sexta-feira, 30 de setembro de 2011

CINCO PARÁGRAFOS


Quando estava cursando o Mestrado, eu tinha um professor de Teoria Literária que, volta e meia, parava a aula e fazia rápidas anotações em um caderninho. Quase no final do semestre, quando eu já tinha um pouco mais de intimidade com ele, não resisti e, um dia, com cuidado lhe perguntei que notas eram aquelas que faziam com que ele interrompesse as aulas para registrá-las.

O professor não se fez de rogado e rápido me respondeu: Futuros romances.

Depois me explicou com mais vagar que ele anotava os parágrafos iniciais de histórias que ele esperava, um dia, escrever. Achei a idéia fantástica e, ao longo dos anos, muitas vezes me pego criando os meus parágrafos imaginários.

Como, até hoje, nunca encontrei livros de sua autoria à venda, acredito que ele continue perdido em seu mundo de notas e futuras histórias.

Esta semana, portanto, decidi brincar com os leitores. Deixo para vocês cinco parágrafos. Sem títulos. Só os textos e uma foto para cada um deles. Brinquem com eles e criem suas histórias. Para engarrafamentos e noites de insônia não há remédio melhor que soltar a imaginação e se fingir de escritor ou de Deus (que é quase a mesma coisa). 

Se embarcarem no jogo, não esqueçam dos títulos. Um bom título é como uma chave encantada, abre nossos corações a qualquer enredo.

1) _________________________________


Ela entrou na livraria apressada. A reunião no escritório tinha durado mais tempo do que esperava e agora tinha que encontrar um presente de última hora para a amiga de infância. Nem pensava em passar em casa. Iria da loja direto para o bar onde os amigos estavam celebrando o aniversário de Bárbara. Trinta anos! Todos estavam ficando velhos.Ainda bem que a amiga gostava de ler e não tinha ainda se entregado à magia dos e-books. "Nada como o cheiro de um livro novinho". Pelo menos era o que a amiga dizia quando lhe tentavam vender a idéia de ler livros em tablets... Upa! Estava com tanta pressa e tão distraída que não viu a cadeira de rodas e quase tropeçou no rapaz. Foi ele que a segurou. Mãos fortes. O rapaz olhou para ela e sorriu. Foi ele que pediu desculpas. Usava óculos e uma bandana colorida.

2) _________________________________________

Era uma vez, há muito tempo atrás, um pais distante onde todos viviam felizes. Nas praças. Nas ruas.  Nas casas, da mais pobre à mais rica, todos eram cordiais e solícitos. Todos  ajudavam uns aos outros e ninguém nunca tinha ouvido a palavra tristeza. Todos os dias eram sempre azuis e a chuva, quando vinha, era morna e suave. Na dose certa para umedecer a terra e encher os poços. O que os habitantes daquele lugar não sabiam e nem podiam imaginar é que ali, bem perto, junto aos campos de girassol, estava preso, em uma antiga torre, um príncipe. O verdadeiro herdeiro do trono. Enquanto ele sofria entre correntes e escuridão, seu povo compartilhava alegrias, fartura e plenitude.

3) _______________________________


O calor passava dos 40 graus. Quem disse que se pode trabalhar nessas tardes de verão do Rio de Janeiro? O delegado entrou no quarto onde alguns guardas já o esperavam. Na cama, o corpo da mulher. Não fosse sua palidez e o cheiro forte e ácido no ar e ninguém diria que estava morta. E morta há quase um dia. Nada no quarto estava fora de lugar. Sobre a mesa de cabeceira um terço? "Não", explicou um homem franzino que ele não sabia quem era. "Não, é um Kombolói. Uma coisa que os gregos usam. Aqui, pode ser enfeite de mulher, mas lá, só os homens podem ter um". O delegado estranhou. Naquele colar esquisito, faltava uma conta pequena.

4) ________________________________

Tudo começou como uma brincadeira de criança. Seus pais até a incentivavam, afinal o gosto pelas viagens e a curiosidade de conhecer outros lugares só podiam ser hábitos saudáveis. Passava horas recortando revistas. Colecionava fotos de lugares distantes. Diferentes países. Colava tudo em cadernos de desenho e dizia que um dia iria conhecer todos aqueles lugares. Foi crescendo como a melhor aluna de geografia da escola  e as colegas de turma, apesar de a acharem um tanto esquisita, a respeitavam como uma possível futura exploradora. Já estava agora com mais de quarenta anos. Continuava a recortar fotos e perdia noites inteiras pesquisando na Internet. Tinha suas economias. Nem se casou para poder viajar. Um dia ela sairia de Bom Jesus e desbravaria o mundo. Um dia.

5) _________________________________________

Não conseguia ficar sem a caderneta. Era seu amuleto. Sua segurança. Não se pode perder uma idéia por falta de lápis e papel. Uma boa idéia fisgada a qualquer hora pode virar um prêmio Jaboti ou um Machado de Assis. Todas as grandes obras começaram de meras anotações. Então, interrompia as aulas e, a cada lampejo de enredo, rabiscava a trama no papel. Às vezes, desenhava cenários e capas embrionárias. Não tinha o menor pudor de parar tudo e registrar suas histórias. Um dia, ao final de uma aula, uma de suas alunas, cheia de formalidade, com cuidado lhe perguntou o que eram as anotações. Ele não se fez de rogado e rápido respondeu: Futuros romances.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

6 comentários:

Rozenir disse...

Construo várias histórias durante o trajeto casa-trabalho e vice-versa. rsrs Desde criança tenho esse hábito de criar histórias na hora de dormir para me distrair e às vezes a história fica um bom tempo na minha cabeça. Vou explorar o tema da professora de geografia.

pblower disse...

Que bom, Ro. Gostaria de saber que outras histórias foram escolhidas pelos outros leitores. muitos beijos

Celina disse...

Primoca querida,
Adorei os cinco romances e sei que se você sentar com um deles, em pouco tempo sai um best seller! Já minhas anotações são para já! Right now! ou no mais tardar para daqui a um mes e meio!
contagem regressiva!

Ana Paula Gasparini disse...

Pat Blower, muitas vezes eu escrevo um texto a partir primeiramente do título, que me vem à cabeça para depois ser desenvolvido. É engraçado o processo de criação de cada um, não? Gosto muito dos seus textos.
Bjs

pblower disse...

Ana, que bom te ouvir. E bom saber que vc tambem anda criando seus textos. Um beijo grande

Eulalia disse...

Eu ainda espero que você, ao contrário do seu professor, dê um rumo a suas anotações... (sorriso) beijinhos