sexta-feira, 11 de abril de 2014

UM GOSTO DE MINEIRINHO


Como a infância gosta de brincar com a gente. Gosta mesmo de nos pregar peças. Decidi nos visitar nas sutilezas.

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Nasci no Rio por acaso. Ou melhor... Nasci no Rio por teimosia de minha mãe. Ou ainda... Nasci no Rio como resultado de meu primeiro ataque de ansiedade. De tanto medo de perder a hora de eventos, chego sempre adiantada. 

Estava tudo preparado para eu nascer no dia 28 de agosto. Eu seria uma virginiana de primeiro decanato. Organizada e metódica.

Se era para o dia 28, minha mãe encasquetou de ir visitar meus futuros padrinhos em Copacabana. Sair de Niterói. Pegar a barca e passar a tarde em uma casa de varanda na Rua Santa Clara. Sou do tempo em que ainda havia casas e varandas...  Imagino que meu pai tenha reagido à ideia, mas ele era pisciano de último decanato e ela, ariana de boa cepa. Não deu outra. A visita se fez. E eu, que ainda nem era, dei uma de leonina com ascendente em Libra, ansiosa e metida, e decidi chegar mais cedo. 

E a história terminou na manhã do dia seguinte na antiga Casa de Saúde Arnaldo de Moraes.

Todo este introito para dizer que, efetivamente, nasci no Rio, mas sou mesmo é de Niterói.

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Como a infância pode ficar entranhada no rés da alma. No onde e quando você não a espera encontrar.

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Minha mãe trabalhava fora e já estava tudo combinado. Minha avó tomaria conta de mim enquanto minha mãe estivesse no trabalho. Mas um dia, quando eu tinha só sete meses, minha avó faleceu e sobrou para meu avô, general reformado, aquela menininha careca e desdentada. Imagino como não era difícil para ele (Fui a rainha das assaduras...), mas ele ia bravamente cumprindo sua missão.

Minha primeira infância foi entre mamadeiras, chupetas, espadas e batalhas.

Aos dois anos e meio, meus pais acharam por bem me colocar na escola.

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A infância não pede licença, nos invadi. É tatuagem. Grafite em nossos sentidos. 

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E, toda tarde, vovô tinha por tarefa me pegar no Curso Pequeno Polegar. Muitas vezes, me levava para o Campo de São Bento, onde eu podia dirigir o autopista, o bate-bate, até a nota acinzentada de cinco cruzeiros acabar. Acho que aprendi a dirigir nas longas sessões dirigindo o carrinho. (Na verdade, minha autoescola começou no carrinho do carrossel. Sempre detestei o cavalinho. E, só depois de mais crescida, me entreguei ao bate-bate)

Toda tarde ele me pegava na escola e tinha de seguir mil recomendações. Não pode isso. Nem aquilo. Cuidado com o vento. Cuidado. Cuidado. Não pode comer nada fora de casa. Ela já lanchou na escola.

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A infância tem sabores...

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Na lanchonete na esquina da Rua Oswaldo Cruz, ele me instruía: É só um churrasquinho com farinha, está bem? E não conta nada pra sua mãe!

Eu seguia as suas ordens como soldado raso. Tá legal, vovô. Mas conta aquela história de quando o tubarão te pegou.

A história era uma epopeia. Ele sendo sequestrado por um tubarão em plena praia de Icaraí. Virava escravo na casa dos tubarões e tinha de fazer todo o serviço. O momento de maior tensão era quando ele tinha de varrer a casa e a maré levava toda a sujeira de volta para a sala. Um horror!

Ele contando a história. Um final de tarde avermelhando o céu e o mar. Os pedacinhos do churrasco de gato prendendo entre os meus dentinhos de leite e, de vez em quando, um gole de Mineirinho (O refrigerante tradicional da cidade. Feito da erva chapéu de couro. Uma maravilha para pedra nos rins).

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Minha infância tem sabor de Mineirinho. Docinha, docinha. 

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Hoje almocei em uma padaria em Niterói, fazendo hora pro dentista. Não resisti, pedi um Mineirinho (É certo que diet, mas Mineirinho).

Dei o primeiro gole... O segundo... E ouvi: Era de tarde quando o tubarão me pegou pelas costas, nem pude me defender...

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A infância tem essa mania de nos deixar com os olhos assim, sei lá, com um brilho estranho, feito beira d´água, onde se reflete o sol e o entardecer e onde, às vezes, só às vezes, um tubarão pode vir te pegar.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

Um comentário:

Eulalia disse...

Toda vez que você me conta de seu avô eu fico imaginando quantos textos lindos poderiam sair aqui!

Gostei muito!