sexta-feira, 5 de agosto de 2011

VAZIAS TODAS AS MOLDURAS



Dia dificil este de hoje. Sem mais nem menos, sem esperar, recebi uma noticia ruim... Muito ruim. Nada de saúde. Nada comigo diretamente, mas algo mal com alguém de meu bem-querer e aí é como se fosse minha dor, minha pena. Machuca.

Fiquei remoendo dores e aflição. A pior coisa é se sentir impotente. Principalmente quando já é noite. À noite, pouco se pode fazer. A noite me inviabiliza. Eu, leonina e solar...

Tentei dormir, sem sucesso. Janelas abertas e computador ligado. Sites e blogs... Facebook. E lá, uma mensagem de Alzira:

Noite passada sonhei com a casa dos meus avós e lembrei de uma poesia de Drummond.


"A casa foi vendida com todas as lembranças
todos os móveis todos os pesadelos
todos os pecados cometidos ou em vias de cometer
a casa foi vendida com seu bater de portas
com seu vento encanado sua vista do mundo
seus imponderáveis..."



Ah, amiga Alzira... Esta sua mensagem me abriu portas antigas e por uma de suas frestas me chegou um antigo poema. Como carta expressa. Um poema antigo e inédito. Quase um segredo. Um poema que escrevi em 1995, logo depois da morte de meus pais. Nunca quis publicá-lo. Por medo ou pudor. Não gosto de lutos. Mas hoje ...

Obrigada, Alzira. Sua mensagem virtual, apesar de meu desalento, me deu um pouco de colo. Lembrei de tantos rostos que, onde quer que estejam, tenho certeza, estão sempre torcendo por nós.

Sabe, acho que todos trazemos entranhados nos poros, como poeira ancestral, o calor e o silêncio de uma casa antiga.

VAZIAS TODAS AS MOLDURAS

a casa
a casa
a casa

com que infinita dor eu a adentro
e ambas nos medimos no infinito

nela
cheiro azulado de mofo pelos cantos

em mim
o ranger de dentes pelo medo

e com que quinas ela me acolhe

toda a mobília inútil e branca recoberta
lençóis e pó seus ornamentos

a casa
e suas rachaduras são talhos que me sangram

a casa
trapos de roupas e retalhos velhos

a casa
e a saudade é meu abrigo

a casa
ruga cravada em meu rosto tenso

resvalo por corredores e saudades

tateio louca
em busca de algum ungüento

e me encontro só na sala sem espelhos

(vazias todas as molduras de prata nas paredes)

e com que frieza ambas nos medimos

ela impassível em seu cruel silêncio

eu chaga aberta
alma ferida
farrapo de mim jogado sobre a mesa

me vence a cada passo
metro a metro

me desfaz e cansa

um cordão de umbigo agora é o que me guia
e ao invés de elo
ele me empurra e lança
parto de um parto

e quanto mais a casa adentro
mais me distancio

saudade eu desespero eu
silêncio eu
sou

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

7 comentários:

Anônimo disse...

Pat tenha fé e paciência. Bjs no coração. Simone

Eulalia disse...

Vivi um pedacinho desse chão contigo, querida, e doeu em mim, dentro de sua dor, você sabe.

Mas assim como a lua cheia que te mostrei na noite daquele jardim de saudade (será que você lembra?), eu visualizava teu sol leão, ao amanhecer.

E agora a saudade, doce e branda, é o que vejo em seus olhos, vez ou outra. A companhia que o passado te faz, agora, não adensa rugas, mas mostra teu vivo coração.

Amo você, amiga, como irmã, e se choro agora ao escrever, é porque te vejo linda e doce e madura e luz.

beijo no coração.

Eulalia disse...

Muito lindo, seu poema. Este estava mesmo trancado. Eu não conhecia.

Muito bom vir à luz!...

Elza Martins disse...

Patricia,a gente acredita que uma força maior nos acompanha e protege, sempre, quando lê o seu poema secreto. Só mesmo esta força imensa para, depois de tanta dor, lhe presentear com um amor que viria para lhe fazer muito feliz.

Alzira Willcox disse...

Fico bem quando penso que, de alguma forma, estive com você, trazendo uma palavra de conforto.
Seu poema me emocionou, me levou às casas antigas que fizeram parte da minha história.
Seus poemas sempre me tocam muito, seus textos me tocam e sensibilizam. Compartilho o seu desalento e sou solidária ao seu sentimento. Bj

Celina disse...

Ai Primoca... um filme, cena a cena... Vencer a casa, a saudade, a dor e as lembranças. Vencer e dar espaço dentro da gente para entrarem as alegrias. Um dia, a dor diminui, só fica a saudade. Que poema mais concreto!

monica disse...

Ler o teu poema hoje mexeu muito, porque hoje tomei uma decisão importante sobre meu apartamento de São Frans. O poema diz também um pouco de meu sentimento agora.
Bjs