sexta-feira, 6 de julho de 2012

MIMETISMOS



Era domingo passado. Levantei cedo por acaso e esbarrei com este inverno carioca... Quente.. Seco... Enevoadamente azul.

Fiquei um tempo na varanda, olhando a vista, os contornos, respirando, me impregnando daquela manhã de domingo. Fiquei ali como parte da paisagem. Mimetismo e prazer.

Perambulei um pouco pela casa e, depois, fui abrir minhas mensagens. Sou meio viciada em computador. Estou sempre checando coisas.

Logo a primeira... Carinho e surpresa! No Facebook, Aninha contava aos amigos:


"Adoro arrumar a estante, demoro tanto na prateleira de poesias. É que reencontro tanta gente...

Baudelaire, Pessoa, Adélia, Alice Ruiz, Hilda, Manoel de Barros, Lya Luft, Drummond, Quintana, Ana Cristina César, Arnaldo Antunes, Bruna Lombardi, 
Cléo Boechat, Guimarães Rosa e Patricia Blower, amigos imortais!"




Quase perdi o fôlego cercada de tanta Poesia! Mimetizada em um livro, me equilibrei na estante e me aconcheguei nas palavras.

Aninha... A conheci com uns nove anos de idade. Foi uma das alunas de minha primeira turma como professora de inglês. Tinha umas mãozinhas gordinhas e a letra mais bonita que já vi. Eu brincava com ela: Você vai ser jornalista!...

O tempo passou e eu a reencontrei em um dos shows de poesia que cometi na década de 80. Eu era uma marginal... Muito bem comportada!

Não. Na verdade, a reencontrei tendo aulas de canto com Dona Eunice Moço. Quem é de Niterói a conhece.

Continuava sendo Aninha para mim, mas tinha crescido. Virado moça. E com o passar  do tempo fomos nos mimetizando em amigas. Não nos víamos com frequência, mas era sempre muito bom nos encontrarmos. Aninha não fez jornalismo... Virou arquiteta.

De vez em quando a gente se encontra. Nesses acasos da vida. Ela agora é empresária. Me parece feliz e realizada. Fico pensado, pelo menos espero, que eu tenha contribuído um pouquinho para aquele olhar cheio de vida e desafios que encontro nela. Às vezes me mimetizo em mãezona!

Aquela fala domingueira de Aninha, tão inesperada e carinhosa me atiçou lembranças. Um dia fui poeta. Cheia de brilho nos olhos... Iria mudar o mundo... Este vasto mundo!

Um dia tive até bem pertinho de Adélia! Como na estante encantada de Aninha.




Mas não mudei o mundo... O mundo me mudou... Fui-me mimetizando em tantos rostos e gestos! Mas que bom que um pouco da poeta ficou junto de Adélia lá na estante de Aninha.

Então, amiga Ana Cristina , retribuindo o presente tão lindo que você me deu no domingo, abro o Sintaxe do Espanto, este mesmo livro que Adélia folheia ao acaso e trago para a vida um poema que eu sei era seu preferido.

Um beijo grande amiga! 


MIMETISMO

e molhar minhas mãos
 em outras mãos
e me benzer
com lágrimas e saliva
e respirar o hálito de sorrisos
e engolir a vida
assim feita

refletida em pupilas
sonolentas
como na sala de espelhos
de um circo
encontrar na curva em esse
desta estrada
o início de um caminho
não um beco sem saída

e ser vária e vaga e tantos
múltipla pele
a porejar carinho
um camaleão
disposto ao sol
que é ao mesmo tempo flor
ao mesmo tempo espinho

e perseguir como sombra
o teu espectro
e descobrir teu rosto perdido na memória
ficou um olhar esquecido
uma lembrança
ficou um gesto em suspenso
como um grito

molhar minhas mãos
em outras mãos
perseguir como sombra o teu espectro
refletir em minhas pupilas sonolentas
essa múltipla curva
a que chamamos vida

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

2 comentários:

Celina disse...

Êta que a sexta começa assim! cheia de poesia de Patricia. Ela que sempre me inspirou, a poeta Patricia mimetizada com minha prima, que se mimetiza com uma amiga.irmã.
E tantos poemas que marcaram minha juventude, estão vivos pra gente continuar a marcar os cantinhos da vida.

Eulalia disse...

essa história de mimetizar aluna em amiga me lembra outra... ;)

Eu gosto muito desse livro, você sabe. Adorei recordar a poesia.

E, sim, é bom saber que o mundo nos muda... e acho que nem daria tão certo se fosse o contrário :)

beijinhos, amei.