segunda-feira, 20 de outubro de 2008

ABRIL 2007 - ACABEI DE CHEGAR




Cheguei a Caracas em abril de 2007. Não tinha idéia do que ia me acontecer, mas já estava apaixonada pelo Ávila, a minha montanha mágica.

Tinha pensado em fazer um blog e o primeiro texto que fiz para abrir este blog, que só começa a funcionar quase 2 anos depois, foi justamente:


À VISTA DEL ÁVILA



(Caracas, abril de 2007)

O consultor era pálido e flácido, tinha o cabelo ralo e liso penteado para trás. Parecia um daqueles mágicos de circo de cidade do interior que sempre tira uma pomba encardida da cartola surrada. Vinha acompanhado por uma consultora Junior, baixote, mas com uma certa pose, e não fosse o terninho característico das consultoras, estivesse ela vestida em paetês verdes, certamente o consultor a teria serrado ao meio. Como um bom consultor, discorria longamente, com a segurança de quem não entende bem de nada, sobre a estrutura organizacional da empresa.
Foi nesta reunião em que pela primeira vez ansiei pela vista Del Ávilla.
Havia estado em Caracas alguns meses antes em preparativos para acompanhar Silvio em sua transferência para a Venezuela. Foi quando vi, plena, a silhueta da Cordilheira Del Ávilla, quase de relance, em uma rápida visita a um apartamento que estava para alugar. Em minutos me apaixonei por aquela paisagem.
Eu, nascida no Rio de Janeiro, criada em Niterói. Eu, que havia passado os meus quase cinqüenta anos de existência cercada pelo mar, estava enfeitiçada por aquele maciço de pedra que, em poucos minutos, era capaz de se metamorfosear em diferentes cores e texturas. Pedra, não pedra. Mimetismo com as nuvens. Meu impasse e meu desafio.
O consultor continuava a falar, de forma pausada e sem nenhuma paixão, como condiz aos sábios. E eu lá, vestida de Diretora, a pensar em minha vida. Por vinte e nove anos trabalhei no mesmo lugar. Sou de uma geração pré-revolução-japonesa-na-administração-das-empresas, pré-MBAs, pré-RHs estratégicos. Estava absolutamente exaurida. Cansada de fórmulas e de ler a vida e as realizações em planilhas de Excel. Um mundo feito de resultados e eu às voltas com dez anos de análise Lacaniana. Puro processo. Aquela sentada à mesa de reunião não era eu. Eu tinha outros sonhos, via a vida e o trabalho com outros olhos. Discordava. Pedra, não pedra. Mimetismo com as nuvens. Meu impasse, meu desafio.
Acredito que o consultor tenha continuado a falar ...


Cheguei a Caracas em uma 6ª feira da Paixão. Quase de madrugada. Trazia comigo oito malas. O que me foi possível trazer de avião. Ainda não sei se era meu espólio. Era o que dava para levar. Entramos pela porta dos fundos do apartamento. Silvio queria fazer suspense. Foi me mostrando cada peça: habitación principal, banhos, habitación de huespedes, sala de la família, cocina, até chegarmos à sala de estar e ao balcón. A minha frente, parte da cidade e a Cordilheira Del Ávilla. Negra, escondia-se na escuridão. Não se mostrou para mim naquela noite.
Sábado de Aleluia, bem cedo. Saí da cama pé ante pé para não acordar Silvio. Queria me encontrar com o Ávilla sozinha. Afinal, havia repetido tantas vezes, para tantas pessoas, que a vinda para Caracas não era por causa de Silvio, era uma viagem minha, própria, individual e intransferível. Era vencer meu impasse pessoal, enfrentar novos desafios. Encontrar comigo mesma e, se possível, retomar sonhos e projetos que haviam ficado trás, por trás de muito trabalho e de uma rotina insípida, cansativa e sem nenhuma perspectiva de mudança.
O céu fechado, cinza chumbo, não me deixava ver sequer a cidade, quanto mais a montanha. O Ávilla, tímido ou irreverente, não se mostrava. A paisagem era gris.
O sábado passou em se desfazer as malas, entender onde se estava, tentar comprar pequenas coisas para a casa, comer com amigos. Quando cheguei em casa, já passava das nove horas da noite e a paisagem do balcón era a mesma da noite anterior, uma parte da cidade iluminada e a Cordilheira envolta em silêncio. Escuridão.
Acordamos tarde no domingo de Páscoa. Tinha sido a viagem, o sábado corrido, a possibilidade de podermos dormir juntos, finalmente, de mãos dadas. Tudo fez com que a Páscoa começasse para nós quase na hora do almoço. E, então, não foi preciso sequer chegar ao balcón. Era dia de sol forte, céu azul, brisa como nas melhores tardes da Bahia. E lá estava, plena, como eu a havia visto de relance há tantos meses antes, a Cordilheira Del Ávilla. Diferentes cores. Ondulava. Ia se perdendo em um pouco de névoa até o infinito. Maciça. Minha finalmente. Não mais meu impasse. Meu desafio.



7 comentários:

Eulalia disse...

Chorei ao ler... na verdade, ainda estou chorando, admiradora fiel que me transformei, também, desta montanha, apresentada a mim por você, solenemente, numa tarde de arco-iris...

Ler você, querida, como lia antes. Encontrar-me, de novo, com sua poesia, vê-la brotar como a água da montanha... cascata fiel a seus sonhos. Seu desafio.

Infinitamente feliz por ler você, Patrícia, que, de distante, consegue estar sempre perto...

Beijinhos
lali

Unknown disse...

Eu também chorei, prima. E morri de inveja da Eulalia, que já teve a oportunidade de ver a montanha de perto. E me emocionei com a sua capacidade de falar de maneira tão poética sobre a angústia de se estar num mundo ao qual não pertencemos... ah os consultores.... Tenho muito orgulho da sua coragem e estou certa de que voce já venceu seu desafio. God bless you!

Bia Veiga disse...

Patrícia,
que prazer poder conhecer seu blog. Não consegui desviar meu olhar do seu texto e estava no trabalho com alguns me chamando, simplesmente não dava, rsrsrs... Lindo, muito lindo! Como suas amigas falaram, que poesia!!!
Obrigada pela sua visita e por poder te conhecer e te ler. Eu sou a Bia amiga da Lúcia, irmã da Elza. Virarei fã, aliás já sou, rsrs...
bjs

César disse...

"Haga su comentario", diz o Blogger. Poxa, comentar o quê? Nada hay que comentar. Ou melhor: nada que escribir. As impressões que ficaram ao ler suas palavras do blog são absolutamente pessoais, e qualquer tentativa de expressá-las sairá necessariamente borrada ou torta, portanto feia, anacrônica e incoerente com o clima do blog. Assim como sua mudança radical de vida, eu também estou passando por uma lenta mas profunda mudança -- a tal Polonesa, sobre a qual vc provavelmente ainda irá ouvir falar, não me deixa sossegar. De fato, seu blog me remotivou a escrever: vide este comentário palavroso e verborrágico. Acesse meu blog também: eletroglifos.blogspot.com. Beijos!

Mimos da Nieta disse...

Ai está um País que gostaria de visitar.Bom fim de semana.
Beijinhos
Nieta

pblower disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
pblower disse...

Denise não conseguiu publicar comentário e me pediu para inclui-lo na listagem.

Vou plagiar Eulália dizendo "como é bom ler vc novamente".
Excelente ideia de colocar seus sentimentos e o que vc tem pensado últimamente nessa nova etapa de sua vida.
Que bom que temos um instrumento como o blog para isso...Assim poderemos saber como anda a sua vida por aí de uma maneira que só vc poderia contar.
Beijos
Denise