresentação de mariachis, onde, somente, o Senhor Nelson canta, para grande frustração do cantor do grupo.

Encontrei um livreiro chileno que já havia morado no Brasil e com quem conversei por uma tarde inteira sobre literatura, história e que me apresentou uma biografia de Simon Bolívar maravilhosa.

Encontrei Claudia, nossa professora de espanhol, com quem aprendo muito mais do que falar a língua. Aprendo sobre a cultura, os lugares, as pessoas, os hábitos que fazem deste país, um lugar tão ... único.

Aos poucos, mais brasileiros foram chegando e novos encontros se deram. Muitos, especiais. Somos hoje uma confraria requintada... as IVs. Uma outra história à parte.

Novas casas. Novos amigos.

Para minha surpresa, tenho também sido procurada por amigos que não via há muitos anos. Reencontros, como presentes para uma criança. Miriam, que eu não encontrava desde o primário. Dora, minha querida amiga da faculdade.

Mas, muitas vezes, bate a saudade dos amigos (muitos parentes incluídos) que eu deixei no Brasil. A cada coisa nova que eu conheço, como, vivencio, faz com que me lembre de diferentes pessoas com quem gostaria muito de compartilhar minhas experiências. Ah, se fulano estivesse aqui!!!


Foi numa tarde de sábado que eu descobri que o Ávila, às vezes, me visitava. Invadia minha sala de estar. Sentava comigo nos sofás. Tudo dependendo da intensidade de luz, da hora do dia. A montanha e eu em um encontro mágico. Fusão, superposição de imagens. Eu no colo da montanha. Ela sentada em uma de minhas cadeiras. Profunda intimidade.

Se amigo é casa, amizade, para mim, é uma vidraça muito transparente. E é no silêncio do vidro que se dá o encontro. Íntimo. Pleno. Muitas vezes, raro. Amizade que nos surpreende, nos emociona. Cúmplice superposição de almas.

Vidraças... Tão fortes. Podem nos proteger das tempestades. Nos dias de calor, abrem-se de par em par para que possamos sentir o vento e a vida entrando casa adentro. Mas há que se ter cuidado, pois qualquer gesto brusco, inesperado, às vezes acidental, pode quebrá-las para sempre, irremediavelmente.

5 comentários:

Alzira Willcox disse...

Que prazer visitar o seu blog e mergulhar nos seus relatos tão vívidos!
Ainda estou sob o impacto da metáfora da amizade...Vidraça! Transparente, protetora e...frágil. Verdadeira. Agora tenho uma ótima razão para valorizar as terças-feiras.

Unknown disse...

Realmente as I.V. estão sentindo tua falta. Doña Paulina, tb, e pediu para te mandar saludos e quer saber qd voltarás às massagens. Puxa, parece uma novela chamada À vista del Ávila, onde prometes grandes capítulos com Doña Paulina, as I.V., Nancy, Yanete, etc, etc, etc. O final do texto tb está super enigmático, o qual nos permite vislumbrar muitas históris vividas e relatadas através do filtro dos teus olhos, da tua vidraça.

Bia Veiga disse...

Que terça!!! Li de um golpe só.
Já estou aguardando a próxima com os próximos capítulos, rsrsrs... Adorei o sua amiga falou acima.
bjs e boa semana!!!!

Elza Martins disse...

Amiga querida, parece que nunca deixamos de nos encontrar. Como é bom ter amigos assim. Agora todas as vezes em que vejo o show de Zélia e Simone me sinto compartilhando a vida com você.
Leio suas palavras e vejo seu rosto, seus olhos se movendo, seu sorriso e me parece que você lê para mim.
Já amo o Ávila. Vê-lo refletido na vidraça foi lindo. No sábado, num almoço em família, falei dele, já estou quase íntima.
Lindo texto, você já começou a se tornar uma "local".
Cuidado,Caracas, Pat Blower chegou!
Muitos beijos.

Anônimo disse...

Pat,
vê-la falando de Àvila dá uma vontade enorme de conhece-la! As montanhas geralmente me trazem boas lembranças - minha mãe gostava das montanhas de Minas, Geraldo é o homem das montanhas e por aí vai.
Àvila traz à lembrança "The Mists of Avalon". Nenhuma semelhança, senão a música e encanto do nome e o também olhar feminino no livro de Bradley.
Um beijo,
Marilia